(Texto de Javier Marías; tradução do espanhol por Charlles Campos)
A morte de Yukio Mishima foi tão espetacular que quase fez com que fossem esquecidos os numerosos absurdos em que ele incorreu ao longo da vida, como se seu constante exibicionismo prévio tivesse sido apenas a maneira de assegurar atenção no momento culminante, o único que provavelmente lhe interessava de fato. Assim deve ser entendido, ao menos, a raiz de sua inveterada fascinação pela morte violenta, que _ se o morto era jovem e tinha bom corpo_ considerava o cume da beleza. É verdade que esta ideia não era inteiramente original, e menos ainda em seu país, o Japão, onde, como é notório, sempre existiu uma apreciada e consistente tradição em apunhalar dramaticamente as próprias entranhas e perder a cabeça com um talho executado por um amigo ou um subordinado. Em épocas não muito distantes, ao término da Segunda Guerra Mundial, foram não menos que quinhentos os oficiais que se suicidaram (assim como um bom punhado de civis) para "responsabilizarem-se" da derrota e "apresentarem desculpas ao imperador". Entre eles se encontrava um amigo de Mishima, Zenmei Hasuda, que antes de honrar "a cultura da minha nação, que é a de morrer jovem" e fazer estourar o cérebro, teve tempo ainda de assassinar a seu imediato superior por este ter criticado o imperador divino. Talvez se compreenda então porque 25 anos depois o exército japonês seguisse deprimido, vendido e sem capacidade de reação, segundo as acusações do próprio Mishima.
Seu desejo de morte, nascido em tenra idade, não era indiscriminado, e se bem pode-se entender seu terror em ser envenenado, já que o finar-se por este procedimento dificilmente poderia ser "belo", é, porém, menos explicável que quando com 20 anos, tendo sido convocado para as fileiras, em 1945, aproveitou da momentânea febre de um surto de gripe para mentir ao médico militar que lhe fez os exames, e apresentar-lhe um tal histórico de sintomas fictícios que propiciaram um errôneo diagnóstico de tuberculose incipiente que o livrou do serviço. Não que Mishima não estivesse consciente do que isso incorreria para a veracidade de seus ideais: pelo contrário, em sua famosa novela autobiográfica Confissões de uma máscara, questiona-se em vão e longamente a respeito. Como não poderia ser menos em um homem de considerável astúcia, por fim encontrou uma justificativa estética por ter evitado o que em princípio desejava tanto (a saber, "o que queria era morrer entre desconhecidos, sem intromissões, debaixo de um céu sem nuvens..."), e concluiu que "em vez disso, preferia pensar em si mesmo como alguém que havia sido abandonado pela Morte... Me deleitava imaginando as curiosas dores de alguém que queria morrer mas a quem a Morte havia rejeitado. O grau de prazer mental que assim obtinha parecia quase imortal". Seja como for, o certo é que Mishima não padeceu de grandes nem curiosas dores até o dia de sua verdadeira morte, o que significa que quando a prova se lhe chegou tinha suas forças e sua determinação intactas graças à ignorância. Em vez disso, seu pavor anteriormente de ser envenenado era tão obsessivo que quando ia a um restaurante só pedia pratos inadequados para venenos e depressa lavava os dentes freneticamente com refrigerante ou soda.
Tudo isso não lhe impediu de fantasiar o quanto quis, não apenas sobre sua própria supressão erótica (a saber, violenta), mas sobre a de muitos outros personagens de ficção, todos eles muito parecidos: "A arma da minha imaginação matou a muitos soldados gregos, a muitos escravos brancos da Arábia, príncipes de tribos selvagens, ascensoristas de hotéis, garçons, jovens valentões, oficiais do exército, saltimbancos circenses... Beijava os lábios dos que tinham caído e ainda se moviam espasmodicamente". Como é natural, tampouco se privou de devaneios canibais, dos quais fez como objeto predileto um companheiro atlético do colégio: "Ele cavou seu garfo diretamente no coração. Um jato de sangue o golpeava por completo no rosto. Com a faca na mão direita, começava por cortar a carne do peito, suavemente, ligeiramente no início...". Certamente tais fantasias alimentícias faziam desaparecer o temor de ser envenenado, o que sem dúvida era uma vantagem.
Essa fascinação erótica por corpos viris torturados, rasgados, esfolados, trinchados ou feridos por setas, marcou Mishima desde a adolescência. Foi um escritor impudico o suficiente para colocar a posteridade a par de suas ejaculações, pelas quais se infere que lhes outorgava extrema importância; assim, não nos sobra outro remédio que o de estarmos inteirados de que sua primeira ejaculação ele a teve contemplando uma reprodução do torso de são Sebastião perfurado por flechas, pintado por Guido Reni. Não é de se estranhar, portanto, que quando já adulto, cometendo algumas fotografias artísticas-fisiculturistas, Mishima representava-se em algumas delas com o mesmo vestuário, ou seja, um xale atado à cintura e um par de flechas fincado dos lados, os braços para o alto e as mãos atadas por cordas. Este último detalhe não carece de transcendência, tendo-se em conta que a imagem preferida de sua masturbações (entre as que deixou em bom número de registros) era de axilas cheias e_ temivelmente__ malcheirosas. Assim, essa célebre fotografia devia prestar consideráveis serviços a seu narcisismo.
Não menos cósmicos resultam outros retratos que chegaram aos entusiastas mais infantis por sexo de calendário: Mishima observando seu esquálido peito diante um espelho, Mishima com um olhar piromaníaco com uma rosa branca entre os dentes, Mishima levantando pesos para obter bíceps decentes; Mishima semi-desnudo com o estômago à mostra, uma fita nos cabelos e uma espada de samurai nas mãos, a cara de quem beira uma falsa apoplexia; Mishima com uniforme paramilitar, surpreendentemente discreto para tratar-se de um modelo idealizado por ele mesmo para seu exército privado, o Tatenokai. Também fez alguns papéis no cinema em filmes amadores de baixa produção, sobre a yakuza ou gângster japoneses; gravou canções, e um disco em que interpreta os quarenta personagens de uma de suas obras para teatro. Sua imagem lhe preocupava tanto a ponto de passar a impressão nas fotos em que aparecia junto a homens mais altos que ele, de que ele era quem pareceria um gigante.
Não se deve inferir, entretanto, que Yukio Mishima passara sua vida ocupado com esses folclorismos e ninharias. Tinha necessariamente que escrever sem parar, já que em sua morte deixou mais de cem títulos, e se sabe que um deles, de oitenta páginas, o escreveu durante uma reclusão de apenas três dias em um hotel de Tóquio. A esta atividade há que adicionar a de suas promoções no estrangeiro, que o levou a fazer numerosas viagens à Europa e à América e a preparar uma cuidadosa e frustrante encenação quando em 1967 se rumorejava que o Prêmio Nobel iria recair pela primeira vez em um autor japonês. Fez coincidir seu regresso de um périplo internacional com a data em que deveria ser anunciado o ganhador e reservou um luxuoso apartamento em um hotel no centro da cidade. Mas quando o avião aterrizou e ele saiu antes de todos os passageiros com um enorme sorriso, encontrou-se com um aeroporto cabisbaixo, já que o galardoado foi um irritante escritor guatemalteco. Um ano depois sua depressão aumentou: o Nobel foi por fim ao Japão, mas para as mãos de seu amigo e mestre Yasunari Kawabata. Mishima não se fez de rogado: saiu correndo à casa de Kawabata para ser o primeiro a felicitá-lo e pelo menos aparecer nas fotos. Não é necessário dizer que Mishima se considerava não só digno do Nobel, mas_ sem mais delongas_ um gênio. "Quero identificar minha própria obra literária com Deus", disse uma vez a um fanático de extrema direita, possivelmente acostumado aos delírios de grandeza.
Segundo contam os que tiveram-lhe trato, Mishima era um homem de grande simpatia e com afinado sentido do humor, ainda que seu riso soasse bestial e estridente e o prodigasse em excesso. Suas relações com as mulheres foram mais escassas, exceção feita à sua avó (que praticamente o sequestrou na infância, para desespero de sua filha), sua mãe, sua irmã, sua mulher e sua filha, o elemento feminino imprescindível até para os mais misóginos. Se se casou foi por um falso alarme: acreditou que sua mãe morreria em breve de câncer, e Mishima pensou em fazer-lhe como último agrado seu matrimônio: ela morreria mais tranquila supondo assegurado sua descendência. O câncer resultou em uma fantasmagoria e a mãe sobreviveu ao filho, mas quando ainda se supunha o primeiro Mishima já havia desposado Yoko Sugiyama, jovem de boa família que, é de se supor, cumpriu com os 6 requisitos prévios impostos pelo noivo aos casamenteiros, a saber: a noiva não deveria ser nem uma sabichona nem uma mosca morta; deveria querer casar-se com o cidadão particular Kimitake Hiraoka (seu verdadeiro nome), não com o escritor Yukio Mishima; não devia ser mais alta que o marido, nem usando salto alto; devia ser bonita e com o rosto arredondado; devia prestar-se a cuidar de seus sogros e ser capaz de administrar a casa; por último, não devia incomodar a Mishina enquanto este trabalhasse. A verdade é que pouco se sabe dela depois das bodas, ainda que os hagiógrafos do escritor (entre eles a tão tiete como também tietada Marguerite Yourcenar) contam com fervor de como Mishima levava frequentemente a Yoko em suas viagens ao estrangeiro, o que não era costume entre os japoneses de seu tempo. Com isso, na opinião de Yourcenar e outros, parece ter cumprido: ao final das contas, poderia perfeitamente tê-la deixado em casa.
Foi no último período de sua vida que Mishima criou a organização paramilitar Tatenokai, da qual gostava de referir-se por suas siglas em inglês, SS (Shield Society ou Sociedade do Escudo). Tratava-se de um pequeno exército de cem homens, tolerado e fomentado pelas Forças Armadas japonesas. Os cem eram, sobretudo, estudantes e admiradores incondicionais, todos devotos do imperador e de um Japão mais retrógrado. Durante um tempo limitaram-se em fazer acampamentos, exercícios táticos, manobras pseudo-militares e abrirem a pele para misturar e beber seus sangues. Sua primeira e última ação verdadeira teve lugar em 25 de novembro de 1970, quando Mishima e quatro acólitos se apresentaram com seus uniformes amarelados na base de Ichigaya, em Tóquio. Ali teriam audiência com o general Mashita, ao qual iriam cumprimentar e apresentariam uma valiosa espada antiga de samurai, em posse de Mishima e sem dúvida muito digna de ser vista. Uma vez na presença do general, os cinco falsos soldados o algemaram, fizeram piquete com suas armas brancas e exigiram que as tropas se concentrassem diante a varanda para ouvir um pronunciamento de Mishima. Alguns oficiais desarmados (era proibido ao exército japonês usar armas contra civis) tentaram rendê-los e levaram uns tantos golpes de espada (Mishima quase cortou a mão de um sargento). Quando por fim pôde dirigir-se às tropas, o discurso de Mishima não foi bem recebido: os soldados o interrompiam continuamente gritando barbaridades como "Beijo-te a bunda!", ou Bakayaro!, de difícil tradução, embora o mais aproximado seria "Foda-se sua mãe!" (há quem, contudo, lhe dá um significado equivalente a "cadeirudo").
As coisas não saíram como havia planejado. Retornou para dentro do escritório e se preparou para o harakiri. Ao seu homem de confiança e possível amante, Masakatsu Morita, pediu que o decapitasse com sua valiosa espada depois que ele abrisse suas tripas, sem deixá-lo sofrer muito. Mas Morita (que em seguida também faria o harakiri), falhou o golpe nada menos que três vezes, atingindo-lhe os ombros, as costas, o pescoço, mas sem acertar-lhe a cabeça. Outro dos acólitos, Furu Koga, mais versado ou menos nervoso, arrebatou-lhe a espada e se encarregou da decapitação. Logo fez o mesmo com Morita, quem, faltando-lhe forças desde o princípio, só conseguiu fazer um arranhão em sua barriga com a adaga. As cabeças caíram sobre o tapete. Mishima tinha 45 anos, e dizem que, sempre teatral, nessa mesma manhã havia entregue sua última novela a seu editor. Em certa ocasião havia dito sobre o harakiri que era "a masturbação definitiva". Seu pai se inteirou do ocorrido pela televisão: ao ouvir a notícia do assalto a Ichigaya pensou: "Agora terá que ir pedir desculpas à polícia e tudo o mais". "Pois que vá!". Logo escutou sobre o restante, harakiri e decapitação, e confessou mais tarde: "Não me senti muito surpreendido: meu cérebro rejeitava a informação".
(Javier Marías, Yukio Mishima en la muerte; Vidas Escritas)
Não menos cósmicos resultam outros retratos que chegaram aos entusiastas mais infantis por sexo de calendário: Mishima observando seu esquálido peito diante um espelho, Mishima com um olhar piromaníaco com uma rosa branca entre os dentes, Mishima levantando pesos para obter bíceps decentes; Mishima semi-desnudo com o estômago à mostra, uma fita nos cabelos e uma espada de samurai nas mãos, a cara de quem beira uma falsa apoplexia; Mishima com uniforme paramilitar, surpreendentemente discreto para tratar-se de um modelo idealizado por ele mesmo para seu exército privado, o Tatenokai. Também fez alguns papéis no cinema em filmes amadores de baixa produção, sobre a yakuza ou gângster japoneses; gravou canções, e um disco em que interpreta os quarenta personagens de uma de suas obras para teatro. Sua imagem lhe preocupava tanto a ponto de passar a impressão nas fotos em que aparecia junto a homens mais altos que ele, de que ele era quem pareceria um gigante.
Não se deve inferir, entretanto, que Yukio Mishima passara sua vida ocupado com esses folclorismos e ninharias. Tinha necessariamente que escrever sem parar, já que em sua morte deixou mais de cem títulos, e se sabe que um deles, de oitenta páginas, o escreveu durante uma reclusão de apenas três dias em um hotel de Tóquio. A esta atividade há que adicionar a de suas promoções no estrangeiro, que o levou a fazer numerosas viagens à Europa e à América e a preparar uma cuidadosa e frustrante encenação quando em 1967 se rumorejava que o Prêmio Nobel iria recair pela primeira vez em um autor japonês. Fez coincidir seu regresso de um périplo internacional com a data em que deveria ser anunciado o ganhador e reservou um luxuoso apartamento em um hotel no centro da cidade. Mas quando o avião aterrizou e ele saiu antes de todos os passageiros com um enorme sorriso, encontrou-se com um aeroporto cabisbaixo, já que o galardoado foi um irritante escritor guatemalteco. Um ano depois sua depressão aumentou: o Nobel foi por fim ao Japão, mas para as mãos de seu amigo e mestre Yasunari Kawabata. Mishima não se fez de rogado: saiu correndo à casa de Kawabata para ser o primeiro a felicitá-lo e pelo menos aparecer nas fotos. Não é necessário dizer que Mishima se considerava não só digno do Nobel, mas_ sem mais delongas_ um gênio. "Quero identificar minha própria obra literária com Deus", disse uma vez a um fanático de extrema direita, possivelmente acostumado aos delírios de grandeza.
Segundo contam os que tiveram-lhe trato, Mishima era um homem de grande simpatia e com afinado sentido do humor, ainda que seu riso soasse bestial e estridente e o prodigasse em excesso. Suas relações com as mulheres foram mais escassas, exceção feita à sua avó (que praticamente o sequestrou na infância, para desespero de sua filha), sua mãe, sua irmã, sua mulher e sua filha, o elemento feminino imprescindível até para os mais misóginos. Se se casou foi por um falso alarme: acreditou que sua mãe morreria em breve de câncer, e Mishima pensou em fazer-lhe como último agrado seu matrimônio: ela morreria mais tranquila supondo assegurado sua descendência. O câncer resultou em uma fantasmagoria e a mãe sobreviveu ao filho, mas quando ainda se supunha o primeiro Mishima já havia desposado Yoko Sugiyama, jovem de boa família que, é de se supor, cumpriu com os 6 requisitos prévios impostos pelo noivo aos casamenteiros, a saber: a noiva não deveria ser nem uma sabichona nem uma mosca morta; deveria querer casar-se com o cidadão particular Kimitake Hiraoka (seu verdadeiro nome), não com o escritor Yukio Mishima; não devia ser mais alta que o marido, nem usando salto alto; devia ser bonita e com o rosto arredondado; devia prestar-se a cuidar de seus sogros e ser capaz de administrar a casa; por último, não devia incomodar a Mishina enquanto este trabalhasse. A verdade é que pouco se sabe dela depois das bodas, ainda que os hagiógrafos do escritor (entre eles a tão tiete como também tietada Marguerite Yourcenar) contam com fervor de como Mishima levava frequentemente a Yoko em suas viagens ao estrangeiro, o que não era costume entre os japoneses de seu tempo. Com isso, na opinião de Yourcenar e outros, parece ter cumprido: ao final das contas, poderia perfeitamente tê-la deixado em casa.
Foi no último período de sua vida que Mishima criou a organização paramilitar Tatenokai, da qual gostava de referir-se por suas siglas em inglês, SS (Shield Society ou Sociedade do Escudo). Tratava-se de um pequeno exército de cem homens, tolerado e fomentado pelas Forças Armadas japonesas. Os cem eram, sobretudo, estudantes e admiradores incondicionais, todos devotos do imperador e de um Japão mais retrógrado. Durante um tempo limitaram-se em fazer acampamentos, exercícios táticos, manobras pseudo-militares e abrirem a pele para misturar e beber seus sangues. Sua primeira e última ação verdadeira teve lugar em 25 de novembro de 1970, quando Mishima e quatro acólitos se apresentaram com seus uniformes amarelados na base de Ichigaya, em Tóquio. Ali teriam audiência com o general Mashita, ao qual iriam cumprimentar e apresentariam uma valiosa espada antiga de samurai, em posse de Mishima e sem dúvida muito digna de ser vista. Uma vez na presença do general, os cinco falsos soldados o algemaram, fizeram piquete com suas armas brancas e exigiram que as tropas se concentrassem diante a varanda para ouvir um pronunciamento de Mishima. Alguns oficiais desarmados (era proibido ao exército japonês usar armas contra civis) tentaram rendê-los e levaram uns tantos golpes de espada (Mishima quase cortou a mão de um sargento). Quando por fim pôde dirigir-se às tropas, o discurso de Mishima não foi bem recebido: os soldados o interrompiam continuamente gritando barbaridades como "Beijo-te a bunda!", ou Bakayaro!, de difícil tradução, embora o mais aproximado seria "Foda-se sua mãe!" (há quem, contudo, lhe dá um significado equivalente a "cadeirudo").
As coisas não saíram como havia planejado. Retornou para dentro do escritório e se preparou para o harakiri. Ao seu homem de confiança e possível amante, Masakatsu Morita, pediu que o decapitasse com sua valiosa espada depois que ele abrisse suas tripas, sem deixá-lo sofrer muito. Mas Morita (que em seguida também faria o harakiri), falhou o golpe nada menos que três vezes, atingindo-lhe os ombros, as costas, o pescoço, mas sem acertar-lhe a cabeça. Outro dos acólitos, Furu Koga, mais versado ou menos nervoso, arrebatou-lhe a espada e se encarregou da decapitação. Logo fez o mesmo com Morita, quem, faltando-lhe forças desde o princípio, só conseguiu fazer um arranhão em sua barriga com a adaga. As cabeças caíram sobre o tapete. Mishima tinha 45 anos, e dizem que, sempre teatral, nessa mesma manhã havia entregue sua última novela a seu editor. Em certa ocasião havia dito sobre o harakiri que era "a masturbação definitiva". Seu pai se inteirou do ocorrido pela televisão: ao ouvir a notícia do assalto a Ichigaya pensou: "Agora terá que ir pedir desculpas à polícia e tudo o mais". "Pois que vá!". Logo escutou sobre o restante, harakiri e decapitação, e confessou mais tarde: "Não me senti muito surpreendido: meu cérebro rejeitava a informação".
(Javier Marías, Yukio Mishima en la muerte; Vidas Escritas)