quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Eugène Atget (1857-1927)

As fotos parisienses de Atget são as precursoras da fotografia surrealista, a vanguarda do único destacamento verdadeiramente expressivo que o Surrealismo conseguiu pôr em marcha. Foi o primeiro a desinfetar a atmosfera sufocante difundida pela fotografia convencional, especializada em retratos, durante a época da decadência. Ele saneia essa atmosfera, purifica-a: começa a libertar o objeto da sua aura, nisso consistindo o mérito mais inconstestável da moderna escola fotográfica. [...] Quase sempre Atget passou ao largo das "grandes vistas e dos lugares característicos", mas não negligenciou uma grande fila de fôrmas de sapateiro, nem os pátios de Paris, onde de manhã à noite se enfileiram carrinhos de mão, nem as mesas com os pratos sujos ainda não retirados, como existem aos milhares, na mesma hora, nem no bordel da rua...nº 5, algarismo que aparece, em grande formato, em quatro diferentes locais da fachada. Mas curisosamente quase todas essas imagens são vazias. Vazia a Porte  d´Arcueil nas fortificações, vazias as escolas faustosas, vazios os pátios, vazios os terraços dos cafés, vazia, como convém, a Place du Tertre. Esses locais não são solitários, e sim privados de toda atmosfera; nessas imagens, a cidade foi esvaziada, como uma casa que ainda não encontrou moradores. Nessas obras, a fotografia surrealista prepara uma saudável alienação do homem com relação a seu mundo ambiente. Ela liberta para o olhar politicamente educado o espaço em que toda intimidade cede lugar à iluminação dos pormenores. (Walter Benjamin, Pequena História da Fotografia, Magia e Técnica, Arte e Política, editora brasiliense, pp. 100, 101 e 102)






2 comentários:

  1. Uma das primeiras películas dos irmãos Lumiére enquadrou a saída de operários de uma fábrica. A tradição inconformista (belo paradoxo) da fotografia (antes) e do cinema (depois) vem de longe; apesar disso, são hegemônicos, até hoje, os retratos de famílias burguesas ou nem tanto (que, porém, posam para as fotos como se fossem burguesas), e hoje a arte fotográfica é refém do excesso imagético que a tecnologia e o comércio impõe como item se sobreviv~encia ao ser humano - se você não foi fotagrafado, não viveu; se não fotografou o que viu, na verdade não viu nada. Na civilização documental, o mundo dos sonhos mal e mal sobrevive na arte.

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  2. Para mim, uma das experiências mais maravilhosas é olhar para fotografias da segunda metade do século XIX (até a Primeira Guerra). Eu estudo essa gente. Esses lugares. Não sei se passa o mesmo com outros historiadores, mas a torrente de modelos analíticos, ideias, paralelos, escolhas narrativas, tudo isso acaba fazendo com que eu construa imagens muito esquemáticas daquela gente. Paradoxalmente, desumaniza. Isso me esbofeteia a cara quando olho para as figuras, os olhares, o corpo das pessoas nessas fotos. Principalmente as menos posadas. É uma experiência de estanhamento e de reencontro. Eu me assombro.

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