terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Danúbio, de Claudio Magris

A história da literatura e a história da humanidade se confundem e se subtraem na viagem sensorial por um grande rio. Não é a primeira vez que se tentou fazer isso, mas Claudio Magris o faz com uma assertividade em mostrar que nem a primeira nem a segunda existem realmente, mediante a única lei catalogável ser a do inexorável acaso que rege essas impressões de ordem, tanto quanto o curso do rio que afigura em sua viagem só se chama Danúbio por uma convenção de medidas geográficas que desaparecerão no tempo. O que choca nas páginas de Danúbio é a dimensão poética de Magris que convence abarcar milênios, coleção infindável de memórias de uma infindável quantidade de pessoas desaparecidas, paisagens, sombras de cidades, entardeceres, sorrisos, solitárias amarguras efêmeras, de tal modo que não é menos herege a impressão de que o olhar do autor transverte-se do deus impossível que deveria estar por detrás dessas coisas insubstanciais. Onde Magris depõe a sua poderosa carga de emoção e sua balanceadora erudição, deixa-se de se vigorar as forças da aleatoriedade e Magris resgata o objeto à sua condição de imortalidade, que durará enquanto o leitor atravessar as 442 páginas do livro, e o quanto a lembrança restituir o sagrado ao seu devido esquecimento. São 170 textos curtos divididos em 9 capítulos, que tratam desde as tantas hipóteses alegadas da nascente do rio, inclusive a de uma torneira de dentro da casa simples de uma velha senhora, até o desague em seu delta no Mar Negro; mas o que importa são as tantas impressões sobre o sanatório onde Kafka morreu, as últimas horas do criador de O Castelo, a casa da infância de Canetti, a estrada onde foi encontrado o corpo de Walser, o vislumbre de Haynd por uma janela, o café vienense o qual Marx frequentava, a prisão de panóptica invertida na qual os sentenciados se transformavam em apreciadores das óperas vistas no grande teatro municipal pelas grades das celas. Magris tem tanto da capacidade fenomenal de Borges de condensar o texto ao seu intenso núcleo significativo, aparentando narrar tudo, quanto da beleza cheia de reviravoltas surpeendentes de Conrad em descrever um rosto tal qual se descreve uma paisagem, ou os acontecimentos de um milênio. Sae-se do livro com a solidão profunda e a amplitude aflitiva do grande rio em aparentar suportar a leveza de tantos fantasmas desvanecentes e do nome que lhe imaginaram possuir.

4 comentários:

  1. Magris é um grande autor. Escreveu um ensaio maravilhoso sobre a obra de Jacobsen e,por extensão, sobre a alienação que acometeu irremediavelmente o homem moderno. É um texto curto, intitulado "As moedas da vida", mas muito profundo.

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    1. Suponho que este ensaio faça parte de "Alfabetos", que já encomendei pela LC e a cada dia abro, ansioso, minha caixa postal, esperando vê-lo.

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  2. Não saberia te dizer se faz parte de "Alfabetos", mas é prefácio das edições brasileira e italiana do romance de Jacobsen, "Niels Lyhne". Abraços, e parabéns pelas postagens.

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    1. Não é do "Alfabetos". O livro me chegou hoje. Vou atrás deste texto. Obrigado, Elis. Forte abraço.

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