quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Brega

Uma explicação feita por uma revista semanal para o programa mais popular da tv atualmente é a de que ele atingiu todo esse sucesso por ser brega. O brega não é mau, cocluiu a revista, com um falso ar de quem registra o estoicismo condecendente de uma faixa de leitores sofisticados ao exterior empobrecimento geral. Mas o fato é que o conceito de brega foi um dos primeiros a sofrer perdão dos olhos astutamente interesseiros dos que trabalham com a opinião pública, os jornais, os programas de televisão que são baluartes do bom gosto da classe média, e a futura mídia virtual que se dividiria entre o prisma majoritário dos que seguem a tendência e os gatos pingados que exercitam a dissidência. Oriundo de um linguajar que guetizava a imigração nordestina e a conjurava em um grupo de pequenos e curiosos animais cheios de idiossincrasias cômicas, o termo "brega" delimitava um traçado determinista para tudo aquilo que se relacionava, com ingenuidade promíscua, ao passado feudal brasileiro, cujos movimentos revoluteantes despejaram os elementos desse grupo para a sobrevida nas grandes cidades brasileiras. Na superfície eram as miçangas, os rebolados da cintura dos que preteriam o intelecto à sensualidade dos ritmos sexuais, as roupas coloridas de retalhos improvisados, a paixão pelas palavras musicadas em melosidades dos contos de amor de boteco; na profundidade, o brega assinalava abaixo da suavização eufemística a indiferença dura e simples da eugenia que os povos desenvolvidos do sudeste e sul do país se serviam para controlar o limite da inserção. Brega era o que não seria, em hipótese alguma, inserido. O humor em mão única, que por isso pouco tinha de humor a não ser um ácido desprezo ao serviçal inferior, impunha o alfinete que setoriava em seu local facilmente vigiado o outro de cores excêntricas, afincado no quadro das amplas espécies sociais. Apenas que quem os monitora situava-se de fora da catalogação, como dono plenipotente de tudo que era verdadeiro no cotidiano superior daquele que, na puritana América do Norte, invejavelmente já tinha a tranquila segurança de se auto-denominar W.A.S.P. Mas esses agentes ultra-lúcidos das possibilidades do lucro da imagem, posicionados no centro dos acontecimentos e responsáveis pelo feedback da opinião pública, viram a enorme fonte de ganhos que advinha da expansão do conceito. Sua genialidade só não foi maior por perceberem, primeiro que todos, que a expansão seria um fenômeno inevitável. Permanecendo imóveis por sobre seus barcos cujas velas conduziam-os ao sabor da maré e do vento, chegaram sem esforço às ilhas paradisíacas do poder e do dinheiro infinito. Já tinham toda a composição genética da efetiva adaptação para se incluirem na extática babélia de cores e sons, para se deixarem incomodar que ao lado dos coqueiros e da praia de mar azul translúcido haveria o lixo acumulativo e ensurdecedor que o conceito expandido regurgitaria. Brega ascendeu-se de uma extração espiritual limitada a uma restrita fantamasgoria regionalista e tomou para si todos os pecados do mau gosto e da bestialidade com que o homem branco sentia não ser erradicável em si. O brega mapeou as tendências da cultura e fez da multitude inevitável acentuada pelos novos meios de comunicação democráticos a sua bênção expurgatória do nojo, e suas peças tornaram-se avantajadoramente cult e elegantes. Daí a razão do sucesso histórico do reality show, dai as vênias educadas e simpáticas da revista semanal. O brega serviu na longa história do mutismo para abortar todo o discurso que subjaz à inflamada derme das diferenças sociais do país, cambeando a moda global, dando a impressão aurífera de que o patrão compactua com a arte apreciada pela empregada doméstica, de que o branco perdoa a leviandade lasciva do mestiço trazendo sua jinga aos grandes salões, que, a dona de casa da alta classe socializou-se com a faxineira por ambas assistirem às mesmas novelas, não havendo nenhuma diferença verdadeira de classe. Os porões das concepções de hierarquias de raça e demais falácias biológicas, cuja pressão última descamba sempre e irrefreavelmente na velada ultra-violência, foram aparentemente fechados em decorrência da unificação da linguagem.

9 comentários:

  1. Me recuso a ler com atenção se você não der nome aos bois.

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  2. Precisa. Pra quem só vê TV de vez em quando é óbvio, mas pra quem vê bastante lixo (eu) não é.

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  3. O programa é o BBB, e o artigo é da Veja virtual de hoje...

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  4. Teria que ler o artigo original para entender a crítica. O que me parece é que ele desculpa o programa sob o rótulo de brega e você critica essa concepção, que seria uma desculpa falaciosa. De uma maneira ou de outra, nunca vi BBB ser chamado de brega, tanto pelos que amam ou que odeiam, e nem acho que ele seja popular no mesmo sentido como geralmente usamos para o brega, como Sidney Magal que era "cantor de empregada". Acho que o BBB é consumido de maneiras diferentes pelas várias classes, e com vergonha pelas classes mais altas... Enfim, não posso realmente opinar sem ter lido o artigo original.

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  5. (Vistes que o blog do Milton perdeu o módulo de resposta direta a um comentário, e o blogspot criou esse opção?)

    Já assisti a alguns BBBs porque sou humano. Acho que foi o do... não me lembro. Na verdade não tenho nada contra, apesar do que possa parecer por meus arremedos aqui. Cada um faça o que quiser com o seu tempo livre. Mas há sim um forte elemento brega ali, eu sempre percebi, a começar pela opinião dos participantes.

    O Michel Teló está escalado para apresentar no programa. Olha só... o pretenso intelectual tá por dentro do babado. Mas até o exército israelense já conhece o Michel Teló, poderia ser meu álibe. Que diferença há entre Magal, Amado Batista, a flor de girassol, e Michel Teló e esses cantores da moda? Nenhum. Lembro bem de minha adolscência e da observção do gosto das empregadas domesticas que moravam lá em casa. É, não sei se era tradição aí nos estados do sul, mas por aqui, nas famílias mais tradicionais (eu venho de uma), a empregada doméstica costumava ser uma abrigada da casa. Daí as piadas de fornicação alimentadas pelo costume, de iniciação sexual do patrãozinho com a agregada. Eu sempre repudiei essa visão, e as mulheres que passaram por lá sempre foram tão queridas como uma tia, ou uma irmã. Mas os gostos musicais e a cultura em geral delas era centrado na mais comezinha armadilha da mídia, o que compõe a definição fundamental do brega. Brega é tanto Odair José quanto Raul Seixas (que eu referencio), mas elas só ouviam o "Pare de Tomar a Pílula", e os sucessos derretidos do Roberto. Mas isso é uma longa história. Quanto o valor moral e uma certa ciência apócrifa de curas alternativas que elas me ensinaram eu conservo com valor e aplico em meus filhos. Eram mães em potencial.

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  6. Brega é uma palavra que sintetiza a necessidade de higienização classista, não é? Brega é o território DELES. Quando o brega se imiscui nos valores dominantes, é para ratificar um estado de coisas a que não escaparíamos, por mais tentativas que façamos. Um determinismo cultural estético. Como lição de inserção do brega no vocabulário semiculto da pequeno burguesia urbana nacional, sugiro a audição do último disco da Marisa Monte. Se biologia não é destino, a nacionalidade parece que é.

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  7. A Veja tem um monte de coisa brega.

    Fábio Carvalho

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  8. Mais do q não se precisar "dar nomes aos bois", isso não era importante. Tu falou tudo, charlles, e belissimamente. de verdade, acho q não odeio ninguém. mas gosto de brincar q odeio esse pedro bial. pq parece q é pior qdo se sabe a merda q se está fazendo né. e parece q ele tem condições. ou é tudo é tão surreal e nem lá no fundinho ele desconfia da falsidade dos seus "discursos", não dá óbvia falsidade, mas da perversidade q tu tão bem expôs aqui. sério, é difícil escutar meia frase desse cara, menos pelo q ele fala - mas ainda por isso -, mais por saber q é sim grande parte do Brasil q o escuta, admirado.
    é foda, o Brasil estaria melhor com jornalistas como Charlles Campos.

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