segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Homo ridens


Por natureza e por pressão das circunstâncias sempre fui um cara muito bem humorado. Minha esposa diz que eu excedo, muitas vezes. Gosta de contar às amigas fatos isolados que dão um nó na cabeça das coitadas para imaginar alguma graça por detrás da minha aparência temível. Seu preferido foi um dia que fomos comemorar nossa data de casamento em um restaurante italiano, em que comprei um vinho do porto e entrei na frente dela, que levava a garrafa, e fui direto ao garçom perguntar: essa moça pode entrar com essa garrafa? Na juventude passava horas inventando piadas de gago para antecipar-me aos colegas. O humor como sobrevivência. Quando trabalhava num cartório me impus um dia do começo ao fim de estóico humor para aguentar o tédio, e na primeira hora, quando caminhava para o trabalho todo fornido sob a pressão de me manter leve, um bezerro que estava na gaiola de uma caminhoneta estacionada (que desde a esquina distante vinha me encarando em desafio) me taca uma bostada na cara assim que passo por ele. Havia um sem número de pessoas sentadas em frente à casa, e todos caíram na gargalhada. Eu, com o firme propósito na cabeça, fiz que nem foi comigo, a bosta verde lustrosa e de uma beleza surrealista escorrendo pelo meu pescoço até a camisa. Entrei no cartório, cumprimentei os colegas, me juntei ao grupinho do café dividindo as impressões do fim de semana, todos boquiabertos e se entreolhando espantados sem dizer nada, e eu rindo e sendo o mais cordial possível, com aquela excrescência secando na cara. O humor sempre me pareceu assim, uma região solitária, onde você assume a coragem de se revelar por inteiro sem medo: você não quer competir porque observa tudo de uma altura que dá a devida medida ridícula das coisas.

11 comentários:

  1. hauhauhauha ótimo

    tbm sou assim, embora menos "corajoso". meio imaturo, certamente, daqui a pouco tou me cagando totalmente pro fato de q, no meu círculo, poucos entendem" esse humor. não é bem a questão do "ser aceito", mas como seria bom mesmo conviver num ambiente bem humorado, ou melhor humorado.

    e agora tu usou a palavra "competir" e lembrei vagamente [minhas lembranças são assim, vagas] de ter lido nos teus primeiros posts no milton, a mesma palavra, no mesmo contexto, com o q me identifiquei. o humor faz unir as pessoas. pelo menos as bem humoradas.

    arbo

    ResponderExcluir
  2. Cara, eu só tive que me ater um pouquinho mais na preservação da minha "imagem social" depois do casamento. Eu sempre não estava nem aí para a opinião alheia. Tenho uma amiga que me confessou que metade da cidade jurava que eu estocava fardos de maconha em casa. Eu andava pelas ruas brincando em simular uma cara "abstrata", olhos vagarosos, rindo por dentro. Se soubessem que a única vez que experimentei a cannabis, há vinte anos, me deu uma diarréia violenta e traumática...

    ResponderExcluir
  3. Mulheres geralmente não são tão bem humoradas e acredito que exista uma boa razão sociológica por detrás: para nós a imagem é sempre um problema. Qualquer insinuação pode rapidamente se transformar em verdade, o que faz com que poucas mulheres se arrisquem a que formem um mau juízo de si mesmas. Queria escrever um texto sobre o assunto, mas minha reflexão chega apenas até aí.

    Quando muito mais tímida do que agora, eu era do tipo que soltava observações engraçadas de maneira casual, e as poucas pessoas que ouviam caiam na risada. Elas diziam que era sacanagem, porque eu dizia as besteiras e na hora de ser repreendida era a única que conseguia me manter séria.

    ResponderExcluir
  4. Interessante, Charlles, que seu humor pessoal, para uso diário, chegue bem rarefeito na maioria de seus textos, além do que seus gostos literários mais expressos tendem mais para a tragédia do que para a comédia. Não me lembro de ter lido um texto seu primordialmente divertido; há humor, mas subliminar, e um tanto azedo. Curiosamente, isso acontece também um pouco com o Marcos, que pessoalmente é um bobo, enquanto seus textos tendem mais para o sarcasmo e o deboche, que tem registros cômicos bem diferentes.

    ResponderExcluir
  5. Essa sua observação daria uma monografia. O humor puro, arejado, bonachão, não tem peso na literatura. Estou aqui a pensar em algum autor primordialmente engraçado, e só me recordo de um livrinho muito divertido que tenho aqui do Groucho Marx (um que ele começa com a epígrafe de que escreveu o livro enquanto esperava a mulher se aprontar para saírem, e que, se ela não tivesse se aprontado, não teria escrito o livro). Mas Groucho era humorista da tela e não escritor. O escritor mais engraçado que conheço é o Chécov, mas quantas horas de dor e sofrimento foram necessárias para cada risinho preso que ele nos oferece? Os russos eram bons nisso: quanta crítica ácida, certeira, se esconde por detrás das maravilhas de Gógol, desde o Nariz, até O Inspetor Geral e Almas Mortas? O humor na verdade é a instância máxima, equilibrada mas não conformada, da indignação.

    ResponderExcluir
  6. Caminhante, minha esposa tem um senso de humor incrível. Uma vez em que ela estava viajando, eu brinquei com ela pelo telefone dizendo que estava fazendo tanto calor que o Miles e eu estávamos pelados sentados na área da casa, e ela me respondeu brava: "pois trate de entrar para o quarto e vestir uma cueca no Miles". Mas afora esses insights, ela dura e organizada, e não adimite conversa fiada da minha parte.

    ResponderExcluir
  7. huahuahauh já tive a mesma fama de maconheiro, em alguns círculos, acho q hj não ocorre mais. tenho um problema de seborréia q volta e meia acomete a região dos meus olhos, daí q eles ficavam vermelhos. bastou para a fofocagem em meu trabalho. só q, no meu caso, nunca houve nem a experimentação...

    arbo

    ResponderExcluir
  8. Charlles,

    O humor é poderoso. É uma coisa que não sei fazer. Mas, também, é uma das qualidades que mais aprecio no ser humano. Eu adoro rir. Rio até de mim mesmo. Ontem mesmo, eu fui à faculdade com uma angústia de sentimento de perda porque minha última tia materna adoeceu. Eu estava acompanhando a apresentação de umas oficinas e, numa delas, o texto trabalhado era de autoria de Arnaldo Jabor, algo sobre os perfis dos msn's. Distribuídos aos alunos, eu comecei a ler. E a rir. Praticamente chorei de tanto rir.

    ResponderExcluir
  9. Arbo, querido, de coração, quero te dar um conselho muito sincero: não abandone as maiúsculas. As bichinhas e nossos olhos não merecem. Só leio o que você escreve depois de ler o teu nome embaixo, porque antes penso - "Ih, lá vem um desses paraquedistas que nem sabem escrever direito". É que ver as letras todas do mesmo tamanho já me faz pensar que estará tudo em miguxês.

    ResponderExcluir
  10. Caminhante,

    Talvez o "arbo" tenha sido influenciado pelo "valter hugo mãe", que também não sua as maiúsculas, nem em seu nome, nem na literatura, talvez por achar que não pode haver diferenciação hierárquica entre as letras... Escritores às vezes são esquisitões. Acabo de ler Tudo o Que Tenho Levo Comigo, de Herta Müller, recentemente vencedora do Nobel. Não há, no livro, interrogações. Mas há perguntas. Talvez ela tenha extraídos os sinais para exemplificar o estado da Romênia de então, onde as duvidas estavam fora do catálogo. Seria mesmo necessário fazer isso (?)

    ResponderExcluir