sábado, 4 de setembro de 2010

Homo ridens

Por natureza e por pressão das circunstâncias sempre fui um cara muito bem humorado. Minha esposa diz que eu excedo, muitas vezes. Gosta de contar às amigas fatos isolados que dá um nó na cabeça das coitadas para imaginar alguma graça por detrás da minha aparência temível. Seu preferido foi um dia que fomos comemorar nossa data de casamento em um restaurante italiano, em que comprei um vinho do porto e entrei na frente dela, que levava a garrafa, e fui direto ao garçom perguntar: essa moça pode entrar com essa garrafa? Na juventude passava horas inventando piadas de gago para antecipar-me aos colegas. O humor como sobrevivência. Quando trabalhava num cartório me impus um dia do começo ao fim de estóico humor para aguentar o tédio, e na primeira hora, quando caminhava para o trabalho todo fornido sob a pressão de me manter leve, um bezerro que estava na gaiola de uma caminhoneta estacionada (que desde a esquina distante vinha me encarando em desafio) me taca uma bostada na cara assim que passo por ele. Havia um sem número de pessoas sentadas em frente à casa, e todos caíram na gargalhada. Eu, com o firme propósito na cabeça, fiz que nem foi comigo, a bosta verde lustrosa e de uma beleza surrealista escorrendo pelo meu pescoço até a camisa. Entrei no cartório, cumprimentei os colegas, me juntei ao grupinho do café dividindo as impressões do fim de semana, todos boquiabertos e se entreolhando espantados sem dizer nada, e eu rindo e sendo o mais cordial possível, com aquela excrescência secando na cara. O humor sempre me pareceu assim, uma região solitária, onde você assume a coragem de se revelar por inteiro sem medo: você não quer competir porque observa tudo de uma altura que dá a devida medida ridícula das coisas.
                   
 

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