sábado, 13 de agosto de 2011

O Esquecimento Perfeito

Lembro-me que no final do mês enfrentei a fila de banco para retirar o minguado salário de professor substituto, e parti eufórico para a livraria no outro canto da cidade. Quando a moça do caixa contou o dinheiro que lhe entreguei para poder levar o livro que haviam me reservado, anunciou faltar o equivalente hoje a uns 5 reais. Voltei correndo ao banco antes que acabasse o expediente e confrontei o funcionário, que fechou o caixa e depois de uns dez minutos de balanço confirmou o erro e me passou o restante do dinheiro. Às seis horas as moças me esperavam ainda à porta da livraria e eu, suado, pude pegar de vez O Don Silencioso, de Mikhail Sholokov. Eu tinha uns 22 anos e esperava reaver toda a maravilha dos grandes russos com aquele volume de 500 páginas, e pelo mês de férias da faculdade e das desgastantes aulas de substituição, o devorei sendo atendido em todas as minhas expectativas. Era uma história que abarcava a saga de algumas famílias, desde os tempos feudais das extensas pradarias do Don até a formação do estado soviético. Era o Tolstoi do século XX, como dizia um crítico na contracapa, cheio de vigor, de juventude, de sabedoria. Depois achei um livrinho de contos do autor, e também me deixei maravilhar pelas aventuras de um bom garoto de aldeia que tem que atravessar milhares de milhas para anunciar ao povo a advento feliz de que Lênin chegava. Ao final da viagem, deitei a cabeça no travesseiro com o mesmo sentimento de orgulho pelo dever cumprido que o bom menino sentiu, ao retornar à simples casa dos pais camponeses.

Convido a digitarem o nome de Mikhail Sholokov no Google. Convido a teclarem depois a seleção de imagens. Viram? O mais perfeito esquecimento! Uma descoberta notável que pode ser útil nas conversas entre amigos letrados quando surgir o tópico "qual o escritor mais esquecido?". Se acharem uma foto de Sholokov no Google, por favor, me avisem, para que eu possa colocar nesse post. Na procura rápida que acabo de fazer, não achei nem o link da wikipédia, o que é assombroso. Pode-se encontrar de tudo no Google, do agricultor inglês medieval Jethro Tull à biografia completa do Bandido da Luz Vermelha, mas não se acha quase nada sobre Mikhail Sholokov. Só achei essa foto que condiz com o desaparecimento asséptico completo, por sua capa horrível e os sinais evidentes de uma última e distante edição. Não se publica mais Sholokov, apesar de ter ganho o Nobel e ter sido declarado pelo partido soviético como o maior e mais representativo romancista da Rússia de meados do século XX (ou, mais apropriadamente, por esses dois motivos). Não sei se é justo ou não. Não sei se, com o passar do tempo, quando se desgastar o peso por um dos maiores fracassos políticos da história, Sholokov irá voltar, purificado e justificado, como um grande escritor. Só sei que me rendeu o deleite verdadeiro da boa leitura, mas isso também foi há muito tempo, e, por mais que peleje, não me recordo muito além da história do garotinho mensageiro.

P.S.: Tá bom, o Google é infalível. Achei.


2 comentários:

  1. hahahaha. Obrigado, João. (Cá entre nós, devo confessar que eu havia digitado o nome de Sholokhov com "C". Mas isso não retira a evidência de que pouco se pode saber dele pela net.)

    ResponderExcluir