terça-feira, 24 de julho de 2012

Rosa

A Caminhante me desafiou já tem uma semana. Ela lerá o Ulisses se eu finalmente ler Grande Sertão: Veredas. Pois andei por toda a cidade à procura do livro do Rosa e só fui encontrá-lo hoje. A trigésima terceira edição da Nova Fronteira. Li a primeira página e, confesso, fui alvo de uma intensa preguiça. Isso requer explicação: eu me considero um exímio leitor, um leitor profissional. Sou assolado por uma intranquilidade infinita quando leio apressadamente. Há um ano li Seu Rosto Amanhã, do Javier Marías, em alta velocidade, e saí com uma impressão ruim desse cultuado romance. Semana passada adquiri as outras duas partes da trilogia do Marías e, de birra, reli a primeira parte com uma renovada atenção, e eis que tive opinião totalmente oposta do primeiro enfrentamento da obra. Seu Rosto Amanhã é esplêndido! Lembrei de um personagem do Saul Bellow (creio que Charles Citrine, o narrador de Humboldt`s Gift), que percebia a afasia que o cotidiano lhe causava ao se diagnosticar a velhice das leituras desatentas, ele que também se deliciava por sempre ser um leitor vigoroso. Pois a releitura do Marías me fez ver passagens do livro que me fizeram perguntar: por que não sublinhei isso da primeira vez? Pois foi esse cansaço que me pego tendo no vislumbre da primeira página de Rosa. Abrindo meu consciente, o que me suscitou dos neologismos de Rosa deve ser a mesma coisa que a lâmina de barbear cruzada por sobre o espelho de Buck Mulligan deve ter provocado na Fernanda: o desestímulo diante a palavra. E esse é o maior dos pecados, sempre combatido por mim. E Rosa me causou_ e ainda me causa isso. Rosa, o sertão, o brasileiro, as tantas escolas próximas com suas ortodoxias pesadas que rumorejam por detrás das páginas do Maior Romance Brasileiro de Todos os Tempos, aquele português sertanejo do qual eu não esperava ter que enfrentar logo agora, logo agora, que tenho tanto para ler, mas que interrompi a lista cronológica para aceitar um desafio de alguém que não conheço pessoalmente mas prezo muito. A única coisa que sobra de boa dessa péssima impressão, dessa impressão desonesta e preocupante, é que os maiores livros da minha vida, ou grande parte deles, vieram desse mesmo cansaço. Ulisses, Absalão Absalão, Tristam Shandy, Memorial do Convento, e muitos outros... A leitura guarda uma alegria suprema mas às custas de disciplina acirrada. E repito o que costumo dizer por aqui e por outras paragens: não é o leitor que aceita o livro, mas o livro que aceita o leitor. O leitor que tem que estar à altura do livro, senão, mesmo que apenas pela força física extenuante de atravessar maquinalmente 600 páginas, tudo será tempo perdido. Estou bastante ocupado hoje e não posso me alongar. Mas, conforme combinei com a Fernanda, começaremos hoje o desafio. Às nove horas vou para meu refúgio e me revestirei de humildade e atenção para que Rosa me aceite em toda minha estrangeridade e extravagância.

47 comentários:

  1. Também penso em falar sobre minhas primeiríssimas impressões, tão logo as tenha. Mas serei mais justa e espero avançar pelo menos umas 100 páginas antes de reclamar da chatura de Ulisses. É só ver o volume de um e outro pra perceber que quem pegou o maior sapo fui eu. Eu sou menor e mais jovem, nem é justo...

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    1. Como te disse, sou um leitor bastante volúvel. Ainda não cheguei à página 50, mas já fui atingido pelo impacto do GSV. Fiquei pensando por horas antes de dormir sobre a exegese dessa obra e suas inevitáveis comparações com os atuais romancistas nacionais. Lembro que num ensaio, Bellow expôs o desentendimento que Ralph Ellison teve com ele devido à resenha feita pelo primeiro do grande romance de Ellison, O Homem Invisível. Bellow fez um texto laudatório, ressaltando as muitas qualidades dessa obra insuperável de Ellison, mas Ellison o recriminou por não ter mencionado sobre o "caráter mítico" do livro. Mais que justo a reclamação, pois o que mais brilha nele é seu caráter mítico, o que eu entendi como sendo o seu classicismo universal e esotérico.

      Pois GSV transborda essa grandiosidade com imensa tranquilidade desde a primeira página. Rosa fala de outras coisas, tergiversa, vai abrindo terreno gentilmente, com absoluta calma e segurança. E que maravilha ver que não há sertanismos de qualquer tipo ali. Como todo grande romance, a sua voz é extraterrena, aráutica, promovida por uma entidade que bem pode estar acima da mera terrenidade dos demais. Na voz de Rosa estão os gregos, os hebreus, os romanos, os russos. Talvez eu nunca me faça entender nisso, mas fui cativado por Rosa por não ver a familiaridade que eu sempre temia em ver ali, a brasilidade, a necessidade de pátria, dos sentimentos heroicos incontornáveis, da bandeira. Rosa é tão desprovido de sotaque quanto Tostoi. Esse esoterismo, pensei, é a marca dágua do grande romance. A revista Granta lançou sua edição nacional do que seriam os romancistas atuais que vão determinar os novos caminhos da literatura brasileira. Excelente hora para conhecer GSV.

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  2. A leitura de GSV me foi muito mais gostosa que a de Ulisses. Creio que a disputa seria mais justa se a caminhante fosse obrigada a ler Moby Dick (se é que ainda não leu), até pelo teor da história. Mas de um jeito ou de outro, a iniciativa é boa: finalmente Charlles vai ler GSV. Sinto uma mistura de inveja e nostalgia por não o estar lendo também.

    P.S. Charlles, não sabia que gostava tanto de Memorial do Convento. O conto que publiquei semana passada é sobre Bartolomeu de Gusmão.

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    1. Paulo, te mando ainda minhas impressões de leitura de seu conto por email. Sobre Moby Dick, taí, talvez seja chegado o momento de sua leitura depois de GSV, pois tenho-o aqui em casa mas não o li. Mas não concordo; a Caminhante tem várias horas de deleite pela frente.

      Gosto muito de Saramago. Muito mesmo. Além de várias razões, saramago está por detrás de meu conhecimento da minha esposa, a Dani. Escrevemos juntos uma monografia sobre Ensaio sobre a cegueira, que ela apresentou na conclusão de seu curso de letras. Eu, motivado pela mais cafajeste das intenções, escrevi por três dias umas quase cem páginas sobre o romance, quando vi que o intento daquela morena era divagar sobre o assunto, e o mostrei a ela, com a mais descarada cara de joazinho-sem-braço. Foi a única vez que a literatura serviu para uma cantada.

      Passe os links de suas novas publicações, se possível. Ou me envie por email.

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    2. Charlles, me refiro ao mesmo conto. Por um tempo publiquei breves ensaios em http://confrariadetolos.blogspot.com.br/search/label/Raviere ,mas o blog não é atualizado há um ano. Penso em retornar.

      Só li quatro livros de Saramago, e gostei muito de todos; li Cegueira, Memorial, o Evangelho e A Viagem do Elefante. O melhor: Memorial do Convento. O mais divertido: a Viagem do Elefante.

      Moby Dick é sensacional, falta explodir em sua mão. Você sabia que Melville também às vezes usava linguagem paródica grandiloquente para assuntos cotidianos, e também inseriu trechos em forma de peça de teatro, como Joyce fez depois?

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    3. Já li algumas coisas suas então, em um passado distante em que comentou algo no blog do Milton sobre o livro homônimo que dá título ao antigo blog.

      Li todos esses, menos o do elefante, e mais uns outros tantos. Definitivamente, o melhor de Saramago é O Ano da Morte de Ricardo Reis. Li-o duas vezes. Jangada de Pedra é o mais divertido e lírico.

      Li os contos do Melville. Não há nada igual a Bartleby. Também há outro conto, um tanto desconsiderado, mas que me fascina, chamado O Vendedor de Para-Raios. Moby Dick está a caminho.

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    4. Sim, mas no blog há textos de várias outras pessoas. Você devia fazer uma apostinha dessas com o Milton para ler Uma Confraria de Tolos (há algum livro que você sempre insiste que ele leia?), se é você que ainda não o leu. É um dos livros mais engraçados que existem.

      Devo pegar mais um Saramago qualquer dia. Vou no Ricardo Reis então.

      Do Melville, gosto bastante de Billy Budd, Marinheiro. Li Bartleby. São ótimos, mas Moby Dick ainda está na frente.

      Sobre a discussão com Marcos, penso que nenhuma literatura no século passado produziu tantos tesouros e tantas bobagens quanto a norte americana. Pra mim lidera as duas listas. Mas ao menos têm um mercado que abre espaço para um e outro, e até os autores de gênero escrevem com mais qualidade que os ditos sérios cá no Brasil. Discutimos isto aqui, no post sobre Eugenides e Marias.

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  3. Isso já está lá no Imperador Romano Marcus Aurelius, no Meditatio. A leitura como ascese.
    Essa palavra perde muito da sua força quando é entedida através de séculos de herança cristã.
    Askesis é antes de tudo exercício. É trabalho que se faz em si mesmo. Desdobrar solitário da própria consciência sobre si mesma.
    A leitura é então a técnica por excelência que permite esse cuidado de si mesmo. O exercício que permite , no ato mesmo da leitura, a abertura da obra que nada mais é que o próprio sujeito que lê.

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    1. Bonito isso, Luiz. Me lembrou várias páginas deslumbrantes da Hannah Arendt, sobretudo o A Condição Humana. Definiu bem o que a leitura representa para mim_ e, com certeza, para todos os leitores comprometidos. A leitura tem mesmo o mais puro significado espiritual e de auto-descoberta.

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    2. Relendo o que eu postei...
      Engraçado como é difícil traduzir o estoicismo Romano, os exercícios espirituais estóicos, entre eles a leitura, o premeditatio mallorum, etc, sem ficar parecido com a Lya Luft...
      Mas o Marcus Aurelius tem mesmo páginas belíssimas sobre a leitura como ascese. Acredite. Apesar da incapacidade do tradutor...

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    3. Pegou pesado contra si mesmo referindo-se a Lya Luft. Marco Aurélio... Há muito também sinto a necessidade de ler esse cara. Sempre pensei em Camus como um Marco Aurélio moderno, com toda sua integridade e coerência.

      Aliás, vá lá no site da revista Cult, na edição desse mês. Dificilmente a revista impressa deva chegar aí no Canadá, então, penso que assim que vencermos julho eles abram o acesso digital do número referente ao mês. Lá tem uma deliciosa entrevista de Michel Onfray (que aliás, até então, o via com um certo enfado), em que ele fala de forma excepcional sobre Camus. Onfray acaba de lançar uma biografia de Camus, que aguardo muito o lançamento nacional. Além de assinar o texto de uma história em quadrinhos sobre Nietzsche, com quatro páginas de amostra nessa edição.

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    4. Na minha "wishlist" da Amazon tem lá aquele livrinho sobre o rompimento entre o Camus e o Sartre, livro de capinha azul que traz a transcrição em inglês, pela primeira vez então, da troca de farpas entre os dois nas páginas do Les Temps Modernes... Onfray confesso que não conheço.
      Olha só. Acho que preciso me explicar. O Sabbath deve estar chegado por aí, mais cedo ou mais tarde. O envio daqui do Canadá acaba que ía sair um pouco caro então tive que me usar de outra alternativa para o livro chegar aí.

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    5. Hahahaha. Preocupa não. Mas foi um alívio saber disso, já que vi o seu envio do Kobo Abe enfiado nas grades do portão, ao deus-dará, e tem um velhinho catador de papel tradicional por aqui que costuma pegar roupas em varais desavisados; não deixa de ter sua graça imaginá-lo revirando o Roth nas mãos e matutando o que diabos ele iria fazer com aquilo.

      O Onfray é o filósofo francês "do momento". Tentei ler um livro dele, mas sua causticidade me pareceu um tanto infantil ao descrever as agruras de seu passado proletário em uma fábrica de queijo, antes de ser salvo pela vida universitária.

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    6. "aquele livrinho sobre o rompimento entre o Camus e o Sartre"
      esse livro é muito bom!

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  4. O substrato da coisa é que deve mais te incomodar, isto é, o Brasil. Mas esqueça: GSV não é Brasil, é um território suspenso por mitologias e regado pelo diversionismo político de Rosa, incapaz de tratar o sertão como aquilo que ele de fato é: não uma terra de cavaleiros andantes em busca do Santo Graal, mas um território maculado pelo latifúndio e as formas de poder arcaicas que se sustentam pelo terror. Mas o querido Rosa, filho dileto da classe dominante local, não tava mesmo a fim de ver o sertão real, mas escavar sob a superfície dele e encontrar as profundas relações epirituais do sertanejo com as buscas ahistóricas da humanidade. O último período, claro, é ironia.

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    1. Quando tinha lá meus 13 anos e fui apresentado à obra dos Beatles, lembro que constantemente ia repetindo: mas essa canção é deles?!! Já a ouvi e a conheço muito, É DELES!?

      Assim, a cada página de GSV vejo frases e sentenças e feitos transformados pelo costume alheio em aforismos. Quando Deus voltar que volte armado; a vida é algo muito perigoso; o cerrado estrondava; o demônio no centro do rodemunho, e assim vai...

      A ortodoxia conhecida na prática. Vendo a literatura em sua face politizável e raleficada assim como a veem os russos no Tosltói e Dostoiévski tomados pela vida cotidiana, pela repetição e insensibilização perenes. Dessa forma percebo o quanto um país_ ou, mais correto do ponto léxico: uma nação_ se sente carente de uma grande literatura, das vozes que se propagam em personalidade pátria, das palavras que saem dos pedestais do academicismo e se misturam nas conversas de feira e de boteco. Enlargecendo um tanto a aptidão a teorias tresloucadas, não seria essa carência uma das causas de nossa estupidez, de nossa mutilação educacional? Não seria essa falta de mais cadelas Baleias, de Riobaldos, de Dom Casmurros, que nos acrescenta um tanto mais essa opacidade referencial em cultuar coronéis, Sarneys e Perillos? Não sei cara, mas cá com meus botões, estou propenso a acreditar que essa escassez de um imaginário substancial tem muito a ver na raiz de muita mazelas que vemos por aqui, nesse nosso paisinho insofismável e previsível, sempre retrogradamente dividido em duas frentes políticas canhestras e já sem o mínimo propósito.

      Minha esposa está indo para a capital amanhã e já lhe encomendei que passe numa livraria e me traga o GSV, que esse com que estou é emprestado.

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    2. Esse atrito é eterno, por abordagens diversas desde a origem. Morro de rir com isso de "coronéis, Sarneys e Perillos?", como se esse tipo de construção social e figuras públicas fossem um mal especificamente brasileiro. Ê, bobagem! Só naquele teu país dos sonhos temos figuras como Bush, Palin, Obama, fundamentalismo feroz, assassinos seriais em cada esquina, analfabetismo funcional de comedores de churrasco... E a "riqueza e cultura" européia, tão bela e embalada na sua origem genocida africana, como a Bélgica, um exemplo de desenvolvimento que tem por base a exploração brutal da natureza e gentes do Congo...

      Então, ok, pra ti a literatura brasileira sempre será uma coisa desmilinguida, enquanto a norte-americana a pátria dos gênios literários, etc. Embora não goste NEM UM POUCO de Guimarães Rosa, tendo a achá-lo melhor que o Faulkner com suas mitologias do deserto de homens e ideias do sul dos EUA...

      Bem, como escreveu o Delfim Neto, novo ídolo dos filiados ao PT, "Nossas condições objetivas não sustentam o pessimismo que domina alguns setores da sociedade brasileira."

      Essa porra é um vício: até uma francesa (que mora no Brasil há 3 anos) me disse uma vez, rindo, que o verdadeiro esporte nacional não é o futebol: é falar mal do Brasil. Até ela já conhece o dito do Nelson Rodrigues, para quem "O brasileiro é um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem".

      Bah, e colocar Graciliano Ramos e Machado de Assis na mesma canoa de GR e o subdesenvolvimento brasileiro, ai, ai, ai... Como já escreveu o GR, tem uma terceira margem nesse rio aí, nem que seja o Rio de Janeiro.

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    3. Também morro de rir quando você afirma que o único país catalogável na "lista dos 10 mais da economia" que AINDA tem uma polícia militar_ o Brasil_ é igual aos EUA e a Europa em suas violências e alienizações políticas. O Brasil está milênios de atraso em questão ao mais boçal dos países_ os EUA. Nós somos tão atrasados que nos prestamos a ser, pura e simplesmente, uma cópia barata dos EUA. Você mora no Rio, e eu moro em Goiás. Então, não há como negar as evidências.

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    4. A literatura norte-americana foi a maior do mundo no século passado. Vai ser difícil você desconstruir esse fato apenas num furor enraivecido e solitário de ufanismo patriótico. E defender a literatura brasileira_ que, coitada, nem chega a existir_ frente àquela, é, no mínimo, um acintoso gesto de adolescência tardia.

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    5. (esses comentários meus acima não são desrespeitosos a você e nem raivosos, nunca é muito reafirmar isso.)

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    6. Outra coisa: numa improvável revista agropecuária que me chegou em mãos (cujo nome é Balde Branco), li um artigo escrito por um jurista brasileiro em que ele compara o sistema jurídico norte-americano com o nosso. Só o que tem ali já desmistifica essa sua veemência em ver o Brasil no mesmo nível de atraso que os demais países. Ele compara a desigualdade salarial ergastoférica entre um juiz de direito brasileiro com um trabalhador assalariado padrão, e esse mesmo cenário nos EUA. Um juiz brasileiro ganha 42 vezes (42 VEZES) a mais que um assalariado, enquanto um juíz dos EUA ganha apenas 3 vezes mais. Um juiz norte-americano ganha em torno de 5000 dólares, enquanto um pedreiro da construção civil de lá ganha 1500. Um juiz dos EUA não ganha abonos ou mimos salariais como os daqui, o que aumenta ainda mais o desnível de ganhos nacional, pois juiz (e leia-se aqui os demais alto escalões do judiciário, como procuradores, promotores, etc.) ganha auxílio-tudo, aluguel, luz, agua e supermercado de graça.

      Um juiz de lá tem um mês de férias. O daqui, até recentemente, três meses, cortados para APENAS dois, com mais 18 dias de folga.

      E, se você está acompanhando a novela dos cursos de medicina no Brasil, deve também se lamentar por nesse aspecto sermos distintivamente e surrealisticamente diferentes. O recém formado nos EUA só pode exercer a medicina se passar pois no mínimo dos anos de residência hospitalar, e ser aprovado em prova rigorosa de conhecimentos sobre a disciplina. Aqui, essa prova é voluntária, e mesmo se o aluno zerar, sua nota não pode ser publicada, e ele não pode ser impedido de trabalhar na área. Dos 15% que se submeteram voluntariamente ao exame, apenas 47% foi aprovado.

      Marcos, como advogar em defesa disso?

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    7. Pô, cara, coisa mais fácil...

      Aqui a classe dominante, com todo apanágio dos seus titereiros, os EUA, faz o que bem entende, o que importa é deixar os recursos do país a usofruto de seus titereitos, os EUA...

      Da mesma maneira, não importam aos titereiros, os EUA, que o povo daqui tenha uma medicina nas mãos de profissionais: é melhor que fiquemos nas mãos das rezadeiras.

      Tudo isso é decorrente de uma dominação centenária e de uma política externa made in USA criminosa.

      Lá, eles mantém uma classe média cativa com rendimentos razoáveis, o que não passa de uma política de pão e circo: fiquem queitos com relação aos nossos crimes externos pois isso garante o bem estar interno de vocês.

      Caralhos, isso é cristalino!

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    8. Pois estamos, então, a dizer a mesma coisa, caralho!

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  5. Sobre o último período do seu comentário, Marcos. Penso que o exagero é uma estética possível. Possível no sentido de poder ser levada a sério. Não me vêm à cabeça agora que autor contemporâneo representaria essa estética possível do excesso...
    Tendo a culpar a crítica do modernismo ao classicismo pela desuso do excesso.

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    1. Exagero, exagero... qual exagero do Rosa? Chamo o procedimento dele de "desfaçatez".

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  6. Não tenho nada a acrescentar sobre o Rosa. Acho que a sua primeira hipótese é a correta (a que você deixa de lado depois no decorrer do seu comentário), que o problema de Rosa é o Brasil.
    Defendo o excesso como estética ponto.

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    1. Defendo o excesso como estética; defendo que o problemna de Rosa é o Brasil, certamente no sentido inverso do teu, mas que Rosa usa de desfaçatez, ao virar a cara para o sertão real e inventar umas mitologias substrataciais que não passam de empulhação diversionista.

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    2. Marcos, vejo com muitas reservas essa afirmação sua de que Rosa virou a cara para o sertão. O que quer dizer com isso? Uma peça fundamental de Rosa foi ter virado as costas, considerando estarmos nós dois dizendo a mesma coisa. Uma reprodução legítima, documentária e fidedigna a um nível positivista do sertão, teria resultado em mais um daqueles panfletos políticos da baixa literatura sertaneja que foi praga nas letras nacionais na metade inicial do século passado. A literatura goiana está estofada de cabo a rabo desse tipo de narrativas chatas, minimalistas, cheias de um açúcar perigoso e de um pejorivismo canhestro do caipira sofredor e católico. E essa vertente do sertanismo era um tanto corrupta, pois seguindo-se sua linha condutora em sentido inverso, sempre se chegava sem surpresas a motivo mitológico do coronelato. Por essas terras do centro-oeste se encontra, ainda hoje, animais anacrônicos das letras que vivem num mundo subalterno encantatório, onde o coronel, para bem ou para o mal, é o rei, e onde os personagens se estarrecem na eterna sina imóvel do pobre, da donzela bonita, do estancamento social feliz e irredimível. Uma série de Jorge Amados sem a graça, a leveza e o humor.

      Rosa mitificou e criou um inferno profundo onde podemos entrar e pensar, assimilando as semelhanças distorcidas da velhíssima realidade. Isso está longe de ser pouco.

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    3. Os únicos semi-áridos a engendrar mitos estão pra lá da África. Definitivamente o Velho Chico não é o Nilo, muito menos o Eufrates. E o sertanejo, que lhe pese o trágico, não é Percival. Mas não se pode dizer que faltou ambição ao Rosa. Coisa escassa entre essa geração pobre que acha que Jô Soares é Raymond Chandler. O problema de Rosa foi o Brasil.

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    4. Não é necessário o realismo positivista. Penso em Gracialiano Ramos, ou do realismo mais autocomplacente de um José Lins do Rego, ou de O Quinze, de Rachel de Queirós.

      Engraçada a comparação entre Jô Soares e Raymond Chandler. Para chegar mais perto, é melhor falar em Garcia Roza e Chandler. Jô Soares? Para geração nenhuma, mesmo porque quem gosta de Jô Soares não conhece coisa alguma dos demais autores existentes, vivos ou mortos. Um Paulo Coelho e aquela que escreveu Harry Potter e uma outra da "saga" (quá-quá-quá) Crepúsculo e olhe lá. Não que todos tenham que saber muito de literatura, é claro.

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  7. Charlles gostando do Guimarães Rosa - salvei uma alma e conquistei um lugar no céu. Já posso parar de ler Ulisses, né? Tá chato.

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    1. Se você parar, eu também paro. Ou leio de fininho à noite e minto eternamente que não o li. Vai ser o primeiro caso de leitura de um clássico não assumida por pose social.

      E que tipo de dignidade é essa sua desistir assim de um desafio?

      (Mas, é brincadeira: se não gosta de um livro, desista dele imediatamente.)

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    2. Pelo que percebi, o Milton está disposto a me xingar todos os dias pra me fazer continuar com o Ulisses. Assim como tomei como missão de te fazer gostar de Guimarães, Milton se coloca ao teu lado na tentativa de me fazer gostar de Ulisses. Fizemos uma verdadeira sessão de terapia hoje de manhã. Sou macho e me proponho a ler pelo menos até a página 100. Suponho que até lá eu ache a hilariedade, se ela realmente existir. Depois disso, não sei. Nunca me senti tão cartesiana frente a um romance (ops, diz o Milton que não devo ler como um romance).

      Eu sabia que você gostaria de Guimarães porque o único obstáculo do livro é a linguagem, que acostuma com alguma persistência. E você é um leitor persistente. Já eu... Acho que alternarei Ulisses com Eu, robô, que esse sim estava interessante.

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    3. Sabe como eu me tornei um leitor perseverante, Pequena Gafanhota? Acreditando no livro. Eu acredito no Rosa, sei que ele está fazendo uma coisa verdadeira ali, que a escola modística não partiu do nada e foi inventada, mas nasceu de uma coisa real.

      Acredite no Joyce, que o negócio flui. Não o veja como alguém que está tentando te vender um televisor preto e branco da Telefunken, embrulhado em papel celofane lilás. Vejo-o como um escrito legítimo, contra quem você não precisa ficar de prontidão para perceber empolações e truques. Desse jeito que você está levando, de olhar o equilibrista na corda bamba sabendo que, contra todos os prognósticos e maravilhas cantadas por uma imprensa má intencionada, ele vai cair e se estrebuchar lá embaixo, é melhor abandonar a leitura e curtir de bom grado o seu Asimov. Joyce não é nenhum prestidigitador. E quando eu falo que senti absoluto prazer da leitura ao ler Ulisses, não estou mentindo. E aposto meu sexto dedo do pé (dedo que eu não tenho) que também o Milton não mente.

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    4. Ei, não estou lendo com essa má vontade toda! (acho)

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  8. "A literatura norte-americana foi a maior do mundo no século passado. Vai ser difícil você desconstruir esse fato apenas num furor enraivecido e solitário de ufanismo patriótico. E defender a literatura brasileira_ que, coitada, nem chega a existir_ frente àquela, é, no mínimo, um acintoso gesto de adolescência tardia."

    Quá quá quá!

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  9. ( ah, tá: esqueci de dizer: nenhum comentário meu foi desrespeitoso, inclusive as risadas acima: na verdade, essa coisa de discutir que a minha literatura é maior que a sua é coisa irrelevante e adolescente, daí que podemos nos sentar juntos para tomar nosso guaraná como dois bons meninos de 15 anos)

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  10. pra que camus x sartre se temos campos x nunes?

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    1. Estamos mais para Didi e Dedé, se bem que eu ficaria feliz em ser tão somente o Groucho Marx.

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  11. Eles podem trocar farpas à vontade. Só não podem romper a relação. Resta saber quem é Sartre e quem é Camus. Acho que os dois vão reclamar Camus para si.
    Em tempo, tenho alguma antipatia pelo Sartre de Caminhos da Liberdade, acho o Sartre do teatro um tanto irrelevante, Ser e o Nada foi, a despeito da crítica, um grande marco do existencialismo, mas estou assim bem impressionado com os cadernos da Segunda Guerra do Sartre.

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    1. Li O Muro, de Sartre, quando era adolescente. Conservo fortes lembranças desses contos, como uma espécie de marco de "estar lendo uma coisa séria". Depois li A Náusea, e fui conhecendo o autor pelas beiradas, com o filme sobre Freud e aquele livrinho muito bom sobre as palavras. Mas Sartre, para mim, é alguém para quem não pretendo retornar. Obsoleto, contraditório, e escrevia mau, além de tudo (sua desculpa era que sacrificara a literatura às exigências tacógrafas da filosofia), o que não quer dizer muito, visto Dostoiévski, visto Anthony Burgues e mais uma série de outros grandes escritores com estilos capengas (entra aí, em alguma instância, o Cortázar).

      Sartre canalizou as angústias existenciais do entre e pós guerra, e ficou datado. Na referida revista Cult, Onfrey o acusa de muita coisa ruim, inclusive de ter traído a resistência passando para o lado de Vichy, em troca de darem um programa de rádio para a Simone de Beauvoir. Vejo-o como o Neruda do existencialismo, e quem lê Neruda hoje?

      As palavras de Onfray sobre Camus, ao contrário, são belíssimas. O cara não consegue esconder uma forte veneração. E não há como contradizê-lo. Camus quis traduzir a angústia tradicional européia para o clima meridional, e em decorrência para a visão do terceiro-mundista esclarecido. Nunca abandonou os pobres e desfavorecidos, tendo uma filiação áspera e sem pieguismos, condenando sempre a ignorância como mal maior humano. Seu diário sobre o período infernal que passou no Brasil resume o que o Brasil sempre foi, de forma ampla e lúcida. São palavras de alguém que quase não conseguia suportar a obesidade física, o charlatanismo de ideias e o puxa-saquismo libidinoso a toda forma de poder por parte de nossos conterrâneos.

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    2. O Ser e O Nada pode ter sido um grande marco do existencialismo, mas trata-se de um livro chato pra burro e quase ilegível; tem que ser lido em edição comentada, diria, mas a verdade é que não passe da 50ª página do enorme volume, por aí, e tomei conhecimento assim-assim de seu conteúodo através de outros autores. Mas não gostaria de me colocar no papel de Camus ou Sartre, nem de ninguém. Uma historinha edificante: estava euzinho tomando meu cafezinho no boteco ás 07:30 da matina, antes do trabalho; me passa um mendigo pela rua, que para, olha pra mim e diz, do alto de sua ciência: "Tu fica aí com essa pose de bacana mas não passa mermo é dum tremendo dum muquirana!"

      Desde então vivo ciente dessa minha humana condição de muquirana.

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  12. Minhas janelas de 2008 a 2010 abriam todas para uma biblioteca, e suas paredes eram de vidro; eu acordava já plantado nas prateleiras, tomava banho e ia pra aula. Fui da primeira turma de uma escola interna do Sesc, e tínhamos todos um excelente acervo disponível, de modo que eu, que no primeiro ano tinha somente Stephen King e Caio Fernando Abreu na cabeça, me vi ao final do segundo ano com o Ulisses de Houaiss no colo.

    Lembro que lia sentindo a certeza de poder cortar parágrafos completos, tamanho o exagero. Como tira-gosto, e também porque é difícil esconder Ulisses debaixo da mesa durante a aula de matemática, peguei meu Primeiras Estórias. Não passei sequer de Às margens da Alegria, o primeiro conto; fui tomado de tal maneira que não conseguia ler uma linha sem remoê-la minutos a fio, fixo nas paredes, com um maravilhamento colossal e uma inveja maior. Decidi que leria Grande Sertão: Veredas, abandonei Ulisses. Foi meu primeiro agradecimento a Joyce.

    O segundo foi ao final do terceiro ano. Por meio de um processo semelhante, larguei Joyce para ler Clarice Lispector.

    Meu encontro derradeiro com Joyce foi assim que entrei pra faculdade. Só aí percebi que estava diante de uma obra-prima. E também que, sim, aquilo que via eram exageros, mas que jamais poderiam ser cortados sem destruir Ulisses.

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    Respostas
    1. Belo comentário, EnL (posso chamá-lo assim?!).

      Muitos gratificantes livros me chegaram assim, derivados após a furada de fila de muitos outros. Mesmo Ulisses. Mesmo Grande Sertão.

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    2. Poder pode, mas João também serve, que é como assino ("assinei" é mais verdadeiro, pelo abandono do meu blog) meus textos, haha.

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