domingo, 14 de agosto de 2011

Alex Ross, Radiohead e ebooks

Alex Ross é bem mais que um jornalista que escreve de forma informal sobre música, como as resenhas da imprensa nacional querem passar, e como opinam os puristas sobre a possível superficialidade do autor ao tratar da música clássica. Desde O Resto É Ruído, vem-se dividindo a aceitação de Ross entre os que gostam e os que o tratam com esnobe indiferença, sendo a primeira categoria afetada pelos maneirismos de leitores de revistas de música que o acham bom por ele ter uma escrita leve a aprazível e não oferecer dificuldades em tempos de informações tão imediatas, e a segunda denuncia sua impostura ao ficar transparente que o desprezam para enaltecer suas próprias qualidades de entendidos. Em seu último livro lançado por aqui, Escuta , fica um pouco mais difícil sustentar sua medianidade. São 20 textos coletados das contribuições de Ross para a revista New Yorker que mostram que, além de sua capacidade de demonstrar um entendimento estético, histórico e técnico sobre todos os tipos de música, o cara escreve bem pra caralho! ; há uma desenvoltura inebriante em ensaios como o que Ross acompanha uma série de shows de Bob Dylan por festas folclóricas e estádios interioranos dos Estados Unidos, e sobre suas impressões sobre a turnê do Radiohead no lançamento de Kid A, que não ficam por dever em nada à sofisticação do jornalismo literário de gente como Gay Talese e Tom Wolfe. No ensaio sobre Kurt Cobain, em que ele não poupa sua admiração ao antológico álbum Nevermind, Ross reafirma seu talento de escritor. Escreve ele: "A raiva que sentimos diante dos suicídios talvez seja motivada por amor, mas é o amor que vem da posse, não da compaixão." Mas o melhor mesmo é perceber que o prazer de ler alguém que conhece de tudo da música e não cai no cansativo preciosismo de sobrepor um gênero musical sobre outro se revela na rapidez com que o tempo passa quando nos embrenhamos na leitura. O livro me foi entregue na sexta-feira, e já estou por chegar ao final de suas 400 páginas.

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Fui um dos primeiros conhecedores do trabalho do Radiohead aqui no Brasil. Tenho muito orgulho disso. Ninguém falava dos caras, eles não apareciam na mídia, sua música não passava nas rádios e nem na MTV. Um dia do ano de 1998, entrei numa loja de discos de um shopping center e perguntei ao vendedor se ele conhecia de quem era a música sublime que passava numa propaganda de televisão em que dois garotinhos brincavam num carrossel. Era uma propaganda tocante, um dos menininhos tinha síndrome de Down, e o sentido era que ele era tão normal quanto o outro. A música era arrebatadora, parava-se tudo que se estava fazendo para ouví-la, era inigualável por sua delicadeza melódica e pela voz sofrida mas infinitamente meiga que a cantava, e o mais forte era o contraste do que podia-se apreender depois da tradução da letra: falava sobre cirurgias obstetras e  homens de borracha. O vendedor sorriu e foi direto à prateleira, como se essa consulta lhe fosse algo rotineiro, e retirou os três cd´s do Radiohead. A música, ele disse, é essa que está no segundo cd, e se chama Fake Plastic Trees. Foi algo engraçado, pois comprei apenas esse segundo cd, como um test-drive; era uma noite de chuva, e recordo que mal abria o shopping no outro dia, lá estava eu ansioso para adquirir os outros dois discos. Hoje eles são o que são, mas eu acompanhei já como fã a escalada deles ao topo de músicos mundialmente conceituados. Quando lançaram Kid A, fiz uma viagem de trezentos quilômetros até a loja mais próxima para comprar o álbum (compras pela net? Não existiam como hoje). No livro de Ross, Thom Yorke declara que sempre foi vítima de bullying na escola e universidade. Consideravam-no uma espécie de corcunda com seu copo mirrado e a paralisia de nascença de seu olho esquerdo. O ensaio de Ross mostra as brigas ferrenhas da banda contra o mercado fonográfico, o que acabou descambando na atitude inédita de disponibilizarem seus discos, a partir de In Rainbows, pela internet, para que se pague por eles o preço que fôr, ou nenhum preço; mostra também o quanto a banda é intelectualizada e culta, e o quanto promovem em seus shows os músicos sem lugar na mídia, como o Sigur Rós e o Autechre.
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Vejo num programa de televisão que só nos Estados Unidos, o mercado de livros digitais para tablets faturou no início desse ano 90 milhões de dólares, superando as vendas dos livros de bolso de papel. Espero para ver a matéria completa após os comerciais, meio que estarrecido com o advento estranho desse milagre, e eis que a voz monocórdia da repórter aparece fazendo fundo às imagens de livros infantis coloridos nas telinhas dos tablets. Uma mãozinha acaricia a tela e uma espécie de círculo de luz translúcido voa por cima das cabeças dos grilos, coelhinhos e o típico casal de crianças que são os personagens dessas histórias. Imagino como o sinergismo entre imagens em movimento e texto vai evoluir nos próximos modelos de tablets, Kindles e diabo-a-quatro dessa tecnologia, e como isso vai se adaptar à concentração necessária para a leitura. Está-se lendo, por exemplo, Moby Dick, e o leitor terá uma série de ferramentas para suavizar o peso da leitura, como anagramas ultra-sofisticados em que o capitão Ahab aparece com a cara de Jack Nicholson a caráter de marinheiro desleixado oitocentista vociferando na tela, e a baleia branca, terrível através dos óculos de 3D, saltando de encontro ao rosto do leitor, de maneira que haverão comunidades no Facebook para louvar o quanto se pode sentir verdadeiramente os respingos de água salgada na pele. Os poderes da imaginação estarão restringidos a um grupo de apreciadores persistentes e retrógrados, mas que garantirão a sobrevivência do livro impresso. Seremos, nós os verdadeiros leitores, tão pomposos e devotos como os tabaguistas e os enólogos.

15 comentários:

  1. Não sabia que Radiohead se escondia em você.
    Espero que você tenha baixado portanto Brad Mehldau tocando Paranoid Android. Aquilo é de deixar tenro o coração de qualquer fã do Yorke.

    Mas deixa eu ser chato um pouquinho. A posse única do objeto de admiração e idolatria é um sentimento universal. Sinto que Charles Mingus é meu, e meu apenas. Você também, daí da prosaica somewhere em Goiás.
    Radiohead já era bem grande em The Bends. O clipe mesmo do Fake Plastic Trees, repetido dia e noite na MTV já sentenciava isso. Se você tivesse ao menos mencionado Pablo Honey...

    Não sei como a discussão sobre o e-book e o futuro da letra impressa veio parar nesse texto. Não me preocupo ainda com um sentencioso fim da letra impressa. Acho que a batalha entre editoras - com seus métodos tradicionais, a milenar invenção do códice cristão - e as editoras que disponibilizam os direito de seus títulos para os vários formatos digitais (Kindle, Kobo, etc), vai durar pelo menos uma dezena de anos. Vou te dar um exemplo, a loja virtual da Kindle Canadá é bem fraca. Posso comprar Snow Spring do Mishima na loja virtual americana, mas nenhum dos volumes do Sea of Fertility são disponíveis na loja Canadense. O método que eles arrumaram para by-pass a questiúncula de direitos de venda, foi disponibilizar versões audio de alguns dos romances do Mishima. O mesmo se aplica a uma dezena de outros autores de ficção canônicos.
    Mas a readability do Kindle por exemplo é tão boa quanto a de um livro comum. Nada de efeitos fleshy, ou coisinhas se movendo na tela enquanto você lê. Na realidade o momento de leitura no Kindle é sagrado. Nada se interpõe na tela que imita com perfeição a luminosidade do papel (ou lack thereof - não há luminosidade como no monitor, seja dos tablets ou do velho PC) entre a letra e o leitor.
    A coisa que me aborrece tremendamente no momento sobre a readability do Kindle é a ausência de indicação do número da página em algumas edições de títulos. Que coisa mais estúpida de se fazer.

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  2. Baixei todo o torrent do Brad Mehldau, mas estou ouvindo_ embevecido_ apenas o Highway Rider. Se não impor uma dsciplina de ouvir com parcimônia as discografias, a coisa toda se perde sem propósito. Adoro Radiohead. Há nele uma mistura decantada de referências diretas de grandes bandas do passado, como King Crimson, Van Der Graaf Generator, assim como The Smiths, etc,mas eles são eles mesmos e incrivelmente originais. Tá certo que eram conhecidos em 1998, mas não aqui no Brasil. No Brasil nem se falava deles, na época. Fiz algumas descobertas malucas tipicas de fã_ de quem acha que a banda lhe pertence, como bem você disse_ como achar semelhanças pra lá de mera coincidência entre a música Stand e uma das músicas do Van deer Graaf de Aerosol Grey Machine.

    (Não sei como Mingus te pertence, se ele é todo meu! :))

    Acho que nunca vou ter um desses brinquedinhos, Luiz. Não consigo ler na tela.O mercado da pirataria estaria arruinado se dependesse de pessoas como eu. Baixei vários livros, como Kenzabuo Oe, Vargas Llosa, Bauman e Zizek, mas não consigo lê-los na tela. Comprei boa parte deles na versão unicamente verdadeira do livro impresso. Me desculpe, mas teremos, nesse assunto, sempre opiniões contrárias: sagrada a leitura pelo Kindle? Não consigo nem imaginar isso.

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  3. Mas não me parece que seja uma questão de ou-ou. Não acredito, não posso acreditar, que o e-reader, uma invenção de poucos anos, vai destronar o códice com mais de dois mil anos de existência.
    Mas deixa eu repetir que o Kindle, por exemplo, não proporciona a leitura como se de uma tela. É papel. Ou o mais próximo que o digital pode imitar o papel.

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  4. Você anda lendo Bauman - ou talvez Baudrillard, em demasia (isso na realidade é mais Simulacros e Simulações que Mal-estar da Pós-modernidade). Abrace o hiper-realismo um pouco.
    O anti-modernismo não combina muito.

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  5. Charlles,

    Tem como eu comprar um kindle no Brasil? Eu baixo um livro por dia - todos de informação. Você tem razão. Ler no computador um livro de ficção tira a magia da leitura. Mas podemos esperar por mais.A tecnologia é maravilhosa. Uma colega levou, dia desses, o iPad do marido para a faculdade, com o qual ela interagiu durante a aula toda, fazendo anotações, copiando e consultando. É mágico. O kindle seria o ideal para mim.

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  6. Milton,

    Entra na Amazom americana (www.amazom.com) e procura pelo Kindle na Kindle store.
    Tem uma opção antes de você adiciona-lo ao "carrinho de compras" onde você observa as opções de envio, as restrições de envio para alguns países. Acho que não há restrições de envio para o Brasil.
    E até onde eu sei, o 3G da loja virtual da Amazon já está disponível aí no Brasil.
    Meaning, e essa é para mim a glória do Kindle, você pode comprar títulos direto do seu e-reader e receber os mesmos em segundos (palavra!). Só se certifique antes que a loja virtual "brasileira" possui os livros que você deseja - i.e. falo do imbróglio que descrevi aí em cima entre direitos autorais e venda entre o mercado americano e outros mercados editoriais. Se bem que você estaria comprando livros em inglês na sua maioria... então não vejo como isso tenha influência sobre o mercado editorial brasileiro.

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  7. Luiz, não sou retrógrado e nem fico nessa de "como os verdadeiros tempos bons foram os da minha geração". Não é isso. É porque tenho uma relação muito sentimental com os livros, aquele papo todo de poeira das páginas, o cheiro de cola, o folheio. Apenas isso, o que já determina uma grande e (quase) determinante indiferença ao kindle. E, como disse uma vez ao Caminhante, Bauman não condena a tecnologia_ pelo contrário até_ mas a capacidade alienizante de sua fácia de divertimento e controle cultural.

    Milton Cardoso, vi um tablet hoje mesmo em uma dessas propagandas da net (não me lembro se era o submarino) pelo preço de 999 reais, com 12 parcelas sem juros. Suponho que uma procura mínima deva dar um monte de promoções mais em conta, partindo da lógica de que, se está vendendo tanto assim, está se popularizando no valor.

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  8. Ah, sim, Milton. É claro que é Amazon e não Amazom!

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  9. Eu tô impressionada com o teu fôlego criativo nos últimos dias. Tá sozinho em casa, largado às baratas? Não consegui ler metade de tanta coisa que tá aqui.

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  10. Crianças, cachorro e esposa caíndo em cima nesses textos todos.

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  11. tbm tou impressionado, e faço votos de q não pare - só cuide pra voltar e ler os comments, pessoal sempre complementa legal.

    sou igualmente fã do radiohead, charlles, acho q tu sabe. e nosso começo foi o mesmo, nessa propaganda aí. e q legal citar king crimson, são mágicos.

    fiquei mto afim de ler esse alex ross aí.

    arbo

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  12. Eu sempre leio os comments, arbo, claro! Às vezes não respondo, por simplesmente não saber como, ou não haver necessidade. Mas sempre leio-os e fico lembrando por dias, tenha certeza.

    Esse do Alex Ross você iria gostar. O ensaio sobre o Radiohead é magnífico, a gente lê entusiasmado e logo corre para repassar a discografia toda da banda. King Crimson é uma das bandas mais eruditas e maravilhosas do rock (não cosnigo evitar esses adjetivos, que, no mais, correspondem ao que eu sinto). Se gostas do Crimson, deve ouvir Van der Graaf e Caravan, que são...bem, SENSACIONAIS.

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  13. de van der graaf já ouvi alguma coisa, caravan nunca tinha ouvido falar

    arbo

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  14. http://butseriouslyfolks11.blogspot.com/2011/05/caravan-discography.html

    Recomendo o terceiro e o quinto da lista.

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  15. Luiz,

    Não há restrições para o envio do Kindle ao Brasil. Mas, eu tenho uma dúvida: no meu pc tenho uma biblioteca de livros digitais (todos de teoria, filosofia, artes em geral)que, em sua versão impressa, não teria condições de comprar, casos de autores como Terry Eagleton e Umbero Eco. De posse do Kindle, eu posso passar esses livros para o leitor digital?

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