Silvia Viana |
Os reality shows são brutalidade em forma de programa, são mal-estar enlatado. Enquanto a brutalidade dos reality shows é escancarada e ninguém parece se importar com isso (ainda outro dia , enquanto zapeava a TV, escutei parte de uma chamada do A Fazenda, na qual o narrador dizia: "O cerco fecha, o medo aumenta..."), o sofrimento que se desenrola no mundo do trabalho não tem visibilidade em razão de sua privatização. Apenas quando esse mal nosso de cada dia toma proporções de "escândalo" podemos entrever o que se passa a portas fechada, como no caso dos suicídios de trabalhadores da France Telecom. Tais casos não são a exceção, mas a regra do trabalho no capitalismo flexível, como apontam inúmeros estudos de sociologia do trabalho a respeito dos mais diversos setores produtivos. As avaliações nas empresas, por exemplo, não passam de delação premiada; processos seletivos se tornaram gincanas, das mais às menos humilhantes, todas elas despropositadas; o assédio moral entre trabalhadores se tornou problema estrutural; isso para não falar nas tantas gambiarras jurídicas a fim de burlar as leis trabalhistas... E a criatividade dos gestores para arrancar até a última gota de mais-valia e obediência é, de fato, impressionante: um amigo que trabalhou no telemarketing me contou que tinha seus horários de ir ao banheiro controlados pelo computador. Disse-me também que, certo dia, um de seus colegas não conseguiu "gerenciar" seu tempo biológico e urinou na estação de trabalho, sendo prontamente ridicularizado pelos demais. Há alguns meses fui a um dos principais rituais corporativos: uma palestra motivacional. O cerimonial foi oferecido por uma empresa que fabrica a comercializa cursos de inglês, e era voltado para seus vendedores. Após muitos ritos nonsense, aos quais as pessoas respondiam eufórica e mecanicamente, foi anunciada, pela diretora executiva, a grande novidade gerencial para o semestre: os trabalhadores que mais curso vendessem ganhariam uma viagem para o Nordeste; as despesas, contudo, ficariam por conta dos "perdedores". Um dos relatos mais impressionantes que eu li foi de Cristophe Dejours, que contou de um processo seletivo no qual os aspirantes à vaga receberam cada qual um filhote de gato para cuidar por alguns dias. Passado esse tempo, receberam a ordem de matar os gatos a fim de mostrar o comprometimento com o almejado emprego. E paremos por aqui, pois a coisa vai longe e é nauseante.
Após ler a respeito, fazer algumas entrevistas, escutar incontáveis casos como esses e até vivenciar coisas do gênero, não foi difícil enxergar aquilo que eu estava pesquisando quando assisti, pela primeira vez, a um episódio do Big Brother Brasil (BBB). Era o episódio do "quarto branco", no qual três participantes passaram por uma sessão martirizante de privação de sentidos. Quando findo o suplício, com a eliminação sumária de um rapaz que entrou em colapso nervoso, o apresentador voltou-se para os demais participantes e lhes atirou uma pergunta retórica: "Vocês acham que o BBB é colônia de férias?". "Não", responderam todos em uníssono. Não, é trabalho. Trabalho flexível, explorado e degradado.
(Silvia Viana, autora de Rituais de sofrimento, ao Le Monde Diplomatique de março 2013)
Há gente que gosta de dizer que trabalha 12 horas por dia; que toma comprimidos para dormir e não sonhar (ou não lembrar que sonhou) com trabalho, e levante ao barulho alto do despertador, tomando, em seguida, "comprimidos para acordar" e produzir. Não almoça e come sanduíches na mesa de trabalho. Quando chega sexta (ou eventualmente sábado, pois muitos trabalham também sábado, ao menos até o meio-dia), saem para a happy-hour e seja o que o demônio quiser, na base do sexo, drogas e axé music. Ainda assim tem orgulho; carro do ano; apartamento na Barra; vão a Miami nas férias, e por aí vai. Esse regime de escravatura se tornou comum após o fim do comunismo como o conhecíamos, e o triunfo das relaçõs de poder do capitalismo, tornado então mais selvagem do que antes conhecíamos (que saudades do capitalismo selvagem nos anos 70!). Daí para a espetacularização do sofrimento, o consolo de ver gente a ser explorada mais ou ao menos junto de nós; a revanche de ver qualquer um se foder no nosso lugar; e o sonho de que vamos vencer sozinhos tal qual o cara milionário da loteria ou vencedor do reality show... É tudo muito legal, mas resta dizer o óbvio: não é permanente. O que não quer dizer que mudará para melhor. Que não mude então para pior.
ResponderExcluirA vida com o propósito de produção de riqueza individual ou sobrevivência, dependendo da "capacidade" ou identificação com os meios, torna tudo vinculado e todos dependentes da ordem das coisas por imitação. A promessa de liberdade não se realizou pela incapacidade dos "libertos" em administrar a situação, preferindo, por imitação, seguir a boiada.
ResponderExcluirComo disse Rita Lee "Tudo vira bosta". Os realitys já nascem sendo uma defecação cerebral dos "idealizadores" e se mantêm diarreia das piores até muito depois do último capítulo da babaquice.
ResponderExcluirAna Paula Rocha
Você é das minhas, hein!
Excluirpedro bial é a pessoa mais babaca da alface da terra
ExcluirNão entendo como o Bial se rebaixou tanto... O cara cobriu a queda do muro de Berlim e agora está nessa porcaria... E o Brito Junior? No comments.
ExcluirAna Paula Rocha
Tenemos Papa!
ResponderExcluirSe passarmos a fazer leituras alternadas de os Teólogos de Borges ou a liturgia dos evangelhos a partir do seu Fragmentos de um Evangelho Apócrifo, registrar-me-ei!
Notas sobreo Vinho do Porto:
ResponderExcluirÉ verdade q a primeira vez q o provei pareceu demasiado doce - digo, assim, para beber mais do q uma dose passageira. No entanto, hj q a Bianca está na especialização e uma pilha de louça estava na pia, ah!, e o peguei novamente, depois de dois simples goles, e, bem, gostaria de outra garrafa. Não sei se peguei o correto, Sr. Sabedor, mas aqui estpa um Dom José vazio RUBY. Lavar a louça é uma das melhores terapias q já inventaram. Era tanta louça q deu pra ouvir o Longes inteiro do Ramil, e pegar um outro cd q não ouvia há anos e ouví-lo inteiro: If you're feeling stranger, do Belle and Sebastian. Baita disco. Não sei se era reação proversa ou adversa, charlles, mas mandei um depoimento emocionado prum amigo no facebook - conto com tua fiança. A meta: comprar um por mês. Certeza: bebo muito fácil uma garrafa, não sou pra brincadeira, tomo como guaraná. Pergunta: e agora?
Não falei? Gosto muito desse disco do B&S. Eu e o meu amigo mencionado naquele meu comentário comprávamos com frequência. Quando eu era solteiro eu bebia muito vinho do Porto. Me lembro que eu deitava na rede da garagem de casa e ouvia o Odes, do Vangelis e a Irene Papas (um dos meus discos fundamentais), e foi o Miles, que era filhote, que me acordou com lambidas no rosto. Ah!, naquela sexta-feira eu comprei e tomei um Dom José Ruby também. Há muito que não o tomava.
ExcluirO arbo, onde que tu compras teu vinho?
ExcluirCara, não é um costume, pois nunca havia comprado vinho do porto. Comprei baseado no q o charlles e o marcos nunes tinham e falado e, bem, no super onde vi (acho q foi no nacional do menino deus) SÓ TINHA esse Dom José Ruby, e ainda tava "dando" duas tacinhas junto...
ExcluirHum. Procurei no Nacional aqui perto de casa mas é uma merda, tem um pouco de quase nada e sempre tem fila apesar de não ter ninguém dentro. Tinha só os vinhos de 10 reais e quase nenhuma cerveja. Largadão.
Excluirsem o acento no ouvi-lo, por favor.
ResponderExcluirEu ganhei uma garrafa de um vinho do porto no natal e estava numas de tomar de colheirinha para aquela maravilha não acabar. Daí, numa noite daquelas, talvez depois de ler um post do Charlles, o diabo estava no corpo do Mr. Jones que vos escreve. Cometi um crime. Sequei a garrafa. Quebrei o doce em vários pecados on the rocks. Ficou uma barbaridade. Dia amanheceu comigo "emaconhado".
ResponderExcluirAlguém certo de Portugal deveria ler essa caixa de comentários e passar a me mandar uma caixa de Portos. Olha só meu surpreendente poder de persuasão!
ExcluirEu já havia cometido outros pecados com vinho do porto. Mas esta última heresia, que tomei on the rocks (mesmo!), foi, hum, canabinoide. Pretendo repetir um dia.
ExcluirHá muitos anos, vários amigos sem família por perto decidimos fazer uma ceia de natal. Eu e uma amiga ficamos responsáveis pelas compras. Imagine dois perdulários entre as gôndolas. Pistache iraniano? Claro, pois alguém pode não gostar das nozes graúdas e descascadas. Catupiry com copyright e tudo? Sure, combina com tudo, ora, no mínimo dá pra fazer um patê. Chantilly em spray. Yes, pois compramos até cereja. No mais, vinho do porto, baldes de bebidas e queijos, incluindo camembert e morbier. Foi uma fortuna. A conta ficou tão cara, mas tão cara, que eu e ela não tivemos coragem de dividir a fatura: matamos os dois no peito. Acho que deixei praticamente todo o meu 13º naquela brincadeira.
Ah, e compramos um chester. Natal, né? E eu havia combinado com a dona da padaria de assá-lo no estabelecimento. Só que eu levei o danado às 16h do dia 24, ao que dona da padaria me respondeu que não seria mais possível atender ao meu pedido. Olha, gente sem noção é uma coisa triste mesmo.
Eu NUNCA havia assado um chester na vida. Acho que só havia assado pizzas até então. Semi-prontas ou congeladas. Bem, mãos à obra, fui lá assar o danado - que, dizia a embalagem, já estaria temperado. Mas ninguém confia em tempero de frigorífico fiscalizado pelo Charlles, que é puro glutamato monossódico.
Sal daqui, ervas finas dali, alho acolá e, voilà, tive uma grande ideia. Furar o danado e regar com bastante vinho do porto. E assim fiz. Maior paciência do mundo para acertar todos os buraquinhos e repetir a operação várias vezes enquanto o danado assava. E aquela garrafa de vinho do porto, que havia custado os olhos de várias caras, foi-se quase inteira para temperar o tal do chester.
O resultado? Superou Pessoa, Eça, Camões e Saramago. Praticamente um Nobel da gastronomia, donde concluí que essa história de usar vinho barato para marinar ou temperar é lenda. Vale investir pelo menos uns 20, 30 reais, porque o resultado é outro. Mas também não precisa ostentar vinho do porto num dublê de frango, porque isso é coisa de gente sem noção.
hahuahuahuahauhauha!
ExcluirEngraçado você falar do Devil and Mr. Jones justo hoje, Fábio... comentava sobre o filme com o Charlles por e-mail agorinha.
ResponderExcluirDireto me acontecem essas coincidências virtuais...
ExcluirJUDY AND TRE DREAM OF HORSES - BELLE AND SEBASTIAN
ResponderExcluirUm belo cavalo bem tratado e cuidado, com vontade de passear, todo o ritual antes de partir, e depois, em Minas como um sonho...,ou como um porto.
http://www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?tl=1&id=1354820&tit=Philip-Roth-chega-aos-80
ResponderExcluirRodrigo