Estava decidido a esperar a edição de Em Busca do Tempo Perdido da Companhia das Letras, a ser lançada esse ano, mas o período de abençoadas férias prolongadas me fez comprar o volume 1 da editora Globo. Li as primeiras 50 páginas, na elogiadíssima tradução de Mario Quintana, e de imediato vi a necessidade de me desatmosferizar das leituras de Tolstói com as quais estava ocupado desde novembro do ano passado. Como intervalo, li O Cemitério de Praga, o magnífico entretenimento em alto estilo de Umberto Eco (do qual pretendo escrever uma resenha). Proust me reativou a tecla de slow motion de profunda tensão poética da época em que eu devorava Faulkner, e o tempo de frio e chuvas intensas desse início de ano parecem justificar como um acerto eu ter esperado tanto tempo para me apresentar ao Grande Romance. O único empecilho que vejo na leitura, vem justamente da carga inamovível de consciência de tratar-se do Grande Romance, que a edição da Globo faz questão de não deixar o leitor esquecer em quase cada página do livro. Na capa, vem o anúncio de ser "uma nova edição, revista e acrescida de prefácio, resumo, notas, cronologia e posfácio", e esse encalhe de informações excessivas atende apenas à enorme vaidade acadêmica dos editores e não sei mais quem que se pendurou no nome de Proust. Deixe-me ver: ah, sim!, o culpado é um tal de Jeanne-Marie Gagnebin, que não faço a mínima ideia de quem seja, mas que enche as primeiras 50 páginas de notas de rodapé desnecessárias e, até mesmo, ridículas. Algumas desmerecem claramente a inteligência do leitor, ao explicar que a sequência de quartos descritos corresponde à sequência de quartos nos quais o narrador dormira durante a vida; ou que "o livro começa a alçar vôo com a mistura entre lembranças pessoais do narrador e uma série de frases que formulam o conteúdo comum de nossas experiências". E assim vai: além de obstruir o ritmo narrativo, o autor (ou autora, não vou ao Google) não tem o bom-senso de cogitar que quem se predispõe a ler Proust deve ter ao menos uma pequena proficiência no entendimento da leitura, ainda mais que Proust pode ser tudo, menos complicado: denso, mas longe das idiossincrasias de múltiplas interpretações de um James Joyce. Melhor seria se eu houvesse adquirido esse volume por preços módicos, sem capa e quase esfrangalhado, o que me apraz como cartão para a intimidade descompromissada com o autor. O recurso, do qual sou incapacitado, seria pular essas notas de rodapé, mas vamos em frente. Preparando um chocolate quente a voltando à viagem.
Por isso que eu raramente leio esses prefácios. Dois prefácios assim me fizeram abandonar livros importantes - edição espanhola comemorativa do Don Quixote e Ficções, de Borges. Até as orelhas podem ser perigosas. Não li tbm o que você escreveu sobre Guerra e Paz. Adoro ter surpresas, mesmo nos livros que todo mundo já conhece.
ResponderExcluirNão me diga que você vai ler o Guerra e Paz?
ResponderExcluirImagino que se você gostou do E o Vento Levou, iria adorar o Guerra e Paz. O filme da Scarllet é um dos melhores que assisti, assim como me transportei para o filme de Guerra e Paz. Mas a releitura desse último foi um prazer inenarrável, como costuma dizer um amigo meu.
ResponderExcluirJura? Fiquei mais animada agora. Guerra e Paz era um dos livros que estava na lista, sem data para começar. Quem me acompanha em outras redes sociais sabe que estou amando tanto "E o vento levou" que estou sofrendo antecipadamente à idéia do livro acabar. É um dos livros mais deliciosos que já li. Me apaixonei e me desapaixonei por Rhett Butler, agora só quero saber de salvar Tara (taranraram, taranraram, tarararaaaanran...). Vai ser difícil me desatmosferizar, como você tão bem definiu. Guerra e Paz sem dúvida também tem na biblioteca, procurarei semana que vem. ;)
ResponderExcluirPor mais do contra que você possa ser, arrisco em dizer que você adoraria Guerra e Paz. Ao ler, Tolstói deixa de ser o "monstro" para ser apenas um deslumbrante contador de histórias. Saí do livro com muita saudade, e uma dor de nostalgia que havia tempo não sentia por um livro. (vi, surpreso, que se tratava da mesma dor de deixar os livros da série vaga-lume lidos na estante, na infância.) Tudo ali fica no espírito: as neves de São Petersburgo, os palácios e os enormes jantares em Moscou, a visão do cometa em uma das mais belas páginas no final do volume 1. É uma experiência única na vida. Não tem o feminismo que imagino ter em E o Vento Levou (não o li), claro, mas os personagens são vivos de uma maneira que pouco vi em outros livros. É o tipo de livro que te dá ânsia de retornar em casa para abri-lo. E... bem, não tem como não passar a amar Tolstói depois disso. E, note o quanto Tolstói é todo ele próprio_ o que se pode ver nessa tradução_, me não adotar os maneirismos de escrita europeus, em seu calculado "desmanzelo" em quebrar as regras do beletrismo. Mas chega, já estou ficando empolgado!
ResponderExcluirFernanda, acabei de encontrar mais esse estímulo para o Guerra e Paz:
ResponderExcluirhttp://www.blogdacompanhia.com.br/2012/01/guerra-e-paz-em-areias-baianas/
Fui convidada a escrever sobre "E o vento levou" pela amiga que me recomendou o livro, então em breve colocarei por escrito tudo o que achei. Além do romance ser menos açucarado no livro - Rhett passa grande parte do tempo querendo comer Scarlett, algo que talvez o público do cinema da época não estivesse preparado para ver -, tem a vantagem de nos dar uma boa idéia da Guerra da Secessão e o nascimento da Klu Klux Klan. Some-se isso as descrições de Faulkner, a gente fica torcendo pelo Sul e pela manutenção da escravatura quando lê o livro... De Tolstoi, acho que só li Ivan Ilitch, e confesso que não me deixou saudade. Li que ele se converteu e adquiri um preconceito assumido, como se todos os livros dele fosse parar no mesmo fim ou fosse versões mais longas de Ivan Ilitch.
ResponderExcluir(Sem acentos) Eu havia comecado a ler uma edicao de capa azul escura em frangalhos. Nao sei de quem eh a traducao, mas a versao em capa dura sugeria alguma nobreza. A verdade eh que adoro um livro novo. Gosto do cheiro e aquele No Caminho de Swann fedia a mofo. Nao consegui seguir.
ResponderExcluirAi ganhei essa edicao da Globo ha uns cinco anos. Eh verdade que sao muitas as notas, e que dao uma travada na leitura, mas algumas me foram importantes. Nem me importei. Quando ele costurar toda essa lentidao em um misero paragrafo, como um tsunami improvavel em mar calmo, voce vai recitar Telo de cor: nossa, nossa, assim voce me mata.
E de chorar de tao bonito. Aproveita o livro e o frio - porque eu estou no saara.
Fabio Carvalho
Ah, o Teloh delicia do ladinho do Proust eh puro dolo meu. (F.C.)
ResponderExcluirFábio, livro novo é outra coisa, mas eu gosto muito de livros usados. Aliás, futuramente tenho que comprar o Doutor Fausto, do Mann, pois o meu se desfacela nas mãos.
ResponderExcluirJá percebi a enorme beleza de Proust. Apesar do excesso de notas, ele de imediato já atingiu aquela intimidade que o faz "só meu", como se ninguém o houvesse lido antes. (Tamanha a minha surpresa ao ver que Guerra e Paz, que me parecia só ser meu, tem várias comunidades Facebook afora de discussão!)
O Teló veio a calhar aí.
E me simpatizo com o Teló.
A Jeanne MArie é uma grande especialista em Walter BEnjamin. Ela é muito boa. Provavelmente esse prefácio cometeu aquele pecado dos acadêmicos, de achar que as pessoas fora de lá são bem estúpidas. O livro sobre WB dela é bem difícil, mas o "Lembrar, escrever , esquecer", uma coletânea de artigos, é um livro que gera muitas reflexões e, bah, resumindo: é um livro ao qual retorno sempre, e que me ajuda a jogar luz sobre muitas questões. Sempre.
ResponderExcluirEu confesso: até uns 5 anos atrás, queria ser A Jeanne-MArie quando "crescesse", hahaha.
ResponderExcluirSuzana, é só tipo meu, ao mesmo tempo que expressão de um certo enfado pelo academicismo exagerado. Bom saber de quem se trata a Jeanne, ainda mais tendo escrito sobre WB, do qual estou fascinado pela recente leitura de seu volume 1 lançado pela Brasiliense. Acho que o posfácio assinado por ela deve ser bastante instrutivo.
ResponderExcluirFinalmente lendo o Proust. Como disse, é o meu favorito. Eu, por outro lado, estou seguindo seu conselho e já comprei meu Viagem ao Fim da Noite, que só devo ler após o fim de minhas férias, quando retorno à minha caverna.
ResponderExcluirPaulo, Proust é...demais! Depreender da lembrança do gosto de um biscoito molhado no chá toda uma impressão da sublimidade da existência, e escrever isso com uma genialidade absoluta, é algo de tão grandioso que me dá uma sensação de agradecimento e privilégio por estar diante o livro. Nada do que se fala dele é exagero. Já me faltam umas 100 páginas de No Caminho de Swann, e está a caminho a segunda parte da obra.
ResponderExcluirForte abraço.
As notas de rodapé são chaves para muitos leitores novos. O que para mim pode ser dispensável, para muitos não o são. Sorte que os organizadores da Globo são profissionais competentes e sabem disso.
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