sábado, 27 de agosto de 2011

Algo Cintila no Tecido Esgarçado_ Vila-Matas escrevendo sobre Sebald

W. G. Sebald

Passa uma gaivota e sigo-a, e lembro certos comentários de W.G.Sebald acerca do mistério e da incidência do gênero fantástico no excêntrico, certos comentários também sobre supostas casualidades e coincidências que poderiam não ser o que são se contássemos com melhores meios de percepção, não sê-lo porque, na noite dos séculos, ficamos, um dia, depois que se ouviram disparos no paraíso, muito limitados mentalmente: "Prefiro escrever sobre pessoas bastante excêntricas e o excêntrico tem algo de fantástico. Esse tipo de coisa, além do mais, também nos sucede. A mim, por exemplo, aconteceu recentemente de estar num museu de Londres para ver dois quadros. Atrás de mim estava um casal que, creio, conversava em polonês. Um cavalheiro e uma dama, de aspecto muito estranho, não pareciam de nosso tempo. Depois, à tarde, precisei ir à estação de metrô mais periférica de Londres, uma cidade de quinze milhões de habitantes. Não havia ninguém. Salvo esses dois do museu. Ali estavam."

Sebald é um grande leitor de Borges, a quem sempre elogiava por compreender muito cedo o erro que supôs expulsar a metafísica da filosofia. Porque de fato, diz Sebald, há coisas que não podemos explicar facilmente, e porque, para além do social, faz parte de nossa condição humana, antes mais que agora, manter certa relação com os que nos antecederam. Recordar os mortos é algo que nos distingue da animalidade.

Sou um espião e constante leitor de Sebald, de suas longas caminhadas à Robert Walser, de sua exploração do mundo dos mortos, de suas incursões fantásicas no espaço dos excêntricos. Comentando o caso raro dos poloneses da estação periférica, disse Sebald: "Não são casualidades, mas em alguma parte há uma relação que de quando em quando cintila através de um tecido esgarçado."
                                             (O mal de Montano, Enrique Vila-Matas)

3 comentários:

  1. Pode o "inexplicável" servir como álibi para a fuga das causalidades e conveniente (porque absenteísta) refúgio nas casualidades, como se tudo fosse casual e, de resto, inexplicável, incompreensível? Isso leva água para o moinho do descaso com o destino humano, como se ele fosse comandado por acasos metafísicos e não houvesse qualquer relação entre esse destino humano e as relações objetivas que tece social e ecologicamente. Embora existam fatos e fenômenos inexplicáveis, nenhum deles explica a submissão a estes diante dos muitos mais consequentes e comumente encontráveis fatos e fenômenos explicáveis.

    Deve ser por isso que não sou admirador de Sevald, Vila-Matas ou Borges.

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  2. Sabe-se lá quem, afinal de contas, você admira. Às vezes acho mesmo que você não gosta é de ler!

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