terça-feira, 7 de maio de 2013

Um ato de extrema coragem


A verdade é que quando acontecem essas raras ações libertadoras há um nó complexo de motivos por detrás. Não há como elencar apenas um e dizer: "fiz isso porque fulano de tal me visitou aquela tarde e eu vi o quanto seguir a vida por suas normas cotidianas é algo insuportavelmente pesado para o espírito". Ou afirmar categoricamente que tudo não passou de um lapso neurológico que mais tarde poderá ser explicado no ultra-som definitivo como um dos sinais da degeneração final, da demência. Fulano de tal, um grande amigo de épocas passadas, realmente me visitou há duas semanas, na companhia de sua jovem esposa doente e da filhinha de colo que estava abaixo do peso. Ele realmente se sentou comigo em uma cadeira de fio na garagem e os anos nos pesaram de forma constrangedora, até um ponto em que o riso forçado diante a relembrança de antigos planos acabou de súbito, deixando um ralo vestígio de silêncio, e ele se virou para mim e gesticulou com a cabeça mencionando a sua mulher, que estava na sala com minha esposa, e disse: "só vive doente, ... cheia de doenças!". E sua filhinha de colo me olhando de entre os braços grossos do pai com incríveis olhos anêmicos cheios da lucidez premonitória da primeira infância, quase rindo se sua posição oracular de remeter-se a uma camada supraciente de percepção não a obrigasse a uma seriedade límpida, a ser lembrado por mim por vários anos. 

A esposa desse amigo é uma das entidades da minha vida. Na vida a gente conhece poucas entidades no meio de um batalhão, de uma miríade de personalidades comezinhas e sem graça. Ela é uma das duas ou três entidades com voz, espírito, paciência e reflexão que conheci, e vai ver por não conseguir suportar isso é que me distanciei dela. Dessas pessoas superiores que são admiravelmente indefesas. Nesse dia em que nos reencontramos, ela saiu para a garagem e disse que seu sonho era voltar a morar aqui nessa cidade. Morar na capital a deprimia de maneira nefasta. Estar longe de sua mãe, de seu pai, de seus antigos amigos. Mas seu esposo, policial civil, não podia pedir transferência para cá porque aqui não existe UTI. Ela tem um problema genético gravíssimo de arritmia, e só nesses últimos meses precisou ser internada seis vezes às pressas na UTI. Três dessas vezes usaram um desfibrilador nela. Ela fala essas coisas com tanta leveza, com uma simpatia distanciada, que acentua, no meio da minha gigantesca distração em olhar os carros passando sem conseguir sequer avizinhar-me de uma solução, sua constituição extra-corpórea. Como se ela se observasse movimentando com o peso de seu corpo de uma altura segura. Daí ela volta para dentro da casa, chamada por minha esposa para tomar um suco de melancia, e seu esposo, meu grande amigo das antigas, me olha com um olhar do qual não gosto nem um pouco, faz um gesto depreciativo com a boca, e me diz mais uma vez: "cheia de doenças! Não sei o que vou fazer. Está com gordura no fígado e o médico ordenou que emagreça dez quilos, mas ontem mesmo ela comeu churrasco me dizendo para deixá-la ser feliz".

Fomos grandes amigos, ele e eu. Uma vez me flagrara ouvindo Kind of Blue em meu carro, numa noite em que eu sentei na praça de um boteco e coloquei o som baixinho só para mim, a porta aberta, tomando um vinho. No outro dia apareceu em minha casa me convidando para sair. Não me conhecia, estava tão absolutamente sozinho nesse povoado de costumes aborígenes celerados que precisava de alguém com quem se identificasse urgentemente, senão ficaria louco. Eu era solteiro e senti um tédio descomunal para começar aquela nova amizade, mas me reconheci naquele apelo honesto, corajoso. Desde então, por uns dois anos, vivemos nosso on the road particular e geograficamente restringido. Ele tinha tanta energia e tanta carência de se mostrar um cara inteligente, descolado, carregado de juventude, que acabava sendo mesmo fascinante. Não parava de conversar, de ter planos artísticos; levantava-se para gesticular algum prosseguimento de seus sonhos visionários. Passava por um divórcio em que as pessoas culpavam-no de ser um tirano. Vizinhos alegavam ouvir-lhe gritando e espancando a mulher. Todos tinham muito medo dele. Uma vez, quando voltávamos de um bar, numa tarde de domingo, ele puxa o freio de mão e quando eu tenho tempo de me situar, o vejo do lado de fora, apontando sua pistola .40 para seis rapazes ajoelhados com as mãos na cabeça. Ele trabalhara três anos no entorno de Brasília e esse assunto era a única coisa do qual ele jamais falava. Uma vez insinuou, quando estávamos muito bêbados, ouvindo Ten Years After no alpendre de um casa de frente a um lago onde eu morava, que havia matado duas pessoas quando trabalhava lá. Gente que não faria falta alguma para a humanidade. Mas foi só e eu nunca quis saber. Em uma madrugada, o telefone toca e é sua ex-esposa, que eu nunca vira e nem adivinhava como conseguira meu número, e que me toma uma longa hora contando coisas abomináveis, entre lágrimas. Uma voz bonita, altamente estética e auto-consciente disso.

Nessa mesma casa do lago, ele cismou com um vizinho que não lhe teria cumprimentado por preconceito racial, e de madrugada saiu da mesa onde conversávamos alegremente, abriu o portão, me disse "veja só", foi até a casa do desafeto imaginário, desceu a barguilha e mijou na porta de entrada. Foi a única vez que perdi a paciência. Quando voltou, eu apontei para sua cara e disse que se o vizinho tinha achado mesmo que ele era um negro sub-humano sujo, ele acabava de confirmar isso. Ele ficou deitado na sala com um sorriso infantil de vergonha mas dava para ver que estava mortalmente constrangido. Durante a noite ele roncava quase ao ponto de fazer tremer as paredes, e soltava peidos fantásticos que me fizeram levar meu colchão para o alpendre. Soltava um peido descomunal e me parecia que ria com um riso melífluo de alguém que fingia dormir, só para me dar a resposta compensatória por ter ficado bravo com ele.

Uma vez entraram na minha casa, arrombando a porta, e levaram um celular e uma pasta de cds. Ele me presenteou com um 38 prateado, cano longo, muito bonito. A arma atraía meu olhar e não o soltava a cada vez que eu a via. Passamos um fim de semana pelos campos atirando em alvos de latas de cerveja e troncos de árvores. Levamos nosso amigo Galheb para caçarmos carneiros. Enquanto Galheb ficava no alto do morro certificando-se de que não havia nenhuma alma viva por perto, e eu me preparava para chegar com o carro e abrir rapidamente o porta-malas, ele mirava com sua .40 o grupo de carneiros no plano do morro e atirava entre os olhos de um deles. Colocamos o animal morto no porta-malas, todos muito apressados e afobados, e o levamos para sangrar para debaixo de uma ponte. Galheb disse: "Isso é que é bando de ladrões preparados: levamos até um veterinário para fiscalizar a qualidade da carne". Galheb usou toda sua arte culinária preparando por uma semana a carne de carneiro, e a comemos em um sábado memorável em que nada tirava de nossos cabeças a silenciosa e delicada certeza telepática de que éramos três irmãos.

Eu nunca duvidei dele. Sua ex-esposa era cocainômana. Casara-se de novo com um traficante que meses depois fora preso. Ele, ao conhecer minha amiga, me disse estar apaixonado por ela. Eu os apresentei e a reação inusitada dela foi a mesma. Seis meses depois se casaram. Uma noite, para comemorarmos, cada um dos casais levou um vinho do Porto para nosso barzinho preferido, o local onde eu e ele nos conhecemos. Coloquei Kind of Blue no toca cd e sentamo-nos debaixo das palmeiras que não eram centenárias mas era como se o fossem, com suas folhas canoras e o vento atonal por entre elas. Os dois estavam tão resplandecentemente felizes que mal tocaram nas garrafas. Eu tomei os vinhos praticamente sozinhos, e me deixei contagiar com a marca registrada da energia dele. Cada história que eu contava eu titerizava figuras imaginárias com os gestos complementares das mãos. Quando fui levá-los em meu carro para sua casa, ele soltava peidos festivos que incendiavam o carro e faziam com que eu, minha esposa e minha amiga procurassem ar pelas janelas. Eu dirigia devagar por estar iluminado além da conta pelos Porto e ele soltava peidos prodigiosos que pareciam nunca ter fim. Deixei-os em casa e minha amiga, com sua voz valvar doce, sua plenitude da presença, me olhou com os olhos que não parou de ter de uma foto em preto em branco em que aparece aos dois anos de idade, de frauda, ao lado do pai, morrendo de rir com uma mangueira jorrando água, e me agradeceu. Minha esposa sabe que eu amo essa amiga e nunca teve o mínimo ciúmes depois que a conheceu. Fomos embora para nossa casa comentando o controle sobrenatural esfincterológico de meu amigo, e, intimamente, eu o invejava por isso, uma estranha e ridícula inveja. Eu era muito sistemático com esses despudores escatológicos. Eu nunca peidara perto de nenhuma namorada; aliás, nunca peidara perto de pessoa alguma, e se isso tivesse acontecido eu seria capaz de morrer. Uma vez eu obriguei a uma namorada a sair da minha casa e me esperar do lado de fora, pois o banheiro era acoplado ao quarto e minha desobrigação fisiológica era tão iminente que ela ouviria com toda certeza. Outra vez eu desfiz um namoro de três anos porque a moça, quando eu voltara da cozinha para a sala, havia empesteado todo o ambiente e não teve como ela não confessar que havia emitido um flatus que lhe pareceu pequeno o suficiente para evadir-se da atmosfera antes de eu voltar mas que lhe revelara de uma traiçoeirice tremenda. Levei dois meses para acabar o namoro, um namoro que prometia e do qual eu me comprometera acirradamente hospedando-me na casa dos pais da moça em São Paulo durante os feriados de natal e ano novo, mas que não me era mais possível olhar aquele rosto angelical e aquela educação europeia exemplar sem me remeter à verdade subliminar do horror atmosférico daquela lembrança. Eu nunca peidara na frente de ninguém, ontem eu pensei nisso com tristeza, no alto de meus bobos e irredencionistas 40 anos.

Ontem, de tarde, sentado em minha poltrona na biblioteca de casa, lendo o final de O Mestre e Margarida, com minha filha de dois anos Júlia sentada no carpete folheando pranchas das pinturas de Van Gogh, eu tomo fôlego, e grito para a minha esposa que estava na sala: "Dani, daria para você vir aqui, por favor?". A Dani deixa o que estava fazendo e aparece na minha frente, prontificada. Eu lhe mostro meu dedo indicador da mão direita, colocando o livro do Bughákov no peito, e digo: "acho que desloquei esse dedo em algum lugar, daria para puxá-lo?". Ela olha para meu dedo e o pega com todo o pendor doméstico com uma das mãos, e o puxa. No mesmo instante, já estando na posição planejada com as pernas abertas com os pés em uma das traves de uma das estantes de livros, eu solto um peido descomunal, com bolhas sonoras arredondadas firmes, sincopadas e cheias. Uma obra-prima. A Dani arregala os olhos pasmada e sai diligentemente, numa espécie de choque de efeito retardatário, com a mão na boca e dizendo: "Meu Deus, que horror! Que horror!" Eu sinto uma vergonha que não é só clinicamente uma vergonha, mas algo mais, algo inominável. Eu rio com gargalhadas verdadeiras, a Júlia se levanta, pega meu dedo e diz: "minha vez, papai! Minha vez!". "Que carniça!", ouço a Dani dizendo além da porta. Sigo a Dani depois de um minuto e lhe abraço, lembrando das tantas vezes que a vi vomitando, das vezes em que ela, grávida e doente, usara o banheiro do hospital comigo a segurando pelos braços, naquela época em que todo mundo, menos eu, achava que ela morreria. "Nunca desista de mim, Dani, que eu nunca desistirei de você", eu digo, lhe abraçando. Ela ri e me responde: "nossa, um homem tão culto fazer isso!". Eu digo: "Homens cultos também tem cu, Dani". E ela: "por que não escreve sobre isso em seu blog? Hoje eu pedi para minha esposa puxar meu dedo e soltei um tremendo peido". E hoje eu me sentei aqui e escrevi: A verdade é que quando acontecem essas raras ações libertadoras há um nó complexo de motivos por detrás.

15 comentários:

  1. PANTA RHEI
    by Ramiro Conceição
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    Com muita dificuldade, quase me afogando, fui a cada braçada vencendo cada marola, cada gosto novo de sal… Ufa!... O quebra-mar se apresentou.. Era uma ficção?… Exausto, procurei admirar o horizonte…: a saída à nova viagem para o além das coisas medianamente conhecidas… Mas, de repente, uma inesperada tempestade…: era a realidade!… Não de personagens, mas de efetivos conglomerados em carne e osso… Mar revolto!… Vem de novo a mesma e velha questão: voltar à terra firme?… Jamais!... Porém, com que forças adiante?... Não é mais possível o retorno ao outrora tão seguro… Então continuar… Sim, só resta continuar corajosamente… Das históricas flatulências cotidianas, inventar um novo motor de popa à imaginação, pois a combustão se dá no âmago da casa das máquinas do navio do ser que bebe o caos à proa… Viva o ciclo de Carnot!... Viva a entropia que surge além da morte!... Viva a universal expansão... Panta rhei!

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  2. Baseado em fatos reais

    Fui surpreendido com um leve toque no meu cabelo, não um puxão, mas um toque, que poderia ter sido de um inseto, um galho, uma folha seca, mas não, porque com o toque veio o chamado hesitante:
    - Marcos?
    Sim, alguém falava comigo. Também hesitantemente virei de costas; atrás de mim havia um homem um pouco menos gordo que eu, com um olhar um tanto afetado e um sorriso que não disfarçava o ligeiro constrangimento de não ser reconhecido, como de fato não foi.
    - Ahn... você me chamou?
    - Si-si-im.
    Pularei a parte do diálogo até chegarmos às apresentações:
    “So-so-ou-sou eu, Justino!”
    “Justino... Sim, é claro, Justino. Há quantos anos...”
    Ainda não o reconhecera mas, quando ouvi o relato de um episódio da juventude, em uma festa onde estávamos todos pirados de maconha e cachaça, ele se divertindo com meus relatos apaixonados acerca de uma amiga em comum, que ele considerava assim-assim, para não dizer francamente desinteressante, pelo tom pálido da pele, a magreza, a ausência de traseiro, quando eu só via, afinal, seu belo rosto emoldurado por cabelos parecidos com a juba de um leão limpo.
    “É, quantos anos”
    Pularei outras reminiscências até chegar ao ponto do encontro marcado na casa do velho amigo de juventude, antes um sujeito magro, lento, de olhar igualmente afetado, e sexualidade tão hesitante quanto o gesto de tocar em meus compridos cabelos.
    Justino era um cara qualquer, comum, ordinário, de talentos limitados ou desconhecidos. Ir à casa dele, ou melhor, apartamento, nada me custaria, pois não era distante do meu trabalho e, à noite, tenho quase sempre algum tempo livre, pois minha esposa está no trabalho.
    Vou lá, mas não como o carioca que diz “vou lá” e não vai porra nenhuma. Contrariando uma regra que nunca foi minha, na hora marcada toco a campainha e ele me atende, com o rosto mais divertido, sem a tensão de ser rechaçado por um velho conhecido que, agora arrogante, poderia não querer saber dos velhos amigos.
    Conversa fiada vai e vem entre goles de cerveja, que eu detesto, mas não quero parecer... arrogante com minhas demandas enófilas, então sigo o padrão da casa, com cerveja acompanhada de chips de mandioquinha, o que já é alguma sofisticação.

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  3. (parte 2 e final)

    É, eu não casei com aquela, você sabe, mas com outra, você também sabe, aliás estou na mesma condição até hoje, casado, mas sem filhos, enquanto seu casamento, como foi?
    - Foi, acabou. Dois filhos. Moro só. Sabe como é, as pessoas tem suas diferenças, e ela não suportou minhas esquisitices como eu suportei as dela.
    Esquisitices? Quais. Ah, as coisas tolas de sempre; roupas que considerava extravagantes, linguagem peculiar, destrato com parentes, e minha coleção de peidos...
    - Como assim? Coleção de peidos?
    Ele sorri denunciando alguma embriaguez, daí porque não se envergonhou de falar de sua coleção, guardada em um quartinho próprio, na verdade antiga área de empregada que, sem uso, recebeu o conteúdo em frasquinhos idênticos, transparentes, todos etiquetas com datas e, em casos especiais, ocorrências do dia. Frasquinhos hermeticamente fechados, com tampos de rosca dispostos com sistema de travamento especial e...
    - Quero ver isso!
    De fato, no quartinho de empregada, centenas de frascos, com estantes separadas com plaquinhas de anos, todos rigorosamente iguais, havendo somente a diferença nas etiquetas: tamanhos, cores, quantidade de textos impressos – os mais recentes, sendo os mais antigos escritos à mão. Ao chão, quatro caixas fechadas, que ele me explicou guardarem novos frascos, ainda vazios.
    Não, não havia um único frasco com data de trinta anos atrás. A coleção começou somente há oito anos. Três anos depois de anotados duzentos e vinte e seis frascos (não guardava um frasco por dia, mas um a cada dia que conseguia fazer a coleta), a mulher rompera o casamento. E ele nunca mais pensou em casar novamente, mesmo porque não conhecera nenhuma outra mulher que merecesse o risco de ser levada àquele quarto para conhecer sua coleção. De forma que minha presença ali constituía um privilégio.
    Não perguntei como ele fazia para coletar os peidos. Mas peguei em alguns frascos com particularidades a mais escritas além das datas e, depois de uns quinze minutos, achei a coleção até bacana.
    Mas por que você começou a coleção?, perguntei. Crise no casamento? Algum tipo de ambiguidade sexual? Interesse erótico?
    Ele não me respondeu nada diretamente. Apenas não, não, não, não... sequer um talvez. Depois elaborou uma teoria de memórias olfativas afins à construção da personalidade e fundação de peculiaridades afins ao ineditismo do caráter expresso em cada peido ou coisa assim, que não levei minimamente a sério.
    Mortificado pela expressão de uma mania tão demonstrativa de um estado neurótico, pensei em consultar meu psicanalista a respeito, só para me lembrar que não tinha um e isso fora uma má piada privada.
    - Você também achou estranho, muito estranho, não é?
    - Rapaz, você não sabe quantas pessoas eu conheço capazes de atitudes muito mais estranhas que essa... – respondi, sem deixar de pensar que sob tais ações tão raras pode haver uma complexa cadeia de motivações, e não apenas teorias, por mais extravagantes que sejam, capazes de justificá-las.
    Sorri amarelo como se tivesse peidado ali mesmo, e me assustei com a possibilidade dele pedir para coletar o peido do amigo. Cada um sabe (ou deveria saber) o que está por trás de seus medos.

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    1. O desfecho dessa história poderia caricaturar o romanção do Elias Canetti, em que a biblioteca tão querida do personagem principal de Auto-da-fé é consumida pelas chamas. Nesse caso ficaria bem mais fácil, pela combustão de anos de butano armazenado.

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    2. Mas aí eu teria que matar meu amigo...

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  4. Baseado em flatos reais... mas que coisa, provavelmente o melhor post do charlles acaba de sair pelo cu. tem de tudo aí e me lembrou de um monte de coisas desconexas como faroeste caboclo e a insustentável leveza do ser (?). mas o principal foi o q tu imprimiu de novo, sobre o papel higiênico.

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    1. Se Santo Agostinho e Montaigne já escreveram sobre isso, porque Charlles Campos não pode? :)

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  5. Que Montaigne tenha escrito sobre temas escatológicos é compreensível. O cara fazia anotações sobre TUDO.
    Mas essa do Agostinho me surpreendeu. Onde? No Confissões? Fiquei curioso.

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    1. No Confissões ele disserta sobre os prazeres da defecação. Se não me engano, li sobre isso nos diálogos entre o prefeito de um povoado espanhol e o padre do delicioso romance de Graham Greene, Monsignor Quixote.

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    2. O google me levou a um certo senhor que diz que a referência está em algum lugar do Cidade de Deus. Nossa condição paradisíaca teria permitido a Adão o controle perfeito dos músculos que perfazem o esfíncter. Resultado do esfíncter adâmico teria sido um lindo e angelical coral flatúlico. Não li esse trecho do Cidade de Deus, mas casa com aquela parte também do De Civitate Dei em que Agostinho fala sobre a habilidade Adâmica de controlar ereções involuntárias.

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    3. Caramba, preciso ler Agostinho imediatamente...

      Faltou esse insight ao Borges que disse que a obra de Tomás de Aquino era uma excelente e involuntária literatura fantástica, o anúncio do humor em Agostinho.

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    4. Pode ser. Não duvido do humor nesse trecho de Agostinho. Mas a referência à ereção involuntária é coisa bem séria para ele. Bem disse Foucault que a origem do problema cristão do desejo solitário se encontra aqui.

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  6. Mas na literatura em geral prolifera esses exemplos escatológicos.

    Hoje eu me enterneço muito com coisas assim:

    http://www.youtube.com/watch?v=p1JlNaIHHaw

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  7. Sobre literatura e peidos http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/il1209201004.htm

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  8. Lembram daquilo muito falado aqui, do leite produzido e vendido no Brasil?

    http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/05/1275162-ministerio-publico-cumpre-mandados-de-prisao-contra-suspeitos-de-alterar-leite-no-rs.shtml

    Os suspeitos adicionavam 10% de água na composição do leite para aumentar o volume. No entanto, dentro desses 10%, havia 1% de ureia para compensar a perda nutricional. Para que a ureia não derretesse, os suspeitos ainda colocavam formal, que é considerado cancerígeno pela OMS (Organização Mundial de Saúde).

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