Eu não sou Thomas Pynchon. Diz a lenda que o próprio escritor usava uma destas camisetas em um restaurante lotado em Nova York quando foi desmascarado pelo cartunista Farley Katz. Pynchon é o mistério mais bem guardado do mundo literário atual. Considerado por muitos o maior romancista vivo de língua inglesa, o James Joyce pós-moderno, o mais recluso escritor que já passou por esse mundão.
Como o diabo fugindo da cruz, Pynchon preserva seu anonimato evitando qualquer contato jornalístico, nunca apareceu em vídeos, não concede entrevistas e sua foto mais recente já tem cinco décadas. Enquanto isso, críticos literários deslumbrados o canonizam e leitores aficionados alimentam o mistério com teorias delirantes sobre sua identidade.
Hoje, em algum lugar dos Estados Unidos, Thomas Ruggles Pynchon Jr. celebra 75 anos. Um homem comum,como dizem os poucos que o conhecem e defendem sua privacidade, o mito literário sem rosto que assombra o mundo com uma obra pequena e genial.

Breve bio

Breve realmente, pois conhecemos muito pouco sobre a vida pessoal do escritor. O que se descobriu nos últimos 50 anos foi, em sua maioria, através da pesquisa de leitores curiosos (a.k.a stalkers) e das revelações de conhecidos do tempo da faculdade como Jules Siegel.
Thomas Pynchon nasceu no dia 8 de maio de 1937, em Glen Cove, Nova York.  É casado com Melanie Jackson e tem um filho, Jackson Pynchon. Em 1953, começou o curso de física da Universidade de Cornell, mas abandonou para servir a US Navy entre 1955 e 1957. De volta a Ithaca, concluiu a graduação em Inglês na mesma Universidade de Cornell. Durante esse período, participou das aulas de literatura de Vladmir Nabokov. Segundo Siegel,  por causa do forte sotaque russo, Pynchon mal entendia o que Nabokov falava.
Após Cornell, Pynchon trabalhou durante dois para a Boing, em Seattle, escrevendo descrições técnicas dos mísseis fabricados para a US Air Force. Experiência que rendeu material para os primeiros livros do autor.

Poucos livros, muitas páginas

“Escritores normais têm leitores, Thomas Pynchon tem decifradores”.
Sobre a obra de Pynchon pousa a fama de “difícil”, “complexa”. De fato, seus livros, em geral, ultrapassam facilmente 500 páginas, envolvem centenas de personagens estranhos com nomes esquisitões, vários enredos que evoluem paralelamente criando quebra-cabeças bombardeados por referências obscuras.
No entanto, seus livros seriam melhor definidos como “exigentes” – como acontece com 10 entre 10 grandes escritores. Sua prosa é de uma clareza rara, irreverente, capaz de provocar um prazer muito espefícico durante a leitura, o prazer de ser desafiado, de chegar ao limite da compreensão e recorrer ao Google, ao dicionário, ao bom Pynchon Wiki para matar a aflição.


Acima: seleção de capas em vários idiomas.
Abaixo: lista das obras pynchonianas e suas edições no Brasil.

1963 – V. (V. Paz e Terra, 1988. Trad. Marcos Santarrita)
1966 – The Crying of Lot 49 (O leilão do lote 49. Companhia das Letras, 1993. Trad. Jorio Dauster. R$ 37,00)
1973 – Gravity’s Rainbow (O arco-íris da gravidade. Companhia das Letras, 1998. Trad. Paulo Henriques Britto. R$ 102,50)
1984 – Slow Learner (inédito em português)
1990 – Vineland (Vineland. Companhia das Letras, 1991. Trad. Reinaldo Moraes e Matthew Shirts. R$ 57,00)
1997 – Mason & Dixon (Mason e Dixon. Companhia das Letras, 2004. Trad. Paulo Henriques Britto. R$ 102,50)
2006 – Against the Day (Contra o dia. Companhia das Letras, 2012. Trad. Paulo Henriques Britto. R$ 98,00)
2009 – Innhent Vice (Vício inerente. Companhia das Letras, 2010. Trad. Caetano W. Galindo. R$ 58,00)

Em 1963, então com 26 anos, Pynchon publicou seu primeiro livro, V., Os três anos que seguiram até a publicação de O leilão do lote 49 (o mais curto do autor, praticamente uma novela em comparação aos demais) foram, como Pynchon revelou posteriormente, de uma “insanidade temporária”, época em que o autor tentou escrever quatro romances simultaneamente.
Seu terceiro livro, publicado em 1973, o consolidou definitivamente na história moderna da literatura. O arco-íris da gravidade é considerado a obra-prima pynchoniana, a contraparte pós-moderna do modernista Ulysses de Joyce. Em 1974, o livro foi indicado em unanimidade pelos jurados do Pulitzer para o prêmio de melhor ficção, porém foi considerado “ilegível”, “empolado” e ”obsceno” pelo conselho do evento e o prêmio foi suspenso.
Seguiram Slow Learner (volume de contos ainda não traduzido para português), Vineland (o quarto e mais criticado romance), Mason e Dixon (romance histórico ambientado no século 18, aclamado pela crítica) e Contra o dia (o catatau definitivo de Pynchon, com 1.088 páginas na tradução de Paulo Henriques Britto, publicado pela Companhia das Letras em março).
Sobre Mason e Dixon, o crítico Coraghessan Boyle do New York Times Book Review diria: “Esse é o velho Pynchon, o verdadeiro Pynchon, o melhor de todos os Pynchons, Mason e Dixon é um livro revolucionário, um livro de coração e fogo e genialidade, e não existe nada parecido em nossa literatura”.
O noir Vício inerente é a mais recente criação do escritor, uma trama detetivesca que mistura erudição e humor. O diretor Paul Thomas Anderson (Sangue negro e Magnólia) já prepara a adaptação para o cinema. Será a primeira obra do autor a ganhar as telonas. Assista abaixo ao próprio Thomas Pynchon narrando um trechinho e fazendo graça com o preço do livro:



Nos últimos 50 anos, Pynchon arrebatou leitores, críticos e um público bem mais rabugento: escritores. Há quem torça o nariz, como Gore Vidal e James Wood, mas entre o grupo de influenciados pelo realismo histérico do escritor constam nomes de peso na literatura contemporânea: David Foster Wallace, Jeffrey Eugenides, Don DeLillo, Dave Eggers, Michael Chabon, Haruki Murakami, Salman Rushdie e Alan Moore.
A escritora austríaca Elfriede Jelinek, Nobel de Literatura em 2004, é uma das entusiastas do talento do escritor:
“Claro que eu gosto de traduzi-lo. Mas eu não traduziria Pynchon novamente. Não que eu não o considere um gênio. É uma piada que ele não tenha o Prêmio Nobel e eu tenho. Eu o considero um dos autores mais importantes, muito à frente de Philip Roth, por exemplo. Eu não posso ter o Prêmio Nobel se Pynchon não tem tem! Isso é contra as leis da natureza.”

A partir dos anos 90, o escritor começou a circular entre os favoritos para o Nobel de Literatura, embora – pelo perfil do autor e também da Academia Sueca – seja um nome menos provável que compatriotas como Philip Roth ou Joyce Carol Oates. Apesar disso, criou-se a expectativa para saber se Thomas Pynchon for o primeiro norte-americano desde Toni Morrison (1993) a receber o Nobel, ele finalmente faria sua tão aguardada aparição pública.

O ermitão de Nova York

Ele é um dos escritores mais badalados do mundo, vive na maior cidade dos Estados Unidos e caminha livremente pelas calçadas, circula de metrô, frequenta qualquer bar, qualquer McDonald’s sem ser reconhecido. Até parece ficção. Thomas Pynchon é a evolução do tipo “autor recluso”, tornado célebre pelo mítico J.D. Salinger.
A ausência midiática absoluta abre espaço para as mais bizarras teorias sobre sua identidade. Na década de 70, especulava-se que Pynchon seria Jim Morrison, que não teria morrido em 1971, mas se afastado da sociedade para se dedicar à literatura. Outras teorias dos fãs foram ficando cada vez mais absurdas conforme os hipotéticos homens por trás do “alter ego” desapareciam. Entre as personalidades que supostamente teriam criado Thomas Pynchon estariam J.D. Salinger (falecido em 2010), William Gaddis (escritor, falecido em 1998) e Unabomber(nome de guerra do matemático Theodore John Kaczynski, condenado à prisão perpétua em 1996 por praticar atentados à bomba durante 20 anos). Aos moldes da lenda shakespeariana, outros leitores insatisfeitos defendem que Pynchon é, na verdade, um grupo de pessoas.
No entanto, Pynchon parece levar a história com bom humor. Quando O arco-íris da gravidade levou o National Book Award de 1974, Pynchon enviou o comediante Irwin Corey para receber o prêmio, fazendo de conta ser o próprio escritor. Ao mesmo tempo que evita veículos tradicionais, cede sua voz para Os Simpsons, onde apareceu com uma sacola de papel cobrindo a cabeça. Até o próprio mercado editorial se aproveita do enigma. Para o lançamento de Mason e Dixon a editora norte-americana realizou um curioso concurso de sósias em Nova York. Sósias do escritor sem rosto.
É certo que o anonimato do escritor foi importante para a criação do mito, provocando e cativando o imaginário popular. Pynchon vive a máxima do mais recluso entre os escritores brasileiros, Dalton Trevisan: “O autor nunca é assunto. Notícia é sua obra, ela pode ser discutida, interpretada, contestada. Não tenho nada a dizer fora dos meus livros. O autor não vale o personagem. O conto é sempre melhor do que o contista”.
Os livros de Pynchon são pratos cheios para discussão, interpretação e contestação. Se a obra fala pelo escritor, Pynchon provavelmente é o maior tagarela da literatura contemporânea.


Outras leituras

O voto eterno do coração. Thomas Pynchon sobre O amor nos tempos de cólera, de Gabriel Garcia Márquez (The New York Times)
Words for Ian McEwan. Carta de Thomas Pynchon em defesa de Ian McEwan quando o escritor inglês foi acusado de plágio (Letters of Note)
Prosa bonita em meio ao caos. Caetano Galindo, que encarou a tradução de Vício Inerente, explica os dois motivos porque Pynchon é fundamental (Gazeta do povo)
Je m’accuse. Continuando o tópico Caetando Galindo, o tradutor fala sobre o desafio de aportuguesar Pynchon (Blog da Companhia)
Editando seu autor favorito. André Conti escreve sobre a edição de Contra o dia (Blog da Companhia)
A playlist de Thomas Pynchon. A lista de músicas sugeridas por Pynchon para acompanhar a leitura de Vício inerente (Casmurros)
Welcome to the Spermatikos Logo. O almanaque Pynchon on-line (The Modern World)
Every known picture of Thomas Pynchon. Todas as SEIS fotos conhecidas do escritor (Bookofjoe)
V. by Kateryna Kyslitska. Animação para o e-book de V. (Vimeo)
A journey into the mind of P, documentário de Donatello e Fosco Dubini sobre a vida e a reclusão do autor:


(Retirado daqui)