quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Sr. Galheb

             _ O caminho da morte, todos seguimos pelo caminho da morte.

O senhor Galheb repetia, a fumaça de seu cigarro de palha fazendo ornamentos arábicos no ar, ao tom de  seu determinismo cansado,vendo tudo da posição privilegiada de uma lucidez que o excluia de alguma maneira desse fim. Ele morava no porão do edifício, um apartamento improvisado cujos livros espalhados por toda a parte e os três abajures franceses encarnados davam uma distinção remota. Ali dentro eu gastava as horas de muitos entardeceres a ouví-lo, um libanês incorporado à vida da grande cidade ocidental,  insolvido nas miragens de sua cultura adotada e com uma personalidade latino-americana mais legítima que a de alguém nascido em Acapulco. Trazia as características étnicas na grande cabeça de traficante do deserto, que não conseguia evitar imaginá-la esteticamente perfeita cortada sobre uma bandeja, alcançando a sua condição adequada de monarca destituído Os olhos argutos, incansáveis, soltavam faíscas discriminativas quando se deparavam com seus alvos cotidianos (que, para meu deleite, quando andavamos pela avenida do mercado central, eram muitos). O nariz cinzelado, terminado um pouco antes de ter atingido a metade, curto e empinado, condizendo com o afiamento da lingua. Uns óculos redondos de lentes escuras fechavam como a cereja do bolo a sua constituição de estrangeiro singular, alguém cuja natureza era de outra órbita mais dinâmica e avessa ao tédio daquele conjunto de prédios. Estava abstraído de tudo aquilo, ainda que a realidade fosse bastante valiosa para ele, com todos os seus tormentos. Ele tinha plena consciência da morte que pressagiava, conhecia a fundo a corrupção que acarretaria a purgação por ele anunciada. Mas não sofria, era ferrenhamente adepto de uma filosofia de que tudo nessa realidade terrena era passageiro demais para merecer seu sofrimento. Ria da últimas novas com uma felicidade contagiante, seus dentes devastados acrescentando um ar traquina diante a falência do dono da funerária Salstinieri, da notícia de que a mulher do contador do bloco C estava tendo uma escapada com o motorista do ônibus da usina, que o pastor da igreja metodista da esquina havia feito desconto nos dízimos para cinco por cento dos ganhos dos fieis.

         _ A podridão da espécie humana_ele dizia, com uma seriedade de profeta bíblico, depois de ter-se refestelado de tanto rir_ Nunca se teve tanta degradação, nem em Sodoma e Gomorra.

Estava antenado a todas as notícias, lia a todos os jornais e revistas. Furtava-os de escritórios de advogados e salas de espera de dentistas. Citava cifras, estatísticas, medidas territoriais, com assombrosa precisão. Conhecia de astronomia, deslumbrado pelo milionésimo de segundo na criação do universo que permitiu que a vida fosse possível. Um micro segundo a mais ou a menos, Halperin, e não estaríamos aqui. Anunciava a morte com uma amargura pela danação de todos, mas a vida o impressionava com uma força inexorável. Era um solitário, mas a solidão não o angustiava. Era imune a qualquer tipo de nostalgia, a não ser a de um tempo tão longuínquo que não se podia precisar ao certo se já existira. Tinha três filhos, como uma vez me dissera, mas sua relação com eles parecia ser de uma complexa provação de acusações e ressentimentos que lhe estafava. Uma vez, quando cheguei a seu apartamento, encontrei um rapaz um pouco mais jovem que eu, alto, os cabelos cortados rente ao couro cabeludo, à moda militar, o quadril largo de uma desengonçada herança materna, os olhos carregados de uma inocência que ele tentava afogar sob trejeitos de argúcia estudada. Era seu filho mais velho. Entre os dois pairava um mal estar de pesadas obrigações. A brutalidade simpática de Galheb reduzia-se a uma irritação cuja lentidão do relógio comia-lhe os nervos. Por final, diante seu Golias de pele láctea e enormes bíceps por sob a camiseta colada de estivador, algo da tribo do deserto lhe tomava conta, saltando-lhe em cima. A coqueteria cheia de lugares comuns da paternidade vinha abaixo, de forma que eu o sentia retraír-se no movimento para não deixar o gancho de direita de seu super-ego deslocar-lhe o maxilar. Ele olhava sem compaixão ao filho e soltava, sem paciência e aos trotes, os conselhos usuais de um bom emprego, de uma boa mulher. Considerava o portento hormonal que tinha diante de si e voltava a vaticinar sobre auto-controle. Falava sobre o perigo das ganguês que estavam se exportando de Juárez para a capital, narrando algo dos jornais, um estupro grupal, uma briga de bar. E o garoto encolhia-se como um patinho, as mãos grandes e voluntariosas cruzadas sobre as coxas como um par de ferramentas erradas. A firmeza falsa do garoto, sua curiosidade propositalmente infinita diante o pai, era massacrada por um gaguejar desconcertante.

Quando Galheb se via livre dele, as raízes beduínas desapareciam. Ele abria a porta de sua caverna e quando via que era eu que estava ali esperando, lançava-me um cumprimento cordial, simulando surpresa, sempre referindo-se a um pressentimento de minha chegada.

_ Eu juro que há pouco, enquanto almoçava, me veio a certeza de que você apareceria, e eu pensei: Vou ter que comer duas vezes com Halperin_ dizia.

Da soleira até a sala disparava a falar, disfarçando a impressão de que ensaiara a procissão de conhecimento no silêncio de sua reclusão, rumorejando um por um os artifícios de humor, crítica, e dados documentais.Mas os efeitos daquela  vida comum e insípida que a presença do filho lhe afrontara se fazia ver em seu rosto concentrado. Era um homem talhado para a solidão. Seus olhos ferozes abaixavam-se um quarto de circunferência e se mostravam focados num impreciso ponto adiante, de novo sem se assombrarem com nada.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

"O Mundo Não É Feito para Nosso Benefício Pessoal"

 
Porém, antes de terminar, quero lembrar mais uma coisa. Como estudantes desta universidade, vocês são pessoas privilegiadas. As perspectivas são as de que, como bacharéis de um instituto conhecido e prestigiado, irão obter, se assim escolherem, uma ótima condição na sociedade, carreiras melhores e ganhos maiores que os de outras pessoas, embora não tanto quanto os de prósperos homens de negócios. O que eu quero lembrar a vocês é algo que me disseram quando comecei a lecionar em uma universidade. "As pessoas em função das  quais você está lá", disse meu próprio professor, "não são estudantes brilhantes como você. São estudantes comuns com opiniões maçantes, que obtêm graus medíocres na faixa inferior das notas baixas, e cujas respostas nos exames são quase iguais. Os que obtêm as melhores notas cuidarão de si mesmos, ainda que seja para eles que você gostará de lecionar. Os outros são os únicos que precisam de você."

Isso não vale apenas para a universidade, mas para o mundo. Os governos, os sistemas econômicos, as escolas, tudo na sociedade, não se destina ao benefício das minorias privilegiadas. Nós podemos cuidar de nós mesmos. É para o benefício da grande maioria das pessoas, que não são particularmente inteligentes ou interessantes (a menos que, naturalmente, nos apaixonemos por uma delas), não têm um grau elevado de instrução, não são prósperas ou realmente fadadas ao sucesso, não são nada de muito especial. É para as pessoas que, ao longo da história, fora de seu bairro, apenas têm entrado para a história como indivíduos nos registros de nascimento, casamento e morte. Toda sociedade na qual valha a pena viver é uma sociedade que se destina a elas, e não aos ricos, inteligentes e excepcionais, embora toda sociedade em que valha a pena viver deva garantir espaço e propósito para tais minorias. Mas o mundo não é feito para  nosso benefício pessoal, e tampouco estamos no mundo para nosso benefício pessoal. Um mundo que afirme ser esse seu propósito não é bom e não deve ser duradouro.

(Excerto de uma palestra apresentada por Eric Hobsbawm na abertura do ano acadêmico de 1993-4 na Universidade da Europa Central em Budapeste. Publicada sob o título Dentro e Fora da História, em Sobre a História, tradução Cid Knipel Moreira, Editora Companhia das Letras, p.21)


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Gonçalo M. Tavares



Gonçalo M. Tavares é um tipo curioso e essencial de escritor: aquele que se faz escritor contra toda a lógica da mídia livresca, da necessidade de talento altamente distintivo, do anacronismo da devoção literária no mundo moderno, do corporativismo das empresas da cultura. Numa má sorte de total ostracismo, ele seria um Fernando Pessoa, seguido por uma postumidade fiél e incontornável, ou um desses loucos em efervescência cujo sentido é dar um basta na vida de funcionário público e minguar de fome em cima da página em branco. Sorte de Portugal que tenha tido ao menos dois desse espécime num prazo de menos de meio século, o Saramago e o Tavares (considerando que Lobo Antunes teria como suprir a sobrevivência com a medicina). Então não é o caso de ter achado Jerusalém fragmentário, ou Aprender a Rezar na Era da Técnica um romance em interstícios significativos onde se perde os meandros do conflito. Gonçalo M. Tavares prescinde da conivência de leitores. Existe apenas por si mesmo, por seu monasterismo vocabular de regras e objetivos próprios solidamente fundamentados. O fato de ter leitores e não guardar seus rascunhos num baú com a etiqueta "posteridade", ou não ser um mendigo com papéis amassados nos bolsos da calça em frangalhos, é absolutamente irrelevante.

(comentário meu publicado no sempre ótimo blog da professora Rachel Nunes:

http://rachelsnunes.blogspot.com/2011/02/obsessoes-de-goncalo-m-tavares.html )

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

De Férias, mas a Concorrência Tá Difícil

"O Mal da Humanidade É a Ignorância"


Eu não sei por que cargas d’água algum filósofo anônimo foi gastar a sua chance de notoriedade escrevendo em grandes letras garrafais o seguinte aforismo na parede do banheiro público da rodoviária de uma cidadezinha do interior de Goiás: “O mal da humanidade é a ignorância”. Meu contato com esse seu resumo primoroso do motivo de estarmos atolados em milhares de anos de incompreensão mútua, foi como um tapa na cara que se leva no meio de uma multidão em fúria, tentando entrar no metrô numa segunda-feira de volta do trabalho, ou correndo à frente de um touro desembestado em uma festa em Pamplona: demorei-me a perceber a ofensa apenas quando tive tempo de sentar-me e sentir a face afogueada. Pois a frase estava à minha frente, descaradamente limitada a ser a si mesma, sem retoques gramaticais, sem alusões evangélicas, oferecida gratuitamente para a redenção dos incautos que vieram ali desatrelar o volume das bexigas , modestamente sem as aspas que levassem o olhar a procurar o nome do autor abaixo, desenhado em meu nível de altura e acima da cocheira de metal que as convenções da língua chamam mictório. Aquilo aos poucos foi adotando sua constituição fantástica, o que me fez espontaneamente virar a cabeça para o estranho que estava em pé ao meu lado firmemente ocupado na regra universal dos banheiros públicos masculinos em, em hipótese nenhuma, olhar para quem estiver ao lado, afim de não alimentar uma série de maus entendidos, e, olhando-o com um sorriso bobo, como dizia, a ver se nele havia o mesmo potente reconhecimento de uma obra da mais seleta genialidade, me veio a vontade de lhe perguntar o que ele achava daquilo. “Ei, meu chapa, olha só que coisa sobrenatural! O que tu achas disso?” Claro que não perguntei. Seria colaborar com o mal que a frase ali se prestava a denunciar. Subi o zíper da calça, fiz a mesma cara de zumbi desprovido de visão periférica, lavei as mãos e saí. Mas a frase, o mistério daquele apotegma iluminadamente fatigado de como quem diz o óbvio a um rebanho de cegos, não me saiu da cabeça. Enquanto dirigia de volta à minha cidade, enfrentando o calor tão gigantesco que retirara a antiga paisagem e tornara-se ele mesmo paisagem_ um tapete tridimensional de amarelo tremeluzente que se incendiava e se reconstituía como uma fênix de energias raiadas _, uma série de probabilidades a respeito de quem a escreveu, de como, quando e por que, me motivava a encontrar as respostas. Imaginei um simples funcionário municipal, que um dia recebe a ordem do secretário de obras públicas de escrever qualquer besteira ocupacional na parede da rodoviária a ser inaugurada. “O que propriamente o senhor quer que escreva?”, ele teria perguntado; “Ora, qualquer coisa, abra aí a Bíblia, o Novo Testamento, o Salmo, o Cântico dos Cânticos, e reproduza alguma daquelas frases exemplares. Só tome cuidado para não copiar algo que não faça sentido, das tantas frases que não faz sentido no Livro Sagrado.” E foi-se o pacato pintor de paredes ao destino predito, talvez não realmente tendo ouvido de um chefe imediato da prefeitura de uma cidadezinha perdida no cerrado a contestação iluminista à supremacia divina ilesa a erros da Bíblia, talvez não tendo recebido indicação do secretário nem mesmo de onde, em quais das paredes de tinta amarela nova da rodoviária teria a liberdade de escolher para de próprio punho desenhar um dos exemplos morais do Altíssimo. E esse funcionário, esse homem que deve ser miúdo, que em nada teria para chamar a atenção alheia se resolvesse desenhar a quadra de um jogo da velha na parede e efetuar a vitória dos pontos negros na vertical, chega à rodoviária deserta, ainda com sacos por menos da metade de cimento deixados no chão, andaimes desmontados mas não retirados, utensílios dos mil usados pelo pessoal da construção, olha desconsolado para as tantas paredes que lhe assediam com a possibilidade de ser posto ali as palavras do monarca Davi, ou de um dos apóstolos do Cristo, e, num surto de ousadia que deva ter ocorrido não necessariamente de imediato, mas depois de se sentar no meio-fio e gastar algumas divagações derivativas, num repente de enfado com a espécie da qual faz parte,  num arroubo de calma e inconformada loucura que só na aparência parece ter explodido do nada assim tão espontaneamente, mas como todos os desabafos do espírito estava assando dentro de si por décadas, ele pega do pincel, a régua de precisão, o balde de tinta preta, vai até o banheiro ainda imaculado e escreve na parede acima da bacia de ferro longilínea onde se despejariam litros de mijo de tudo quanto é homem estranho e apressado da região de São Patrício: “O Mal da Humanidade é a Ignorância.” Demora-se uma ou duas horas, não sabe ao certo o quanto de suspensão de tempo se lhe consome a criação, arrematando as ombreiras do M, afiando a trave de união do H, caudalizando a astúcia quieta de gato deitado do g, o bigode francês impositivamente não chamativo do circunflexo. Depois do serviço todo realizado, observa-o à distância, com a apreciação desencantada e insatisfeita dos grandes criadores. Volta para casa sofregado, cabisbaixo, exaurido pelo gasto de energia que a parturiência de uma composição colossal daquele talhe lhe exigira. No meio da noite, ao lado da esposa, ele acorda de súbito, dando-se conta das conseqüências do que fizera. Uma frase singela, dita sem muito afinco, com a clara falta de outras intenções subjetivas além das que seu caráter meramente didático faz ver, com o mesmo potencial para não ser ouvida que tem um gasto conselho para um filho irrecuperavelmente perdido, lhe surge, pelo contrário, com todo o impacto de sua subversividade, de sua afronta aos poderes instituídos. A ignorância contra a qual apenas fizera um apontamento generalizado poderia, numa cidade onde a politicagem imperava e a vigilância recíproca entre vizinhos era uma regra de equilíbrio cordial, se transformar numa acusação expressamente dirigida a uma pessoa de verdade, com nome, sobrenome e cargo específico. E era tanto pior tê-la escrito num local restrito como o banheiro dos homens; a clandestinidade da coisa cheirava às ações contrárias aos militares nos anos da ditadura...


Sob o sol escaldante, eu limpo o suor da testa com a manga da camisa, e imponho um fim a toda essa tergiversação. O mais provável, penso, é que se trate de um desabafo da comitiva de limpeza contra o bando de mijadores sem mira que usa o banheiro. A ignorância para a qual os trinta centímetros de largura da boca do mictório nunca são suficientes.


segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O Fim do Meu Ecletismo

Vou pôr um ponto final em meu ecletismo de leitor de informações. Aliás, já há alguns meses minha abstinência por certas revistas, jornais e blogs já vem acontecendo de forma espontânea. Hoje só vou à lotérica da cidade, onde se vende revistas e livros, só para fazer uma encomenda ou outra de livros com a simpática proprietária, com a qual já tenho uma relação de cumplicidade (quando ela marca em sua agenda de pedidos um título em meu nome, me liga diligentemente para explicar atrasos ou me manter informado sobre a monitoração de onde está a carga, o que me faz lembrar, romanticamente, a livreira Sylvia Beach e sua livraria, Shakespeare and Company, que atendia em Paris Gertrude Stein, Ernest Hemingway e James Joyce _ não fazendo nem a mais distante comparação). Há muito que cancelei as duas assinaturas da Veja e da Carta Capital, e minha assinatura de 12 edições da revista Piauí encerrou-se neste mês. A editora Abril já entulhou minha caixa de correspondências de facilitações e descontos para a retomada do contrato, mas meu desfastio se completou de forma peremptória com esse representante chic da posição neutra "por cima do muro", com a reportagem de cinco páginas lançada no último número sobre Luan Santana. Cinco loguíssimas páginas que me obrigaram a ler achando que veria uma crítica sobre a mídia massificante e a boçalidade da adolescência, mas que não há nada ali, nenhuma caveira de burro enterrada, além do dia a dia de um milionário de menos de vinte anos e de uma jovem que largou os estudos para presidir honradamente um fã clube a ele destinado. De forma que para mim, foi a gota d`água.

E eis que, após meses _ ou quase um ano_ que não me ocupava com a leitura da Veja, me cai em mãos o exemplar abaixo. Só a capa já embrulha o estômago! A matéria em si sobre o casal de cordeiros, deveria ser alvo de um centro de pesquisas sobre comportamento humano e nível intelectual, pois quem conseguiu lê-la na íntegra, todas aquelas colunas de letras incomensuráveis, só pode sofrer de algum tipo de doença muito profunda, uma anomalia na alma. Nesse mesmo número _ que, sério, é fantasticamente desprovido de conteúdo_, há uma matéria do Diogo Mainard querendo desconstruir ninguém menos que Jared Diamond, o autor de um clássico de antropologia e gestão ecológica moderna intitulado Colapso. O Mainard sofre de oligofrenismo de estilo, um texto dele tem a mesma estrutura técnica de todos os seus outros textos. É como se ele tivesse um programa de computador em que joga sua pretensa ideia, e o software já imprime a coisa dentro de um molde rigoroso. Mainard tem uma espécie de gaguejar de maneirismos da escrita, uma redundância minimalista que só é irritante para os poucos que levam a sério a raiva que suas limitações provocam. Ele não é apenas um péssimo escritor, como lhe falta a mínima coerência e bom gosto artístico. Lembro uma entrevista dele ao Jô, em que comenta sobre o já eternamente esquecido filme por ele lançado no mercado cinematográfico nacional, em que, ele diz, ajuntou a cena gratuita de uma explosão automobilística só para ver se capturava audiência. Nesta decantação que faz ao Jared Diamond (autor que admiro muito, e do qual li Colapso, Armas, Germes e Aço, e Por Que o Sexo É Divertido?) , ele, que demontra não ter lido nenhum desses títulos principais, pega o lançamento nacional de um  dos primeiros livros de Diamond, The Third Chimpanzee, e traça uma série de pre-julgamentos e conceitos sarcásticos (o desproteinado sarcasmo mainardiano) sobre agumas das teorias defendidas pelo autor. Mesmo que estivesse certo em sua crítica da possível obsolescência e enganos de Diamond (não li esse livro, para opinar sobre), seria como alguém afirmar que Roberto Bolaño não é um grande escritor, baseando-se apenas em Uma Pista de Gelo. Sem contar que o Millôr Fernandes, quando tinha uma coluna na Veja, fez um artigo sobre Diamond que consolida o lugar desse grande analista erudito dos negros caminhos que a humanidade depredatória segue. E a própria revista Veja, numa edição especial, publicou com exclusividade um  extenso artigo assinado por Diamond. Aliás, esse texto de Mainard concorda ao menos com um outro absurdo texto em que ele NEGA o aquecimento global !!!! O que mostra que não só a Veja sofre de bipolarismo quanto à arregimentação de sua linha editorial, quanto seus leitores realmente fenecem na mais acomodada burrice.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O Graveto Verde


Da apresentação do autor, por Rubens Figueiredo, em Ressurreição:

"Embora (Tolstói) tivesse boas relações com todos os seus quatro irmãos, foi Nikolai quem lhe marcou mais profundamente o temperamento. De um lado, era seu modelo de homem, belo, elegante, forte e corajoso. De outro, estimulava sua imaginação, afirmando possuir um segredo capaz de instaurar no mundo uma nova Idade do Ouro, sem doenças, miséria, ódio, e na qual toda a humanidade seria feliz. Nikolai alegava ter gravado esse segredo num graveto verde, o qual enterrara numa ravina da floresta de Zakaz. (...)

Curiosamente, dois anos antes de sua morte, Tolstói ditara as seguintes palavras, tendo em mente a redenção da espécie, tal qual imaginada pelo irmão Nicolai:

Embora seja um assunto desimportante, quero dizer algo que eu gostaria que fosse observado após a minha morte. Mesmo sendo a desimportância da desimportância: que nenhuma cerimônia seja realizada na hora em que meu corpo for enterrado. Um caixão de madeira, e quem quiser que  o carregue, ou o remova, a Zakaz, em frente a uma ravina, no lugar do "graveto verde". Ao menos, há uma razão para escolher aquele e não qualquer outro lugar."



terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Minha Bolhinha de Sabão, 4 Meses Felizes Hoje




"Da felicidade só a conhecem as borboletas e as bolhinhas de sabão, e aqueles que são tão leves que a eles se assemelham." (Friedrich Nietzsche)




Ela



A forma dela surge,
ela vem menos guardada que nunca
e ainda assim mais guardada que nunca,
os grosseiros e sujos
entre os quais ela passa
não a tornam grosseira nem suja,
ela adivinha os pensamentos ao passar
e a ela nada se pode esconder
mas nem por isso é menos delicada
e atenciosa _ é a mais bem-amada
sem nenhuma exceção,
não tem motivos para temor e não teme,
maldições, brigas, canções de duplo sentido,
expressões chulas são para ela inócuas
quando ela passa, calada que vai,
bem segura de si,
coisas assim não chegam a ofendê-la,
ela as aceita assim como as aceitam
as leis da Natureza,
forte como ela é
_ também ela é uma lei da Natureza
e lei mais forte que ela não existe.
(Walt Whitman, tradução de Geir Campos)