Acabo de ler um dos melhores ensaios sobre Kafka, o Franz Kafka: a propósito do décimo aniversário de sua morte, escrito por Walter Benjamin. Nele, uma peça magnífica cujo único similar que conheço é uma análise das cartas de Kafka a Felice produzida por Elias Canetti, Benjamin estuda as duas interpretações mais correntes sobre a obra do autor de O Castelo: a familiar e a teológica. Alcançando o melhor que há nessas duas vertentes, Benjamin conclui que o principal personagem em Kafka é o esquecimento. Através de muitos excertos de contos e dos três romances, Benjamin esclarece que Kafka bebia do Talmude, das primitivas fábulas judáicas, dos contos chineses sobre Confúcio, de tal modo que era um caso inédito de filósofo que descartava a filosofia em favor das fábulas, e era um fabulista que descartava a imagética dos animais falantes infantis para ser, involuntariamente, o sucessor direto de Kierkegaard e Pascal. Numa conversa com seu amigo Max Brod, Kafka aventa a possibilidade de existirem várias outras realidades dimensionais acima da nossa, onde os seres ali viventes são passiveis de maior esclarecimento e, por isso, mais felizes, numa antecipação prodigiosa da Teoria das Cordas. Brod, fascinado com essa visão, pergunta ao amigo: "Existiria então esperança, fora desse mundo de aparências que conhecemos?" Ao que Kafka ri e responde: "Há esperança suficiente, esperança infinita _ mas não para nós."
Nesse diálogo, na visão lúcida de Benjamin, se esconde toda a tese de Kafka sobre o esquecimento, sua concepção religiosa da deposição dos fardos dessa vida, de que tudo é inútil, toda preocupação e toda luta é vã. E, contrariando a superficialidade das primeiras impressões, isso constitui-se no mais puro otimismo kafkiano. Na mesma linha vai o texto que a professora Rachel Nunes postou em seu blog hoje, uma crônica de João do Rio em que um mendigo professa a teoria kafkiana da eterna inutilidade. E com isso, Benjamin corrobora com as teses de Tolstói de que só existe arte quando nela existe o elemento moral, mesmo que intrinsecamente subjacente. Há moral mais fina que nos microcontos de Kafka, em que Bucéfalo abandona seu dono, Napoleão, e senta-se numa paisagem tranquila, à sombra de uma árvore, a ler antigos livros sobre batalhas? Ou o conto aforístico do índio, em que Kafka diz que gostaria de ser um índio rumando velozmente sobre um cavalo em direção ao horizonte, e que, progressivamente, lhe sumiam debaixo as celas, os arreios e, por fim, o cavalo? E não é uma curiosa intersecção desses dois autores ambos verem que na origem da escrita descança a necessidade sagrada do resgate de um deus? Mas entre o moralismo de Kafka e o de Tolstói interrompe-se uma encruzilhada. Tolstói, mesmo absolutamente descrédulo, ainda se esforçava por apostar na mudança deste mundo. Quem tem razão?
Hoje, no jornal da Globo da manhã, noticiou-se que 3.426 servidores do Judiciário e magistrados movimentaram, de forma suspeita, cerca de 855 milhões de reais de 2000 a 2010. Com tais informações, vamos dar uma olhadinha no tópicos mais comentados da revista de maior difusão do país:
Comportamento: beber cerveja todo dia faz bem à saúde.
Reality Show: conheça, um a um, todos os participantes do BBB12
Televisão: BBB12 começa com histeria, incitação ao sexo, e campanha contra evangélica
Automóvel: o Fusca, agora em versão elétrica
Afeganistão: soldados que urinaram em corpos deverão se explicar
Gente: corre bem o transplante de Reynaldo Gianecchini
Crime: Bruno treina para voltar ao Flamengo, diz advogado
Cultura: similar a sigla de droga, título de novo disco de Madonna rende marketing muito antes do lançamento
Neurociência: internet pode afetar o cérebro assim como álcool e cocaína
Televisão: BBB12: ex-namorado de Renata se diverte com assédio a estudante.
Há salvação?
"Sancho Pança, que aliás nunca se vangloriou disso, conseguiu no decorrer dos anos afastar de si o seu demônio, que ele mais tarde chamou de Dom Quixote, fornecendo-lhe, para ler de noite e de madrugada, inúmeros romances de cavalaria e de aventura. Em consequência, esse demônio foi levado a praticar as proezas mais delirantes, mas que não faziam mal a ninguém, por falta do seu objeto predeterminado, que deveria ter sido o próprio Sancho Pança. Sancho Pança, um homem livre, seguia Dom Quixote em suas cruzadas com paciência, talvez por um certo sentimento de responsabilidade, daí derivando até o fim de sua vida um grande e útil entretenimento." (Franz Kafka)
Olá charlles,
ResponderExcluirNo modesto "A Felicidade Conjugal", de Tolstói, Mária, em certo momento, disse estar admirada com a "alegria selvagem" de seu esposo. Duas palavras ricas de significado que, com extrema perfeição descreveram, admiravelmente, um momento intenso e espontâneo.
O desconcertante Tolstói...
Temos em comum essa admiração!
Saudações,
Wagner
Ainda não li o "A Felicidade Conjugal", Wagner, mas tal cena é lúdica de outras várias cenas "desconcertantes" na obra de Tolstói. As descrições em "Guerra e Paz" sobre a alegre libertinagem dos hussardos nos alojamentos de batalha são admiráveis pelo seu humor e terno realismo, e expressam bem o quanto Tolstói foi mestre absoluto da observação que perfaz os mínimos detalhes.
ResponderExcluirEstou cada vez mais abduzido por esse grande escritor!
Forte abraço.
Estupendo, Charlles. Como talvez você tenha ter percebido nos meus textos, eu creio que adjetivos são criaturas muito fortes. E que, por isso mesmo, para que cumpram bem seu papel, devem ser usados com parcimônia e precisão. Assim, não costumo inflacionar seu uso. É nesta clave que você deve ler minha impressão sobre seu texto: estupendo!
ResponderExcluirMuito obrigado, Farinatti. Acabou que não se proibiu nada a Coca Zero por aqui, mas todas as informações concernentes a respeito da sua periculosidade e do pouco caso criminoso da empresa são verdade.
ResponderExcluirForte abraço.
Pois é. Eu acho que caberia inclusive uma ação do Ministério Público contra a empresa.
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