Desde quando eu era um simples caipira que não sabia ligar o computador na tomada eu já tinha a presciência de que essa mídia ardilosa dos blogs tem algumas regrinhas de aproveitamento que devem ser rigorosamente seguidas. Agora que eu não só já sei apertar o botãozinho do conversor de energia (que na certa não tem esse nome lúdico) antes de ligar o micro, como também o suficiente para cometer (aiaiai!, lamenta meus princípios) um blog próprio com meu nome, essas regrinhas se firmaram em uma única descoberta fundamental: um blog perde a seja lá qual for sua função pretendida de ferramenta literária, informativa ou simplesmente masturbatória de relativa qualidade quando é invadida por um número excessivo de frequentadores. Ou seja: quanto mais sucesso tiver um blog, mais ele esculhamba irresistivelmente para a boçalidade, mais o blogueiro, um ser até então indefeso e meramente participativo em alguns assuntos de interesses comuns a certos grupos distintos, sucumbe a botar para fora o seu lado Mick Jagger de rebolar diante as câmeras ou, numa comparação específica, diante o cronômetro do seu Google Analytics em franca rotação. Em outras palavras ainda, não estou dizendo nada além do já trivial e alegremente aceito chavão da direita contrária aos prazeres da virtuália desvairada: "a internet emburrece".
Somando-se a essa verdade estupenda que generosamente divido com meus leitores (olhem só que sintomático: não tenho realmente nenhum leitor além de uma turma esporádica de frequentadores que só lêem os cabeçalhos a título de piedosa consideração e logo partem para o cumprimento de seus zelos cotidianos; mas, se, inesperadamente e contra toda a lógica, essas portas aqui fossem arrombadas por dezenas ou centenas de leitores, minha tão acintosa modéstia e brio espiritual ficariam provocados a tentar dar aquele jogo da perna direita por sobre a perna esquerda, com um biquinho de velho safado apontando sequioso para a platéia que o líder dos Stones é prodígio em fazer, e tudo estaria perdido), como ia dizendo, (releiam a primeira frase antes da digressão engraçadinha, p. favor), a proliferação da burrice pela net faz com que qualquer intenção genuína por parte do blogueiro se contamine. Vou explicar. Se eu tive a intenção de escrever algumas resenhas literárias aqui, e alguma ou outra gracinha sobre peculiaridades sobre minha vida, a imersão da burrice internáuitica portas a dentro me impulsionaria a querer ir além numa velocidade estonteante. Se eu tenho agum talento para explicitar uma compreensão um pouco original sobre 2666, p. ex., e cem pessoas aparecem do nada como uma turma de assombrações em volta da cama de um médium recém revelado no mostrador de frequência de meu blog, a tendência é eu passar a me achar um Harold Bloom ou um Edmund Wilson das letras, ou, num grau mais doméstico, um Carpeaux ou uma Isabela Boscov. A internet tem disso, mas não é a primeira. Como todo mundo sabe, o cinema fazia as pessoas vazarem das salas achando que a locomotiva da tela lhes passaria por cima, o rádio fez a pobre Sra. Curie reavaliar drasticamente a natureza letal da luminescência que afluía de seu corpo quando se preparava para dormir à noite, e eu já vi um chefe distraído ordenar que as peças para o conserto do carro institucional fossem enviados por e-mail.
O sucesso do blog tem como primeiro sinal o repúdio arrogante contra as outras formas mais longevamente consolidadas de mídia. Quando o blogueiro está contaminado, o passo lógico da doença é falar mal dos jornais e revistas. A Folha é uma merda. O Estadão é uma merda. A Veja é uma merda. O informativo comercial distribuído nos sinaleiros, apesar da promoção da câmera Sony pela metade do preço, porra, é uma merda. Não entro no mérito da qualidade dessas revistas e quero logo sair desse parágrafo porque tô com sono. A merdologia é o que interessa, essa vocação fantástica a dar força às reticências com um descongestionante e aráutico escatologismo. Todo mundo sabe o quanto desobstrui as vias respiratórias da alma quando apomos um "merda" como argumento definitivo e alvissareiro para encerrar o discurso. Nada pode sobreviver diante ao impacto acachapante de um "merda" bem dito em um blog.
Então, para concluir essa divagação madrugadina, decidi que de amanhã em diante, quando na minha costumeira insônia, não vou mais ligar o computador. Hoje refiz minha via sacra pelos blogs em que pesco algo aqui e ali, e me deparei com o segunte comentário: "Cortázar é um autor para adolescentes". O distinto blogueiro tem o direito de pensar o que quiser e exprimí-lo com a mesma capacidade inconsequente, mas o ar com que o fez é que me deixou puto. Em seu universo patológico, outro sintoma mais perfunctório pode ser apreendido: a noção de que ele divide um patamar de importância de formador de opinião com um outro blogueiro, pelas características valiosas de serem do mesmo partido político e terem diplomas de faculdades estrangeiras. Deve-se abrir um parêntese de justiça quanto a esses dois detalhes: serem professores já traz a frequência quase compulsória de alunos com propósitos acadêmicos suficientes para escreverem os habituais comentários "que texto genial nobre professor", e os afiliados partidários aparecem com aquela espécie normal de complementação ao já muito propalado. Daí que ele dizer que Cortázar é um autor adolescente, acrescentado o pejorativismo inerente à afirmação, é algo que passa quase despercebido, algo como alguém falar numa partida de futebol que a Conjectura de Poincaré já foi resolvida com mérito.
Esse blogueiro cometeu dois outros sinais patológicos da síndrome do Jagger. O primeiro foi se atribuir a originalidade de ter sido o primeiro a divulgar esse truísmo pela net, o de que Cortázar etc. A questão é que tal falácia é um plágio de algo literalmente semelhante dito por Nabokov em relação a Hemingway. O segundo sintoma foi ter ido levianamente na contramão de uma racionalização eficaz apenas para dar uma de sabe-tudo erudito, que pode se cansar de um autor que é um dos alicerces de admiração e respeito de nomes que não fingem ser no campo literário, mas o são, como Bolaño, Garcia Márquez, H. Bloom, entre outros díspares mas não menos importantes como Tarantino, que teem Cortázar na medida de valor que o argentino representa.
Agora vou dormir. Cortázar não precisa de minha defesa. Lembro do que Cortázar disse sobre a Mafalda: "Não importa o que eu penso dela, mas o que ela pensa de mim." Isso já possibilitaria um prognóstico favorável a quem desejasse se curar da burrice da net.
Agora vou dormir. Cortázar não precisa de minha defesa. Lembro do que Cortázar disse sobre a Mafalda: "Não importa o que eu penso dela, mas o que ela pensa de mim." Isso já possibilitaria um prognóstico favorável a quem desejasse se curar da burrice da net.
Pior que eu comecei a ler o "Papéis Inesperados" do Cortázar a alguns dias. Quanto a questão midiática, eu acho que todas elas tem seus defeitos e talvez o blog realmente dê mais espaço para o egocentrismo por ser em geral focado nos autores, enquanto nas revistas, elas mesmas são as grande estrelas e não os autores de seus textos( com exceção daqueles que possuem coluna própria).
ResponderExcluirJustamente por isso acabo indo na contramão e gosto dos blogs pessoais. Basta ler um pouco sobre o assunto pra saber que blogs pessoais são coisas antigas, que surgiram com o início do formato e que atualmente eles se diversificaram, especializaram, servem para coisas tão mais nobres. Mas eu prefiro muito mais um assumido achismo, uma descrição desprentensiosa do cotidiano do que esse tipo de "análise".
ResponderExcluirCansei, há muitos anos, de ser intelectual. Essas coisas me irritam profundamente. Acho que já li uma quantidade suficiente de coisas pra me dar ao luxo de não ter que provar o que sou a todo tempo, nos meus hobbies.
O distinto blogueiro deveria sugerir a publicação das obras completas do Cortázar na vaga-lume.
ResponderExcluirTeria muito que responder a vcs, mas estou muitissimo ocupado. Desculpem...
ResponderExcluirLeonardo, esse do Cortazar estou por ler. Dizem ser muito bom.
Caminhante, como se pode conhecer alguem assim pela net a ponto de saber antecipado o que ela pensa.
Luiz, disse tudo cara. Um professor de literatura latino-americana colocando o Cortazar nesse patamar.
Oi gostei do seu blog, visite o meu de textos pessoais.Abraço.
ResponderExcluirComo alguém que diz uma bobagem dessas pode ser professor?
ResponderExcluirCortazár deve estar dando boas risadas disso, lá no céu dele.
Beto, para voce ver, nenhum especialista, academico ou leitor atento dos EUA diz uma coisa assim de escritores norte-americanos. Nunca ouvi dizerem que Kurt Vonnegut é um autor para adolescentes, e olha que nos livros dele há até figurinhas; o Kurt V., assim como Ray Bradbury, Paul Auster etc., podem mesmo serem criticados _ o que, do meu conhecimento, não o são _, mas não diminuídos dessa forma. O Cortazar é respeitado em todo o mundo, há documentarios sobre ele (assisti um belíssimo, que INFELIZMENTE, não recordo o nome, em que a camera acompanha o autor por Paris e Buenos Aires), cineastas admitem a influencia de sua obra e, para calar qualquer absurdo de professores obtusos, Borges o tinha como grande escritor.
ResponderExcluirVamos por partes, meu caro Charlles: blogues são vitrines de ima grande vitrine que é a web. Dessa forma, é preciso exibir-se, mesmo que de forma irresponsável como a do tal "professor". É natural que todos sejam capazes de se mostrar enquanto opinião, mas fazer uma afirmação como a desse indivíduo parece-me imbecil demais. Ao contrário do que Beto disse, Cortázar não está rindo (lá no céu dele). Certamente ignorou-o como fez com Roland Barthes quando este resolveu afirmar que "Octaedro" era um livro ilegível. E olhe que era Roland Barthes!!!
ResponderExcluirVonnegut é um grande autor e relacionou-se perfeitamente com adolescentes. "Welcome to the Monkey House", sua única verdadeira coletânea de contos, foi adotada durante 10 anos por high schools norte-americanas, durante os anos 60 e 70. Eu mesmo o conheci assim, quando intercambista. "Slaughterhouse 5", junto com o clássico de Salinger, "The Catcher...", tornou-se best-seller entre os estudantes de 17 anos.
À parte o desabafo irônico-metalinguístico, ainda mantenho blogue por vaidade e por diversão. Não sei qual vem primeiro.
Grande abraço
Grijó
Grijó, meu amigo, é claro que é vaidade. escrevi esse post de madrugada, e talvez tenha sido inconsequente um pouco. a mídia dos blogs me deixa com sérias dúvidas, e fascinado. não sei qual a real categoria de instrumento literário os blogs se enquadrarão no futuro. só não curto muito esse esnobismo de muitos blogueiros em querer se passar como os substitutos aos jornalistas, os detentores da liberdade genuína de falarem a verdade. sempre levei a sério a imprensa _ os profissionais _. e, mais ainda, a literatura e a crítica literária. um jornalista que se preze tem mais recursos e tempo para investigar e escrever do que a maioria dos blogueiros, e tiveram uma formação direcionada para isso. mas é um barato poder escrever, nós ainda amadores, em um espaço pessoal que, quiçá daqui uns anos, alcançe mesmo uma relevância que, por agora, só podemos intuir.
ResponderExcluirMas suas visitas aqui são sempre muitíssimo gratificante. abraço.
Cheguei aqui justamente por causa da caixa de comentários desse outro blog.Acompanho o professorem questão há muitos anos e estou sentindo falta da elegância de outrora
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