quinta-feira, 9 de maio de 2013

A morte do pai, de Karl Ove Knausgard



Algumas coisas me deixam entusiasmado no capítulo publicado para degustação do livro do escritor norueguês Knausgard, na edição desse mês da revista Piauí. É uma peça literária de força, bela, dura, sincera, delicada. O que mais me entusiasma é a contramão vitoriosa de Knausgard estabelecido desde essa primeira de cinco partes volumosas de sua obra. É um desses eventos que deixam todo decadentista do papel do romance nos tempos atuais com uma trave na língua. Knausgard faz sucesso, é muito lido, detêm prêmios importantes, não por fazer parte da corrente de escritores nórdicos de literatura policial que se afileira nas listas de best-sellers, mas por, incrivelmente, trilhar os passos da memorialística idiossincrática e recolhida de Proust. Isso, num vislumbre superficial, é um milagre, num vislumbre médio, é motivo de orgulho diante um inesperado indício de um público exorbitado da boçalidade da cada vez mais imperiosa indústria do entretenimento fácil. Numa análise mais detida, a possibilidade da existência de um escritor como Knausgârd é, em oposição ao sentido da afirmação anterior, uma notação lógica de mercado. Poucos sabem que Proust é um dos escritores mais vendidos do século XX.

Após terminar a leitura desse capítulo disponibilizado pela Piauí, hoje de manhã, corri para a internet para ver a quantas andam a possibilidade de já adquirir o A Morte do Pai, a primeira parte do ciclo de romance memorialístico inevitavelmente proustiano de Knausgard intitulado Minha Luta. Ainda não foi publicado pela Cia das Letras, apesar de já estar no site da editora e como pré-venda na Livraria Cultura. Tem mais de 500 páginas, esse primeiro livro. O capítulo lido fala de maneira tocante sobre a fisiologia inescapável da morte e se ampara por completo nas trivialidades da vida caseira do autor, que está casado pela segunda vez e tem três filhos pequenos. Pode ser que eu esteja enganado, mas a escrita do norueguês me acionou a percepção imediata de que se trata de um escritor notável. Ele junta uma descrição sobre um quadro da velhice de Rembrandt com quase o mesmo grau de sublimidade esotérica que Benjamin imprime em seu texto sobre o desenho do anjo da história_ um pouco mais na leitura da obra por inteiro e o encontraria com a linha na precisão certa de seu barômetro de concentração interior. Para nós daqui é difícil não estranhar os desmazelos da boa vida social da Noruega, que torna possível que um escritor viva de seus cheques esporádicos de direitos autorais e reviva a crença na literatura com a mesma convicção dos tempos de um jovem Bellow, mas a prosa filosófica de Knausgard transcende e identifica a mesma procura, o mesmo sequiosismo de significado, o mesmo vazio retumbante e irracionalmente intuitivo que acomete alguém com o direcionamento espiritual ensombrecido de qualquer lugar do globo. Na descrição da felicidade que seus filhos lhe causam, mesmo com os gritos e a selvageria da infância, ele diz que seria perfeito se o que procurasse fosse a felicidade: e revela que a contemplação do quadro de Rembrandt lhe provoca mais satisfações no que instiga do que a presença dos filhos. E nisso, ele conclui, ele já tem 40 anos, logo 50, logo 60 e 70, e depois acabou. Enquanto lia seu relato sobre as crises de ânsia de sua filha de dois anos, de como ele precisa pegá-la nos braços e a sacudir com força para conseguir chegar até o mais profundo dela, a tirar do quadro de similaridades com uma possessão e reativar o controle paterno sobre ela, não pude deixar de pensar as consequências futuras de sua história familiar, como sua filha vai ler depois da morte do pai.

Espero que não me engane. Literatura de primeira e com um salutar e revelador anacronismo.

5 comentários:

  1. PALAVRARIA
    by Ramiro Conceição
    .
    .
    Papai, é hora de partir…
    Então vá, filhinho meu,
    é a sua primeira viagem;
    por favor, volte.

    Papai, é hora de partir…
    Então vá, menino meu,
    é a sua segunda viagem;
    por favor, volte.

    Pai, é hora de partir…
    Então vá… filho… Seu.
    É a sua terceira viagem;
    se possível… Volte!

    Papai… Pa… Pai!
    (……………………).


    NA COVA DA ALMA
    by Ramiro Conceição
    .
    .
    (Nos pingos do sonho,
    uma criatura estranha
    insiste em visitar-me).

    “Filho, acorda… Sou eu!”
    “Pai, você tá aí? Tô chegando.”

    (Começo… a desabotoar
    a crença, a cova da alma).

    “Anda logo! Anda logo!
    Estou sob a transitória saída.”

    “Tô chegando! Tô chegando!
    Estou sobre a entrada da vida.”

    (É, dentre os mortos
    os vivos clamam…).

    TRÊS ANOS
    by Ramiro Conceição
    .
    .
    Quando o meu filho me leva,
    me levanta em seus ombros
    de três anos, creio em Deus.


    ResponderExcluir
  2. Oi, Charlles, Fiquei muito impressionada com a sua resenha, principalmente a parte sobre o quadro do Rembrandt, no livro. Coloquei o na lista e vai ser minha próxima compra de ficção. Ah, tem várias matérias interessantes na internet sobre esse escritor, que era um total desconhecido para mim até agora,como essa p.e., http://www.guardian.co.uk/lifeandstyle/2012/mar/09/karl-ove-knausgaard-memoir-family. Obrigada pela dica, seu blog é muito bom para se saber o que de bom (de verdade) está sendo feito por aí!
    Abraço,

    Suzana

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Suzana, do que porventura cabe a mim,
      lhe desejo isso… sobre o SEU amor:


      ELÍPTICO
      by Ramiro Conceição
      .
      .
      Que instante é esse
      onde um maduro olhar de amor
      alumia… por inteiro, o escuro?

      Com matemática e fantasia,
      estou a aprender uma astronomia
      que explica o porquê que, elíptico,
      o meu olhar gira em torno do seu.

      Então me beija, amor, enquanto é
      tempo dos efêmeros crisântemos
      pois depois tudo é incerto, longo
      e lento.

      Excluir
    2. Suzana, obrigado pelo comentário e pelo link. Dê uma conferida no texto da Piauí, que é excelente.

      Abraços.

      Excluir
  3. Confesso que vi na lista de próximos lançamentos Companhia e pensei que era mais um romance policial nórdico, desses divertidos, mas dispensáveis. O trechinho disponível no site da Piauí e a reportagem que Suzana passou me deixaram curiosos. Fiquei doido pra ler. Assim como O Ruído das Coisas ao Cair, do qual não sei nada, mas tem o título, a capa, e trecho em PDF, tudo bonito demais, pra deixar a curiosidade passar tranquila.

    http://www.objetiva.com.br/livro_ficha.php?id=1209

    ResponderExcluir