domingo, 23 de fevereiro de 2014

O mais triste dos tristes escritores


                                                 "A melancolia é a felicidade de se ser triste" (Victor Hugo)


Não há como não ver como uma estupidez com indigerido traço etnocêntrico o pouco caso que Coetzee faz a Mia Couto em seu livro de ensaios Mecanismos internos. Por mais que eu goste de dois ou três romances de Coetzee a ponto de usá-los como recorrentes presentes a amigos, a única frase que ele dedica a Mia Couto, de forma ostensiva e prepotente, alegando que o moçambiquense não era representativo da literatura produzida no continente africano, estraga um tanto a imagem desse prêmio Nobel que é indiscutivelmente um dos maiores autores vivos da língua inglesa, mas que esbraveja a sua carteirinha de esnobismo elitista de autor europeu (mesmo adotado), de aristocrata que tem sua importância medida e aceita sem reservas acima do senso comum mais idiota dos excêntricos e periféricos. Tal atitude, que por ser explicitamente gratuita (já que ele cita o nome de Mia Couto sem nenhum propósito além de sentencia-lo como descartável), é semelhante em sua violência segregacionista a de escritores como Kingsley Amis ao apontar José Saramago em uma reunião de escritores e dizer a um amigo alguma festiva frase sobre a mediocridade de tais pessoas como o português em se tornarem escritores. O que há por detrás de pontos de vista inerciais como estes é algo constrangedoramente simplista: o mero preconceito; o preconceito mais baixo que junta no mesmo cesto de identidade fechada de casta a proeminência financeira de uma nação sobre a outra, o valor comercial de um idioma sobre o outro, até as mesquinharias mais provincianas como aspectos de cor e raça.

O leitor que conheça o potencial de escritores que exorbitam o eixo de glamour intelectual das regiões cosmopolitas vinculadas à riqueza financeira, sabe bem que dificilmente Coetzee deva ter lido Couto. Ainda mais que um dos ensaios de Mecanismos internos fala minuciosamente sobre o pior livro de um escritor que teria tudo para ser enquadrado nas esferas de subdesenvolvimento literário que Coetzee parece atribuir a Couto: o Memórias de minhas putas tristes, do colombiano Gabriel Garcia Marquez. Coetzee faz uma radiografia pedante sobre esse fraquíssimo livro, para no final dizer o que qualquer leitor menos devotado já tem por certo: é um romance descartável entre a bibliografia em três títulos prodigiosa de GGM. Gastando tanto tempo em um livro constrangedoramente menor de um cultuado autor, e relegando toda a obra com momentos imortais como Terra sonâmbula de outro com uma frase absurdamente derrisória, Coetzee mostra, apesar da sofisticação utilizada na maior parte de seus ensaios, uma visão medíocre, cerceada pelo mais atrasado selo de qualidade senhorial, pela sutileza mais gritante que remete a pensarmos o quanto o autor de uma obra como Desonra sucumbe ao clichê da pior espécie, talvez pela velhice ornamentada com seus importantes prêmios (mas não menos velhice), e sua empáfia diante o que ele pressupõe ser o extremo oposto de si mesmo (ele, um autor africano branco, que escreve uma prosa realista seca, que transita por esferas intelectuais assepsiadas de sentimentalismo, e Mia Couto, um autor africano branco, que escreve uma prosa barroca com cores sinestésica e profundamente poética). E se quisermos sair desse diagnóstico como algo precipitado, basta ver o ensaio no mesmo volume sobre Sándor Marái, em que suas palavras, agora prolixas e diretas, são assim mais pesadas em seu descarte em dizer que Sándor é um péssimo romancista (ele dedica várias páginas em destruir o romance, para já no final, como se estivesse cansado daquilo, empregar seu carimbo definitivo por sobre o autor, dessa vez segregado tanto por sua origem étnica como pelo passar do tempo, como se Coetzee estivesse a dizer que estilos assim já estão ultrapassados, que o que conta é sua linguagem dilapidada de adornos desnecessários).

Pois bem. Essa lembrança de Coetzee me veio hoje ao ler uma resenha do Luís Augusto Farinatti sobre Bolaño, que me fez passar boa parte da tarde desse domingo folheando Os detetives selvagens. Assim como eu, Farinatti teve que passar pelo desgaste que o culto a Bolaño cria em quem quer ler Bolaño, a excessiva exposição do autor chileno. Eu li quase tudo de Bolaño, e há tempos não ouço falar dele. Assim, foi com surpresa que li sobre a iniciação feliz de Farinatti, ele que adora literatura latino-americana e produz bons contos, pois me fez retornar ao Bolaño nessa hora que, percebi com certo espanto, parece que passou o fervor em torno da figura do autor de 2666. Ou eu é que, de tanto me esquecer dele, não ando acompanhando os tantos sites dedicados à sua celebração. Para mim, pois, Bolaño agora atingiu sua plenitude, pode-se_ ou posso_ voltar a ele com a virginalidade de quem o descobre por iniciativa própria, sem os ecos de tantas opiniões translativas. Reli o primeiro capítulo de Os detetives selvagens emocionado, devo confessar. Depois reli as últimas dez páginas, que a mim afiguraram como o melhor desse romance, quando o explorei há seis anos. Eu achei bastante ruim Os detetives selvagens, por uma série de razões que já expus a exaustão. Na verdade a palavra correta é que desgostei-me dele, pois aguardava um escritor extático, e encontrei o mais triste dos tristes escritores. A última página desse romance é belíssima, sublime, estranha e ambiguamente eloquente. Passei muito tempo entendendo o que ela diz, e ela diz muitas coisas de várias maneiras. Mas, como ia dizendo, o livro_ tido por uma legião de pessoas sérias como uma grande obra-prima_ me desgostou porque era triste demais, latino-americano de uma forma sem subterfúgios, pura e intranscedente. Talvez porque na época me causava desespero pertencer ao país mais latino-americano dos latino-americanos, e Bolaño pregasse o dedo em minhas feridas com sua lucidez insensata. E o fato de que o celebravam em todo o canto do mundo como o novo Garcia Marquez, isso me doía ainda mais: era a celebração de tudo que eu via em torno de mim como atraso, a celebração de sua visão já sem redenções do latino-americano. GGM criou uma mitologia própria ao latino-americano, e Bolaño, seu substituto legal, vinha acabar com tudo falando da extrema violência e primitividade, dos jovens poetas predestinados à morte precoce, dos detetives selvagens do título que traziam nessa outorga o sarcasmo de serem detetives sem a possibilidade de desvendarem nada, e selvagens porque eram frágeis demais em seus sonhos, revolucionários obsoletos, poetas de uma era em que o vocabulário não tinha mais a mínima importância. Bolaño, me parecia, era a última concessão dada à expressividade de todo nosso continente, e ele assumia saber disso em sua intenção de sepultar de vez as letras.

Devo admitir hoje, após o post do Farinatti e minhas releituras descansadas de Os detetives selvagens, que só agora eu perdi certo receio contra Bolaño, eu passo a compreendê-lo melhor. Acho que isso tem a ver com meus esforços mais concentrados em escrever um romance, uma tarefa mais madura e auto-combativa (afastando e destruindo uma série de bobeiras aprendidas também pela inércia). O mais triste de todos os tristes escritores é também de um visceralismo só tido em raros companheiros seus de profissão. Após ler o último romance de Martin Amis, por exemplo, a impressão de artificialidade artística, de bater as teclas da máquina com proficiência mas sem muito coração, é algo que vejo impossível em Bolaño. Amis é um escritor muito bem pago, e sua obrigação é vencer o enfado do conforto de viver no extremo mais rico do mundo, cavar uma experiência que ele não tem, e dar vida a essa simulação com todos seus hercúleos esforços retóricos. O mesmo ocorre com McEwan, que há muito não escreve nada que se pareça com a realidade lá de fora de seu gabinete. E Coetzee, o meu amado e festejado Coetzee, já distante de seu auge da palavra, vem construindo suas zonas mentais aprimoradas, suas fábulas complexas kafkianas, e que cansaço benéfico ao final da tarde deve tomar conta de seus olhos míopes que caem por um tempo gratificante por sobre o aveludado tapete por debaixo de seus pés. Essa percepção de cavar a verdade passou pela cabeça do Philip Roth de Entre nós, quando ele confessa a inveja que tem de escritores como Ivan Klíma, que tem todo o provimento de assuntos capitais oferecidos pelas agruras cotidianas de sua pátria política. Tentar escrever tem me dado uma piedade de visão e uma profundidade muito mais reveladora que a passiva aquisição da escrita pela leitura. Um humanismo que me faz rever conceitos imediatos que se colam com uma facilidade parasita e assustadora em minha mente. Uma nova ciência do olhar muito útil nesses nosso tempos em que se prende menores infratores em postes com trancas de bicicleta, e a primeira sensação demanda uma insensível e brutalizada comemoração. Vendo o vídeo de Mia Couto falando sobre o medo_ a sua integridade, a sua segurança, a sua calma e cordial e cavaleiresca presença, a sua seriedade e auto-confiança_, e repassando Bolaño, e lendo Saramago, e Bernardo Carvalho, e na iminência de ler tantos escritores que ficam do lado de fora dessa batalha ignóbil de etnocentrismos, eu penso, feliz, que a tristeza de Bolaño é, em contrapartida, uma alegria libertária da expressão. Isso reforça de uma maneira indizível minha fé na literatura.

20 comentários:

  1. Só consigo ter fé na literatura...

    Está gostando do Carvalho?

    (Meu Ginzburg ainda não chegou).

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    1. Só a literatura liberta (modo irônico desativado).

      Lendo e gostando, depois resenhando.

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  2. Do Bolaño, tenho pouca coisa pra dizer: desconheço. Já do Coetzee e Mia dá pra tagarelar meu tantinho.

    Saído seu texto sobre os ensaios do Coetzee, lá atrás, conhecer mesmo os dois autores eu não conhecia, um deles só de ouvido -- "o autor-de-Desonra" --, o outro de dois três contos -- meu ensino médio: tomei duma estante da biblioteca o Estórias Abensonhadas, e só algumas páginas adentro me caiu a curiosidade de ir até a orelha final, ver quem era aquela mia que escrevia tão esplendidamente. Da minha infamiliaridade com os dois, deu que meus olhos apenas passaram pelas linhas; o que ficou gravado na vista foi seu comentário sobre o desprezo do sul-africano-da-austrália pelo escritor do país vizinho. Coetzee calculou bem as suas palavras: que fossem poucas, que o nome do tal altor aparecesse uma vez e só, e no último ensaio do livro. Assim, machucaria mais -- será que Coetzee se aproximou um pouco do escritor cujo livro ensaiava ali, V.S. Naipaul, esse sim artista das execuções sumárias de escritores (geralmente escritoras) em seus ensaios e entrevistas?

    O melhor escritor vivo do português é o Manoel de Barros, seu vizinho, Charlles, e disso não tenho nenhum miligrama de dúvida; morrendo o velhinho, o melhor é o Mia, com Gonçalo M. Tavares grudado nele (Viagem à Índia é daqueles livros que tira a necessidade de seu autor continuar escrevendo). Mia é um excelente leitor do meu Guimarães Rosa, e se tiver como, Charlles, procure por Pensatempos, pequeno livro de textos de opinião, pois lá tem uma transcrição duma conferência chamada O sertão brasileiro na savana moçambicana, cuja primeira parte mostra o quão importante foi a literatura brasileira para os escritores lusófonos da África, e cuja segunda parte é uma belíssima declaração de amor à obra de Rosa. Lá atrás, no seu texto sobre Mozart e o palácio em Marte, me veio à cabeça a Jesusalém criada por Mia Couto no seu penúltimo romance, aqui chamado Antes de nascer o mundo, enquanto que no resto do mundo o nome é Jesusalém mesmo -- se essa mudança foi culpa da Companhia, digo logo que deveriam ter gastado menos neurônios com isso e mais fazendo uma capa melhor, pois a daquele livro é a pior de todo o catálogo, talvez cooperando com o desdém de Coetzee quanto ao moçambicano miúdo. É que no romance, um pai, após a perda de sua mulher, leva as crianças para o meio do nada, umas casinhas no rastro de ruínas da guerra civil, e as cria dizendo que o mundo tinha acabado, e que não havia mais mulheres; dá àquele lugar o nome de Jesusalém, "aonde Jesus irá para se descrucificar".

    Estou para ler A Confissão da Leoa, lançado agora em 2012, pois na Ufrj ninguém escreveu sobre ele ainda, e nosso tímido e tísico departamento de Literatura Africana merece qualquer migalhinha de atenção, não importa se resultante duma pequena apresentação do trabalho de um bolsista -- meio burrinho mas entusiasmado, eu -- a uma banca. Ano passado apresentei um trabalho sobre Mia (e mais outro sobre Rosa & Manoel de Barros, que faço duas iniciações científicas, a de africanas com bolsa, a de literatura brasileira com fé e um tantinho de insanidade mental), e recebi nota máxima de todos os avaliadores -- mas avaliadores que não conheciam Mia Couto, o que é uma tristeza.

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    1. Quanto ao Coetzee, faço uma defesa, capengando mas vai:

      Em Diário de um ano ruim (esse sim com uma capa perfeita da Companhia), Coetzee conta a estória de Coetzee, ou El Señor, um escritor sul-africano agora cidadão da Austrália, velho, tão velho que não aguenta mais escrever à mão e, quando um editor pede uns ensaios, "textos de opiniões fortes" o suficiente para causar algum escândalo, ele precisa fazer fazer uso de um gravador e contratar uma digitadora. De início, temos somente os tais ensaios para ler, mas após algumas páginas a folha é quebrada em duas partes: a primeira o ensaio, a segunda um recorte da mente do escritor; mais pra frente, mais uma divisão: recortes da mente da digitadora, uma jovem com uma bagagem de leitura inexistente, contratada somente pelo tesão senil do El Señor (ela acha que Coetzee é nome hispânico, por alguma razão, e só chama o patrão assim), e pela qual ele vai se apaixonando de maneira mais profundo ao longo do livro. Com cada página quebrada em três partes, as duas segundas conspirando contra os objetivos da primeira, temos um verdadeiro tratado sobre o ridículo que é escrever textos de opinião.

      No romance, os temas de cada ensaio não se irmanam, o velho escritor procura desesperadamente por algo a que se agarrar -- é importante essa falta de direção para percebermos sua batalha contra a idade e a consciência do ridículo. A escrita, porém, é no mesmíssimo estilo dos "verdadeiros" ensaios de Coetzee em Mecanismos Internos, de modo que esses ensaios de Diário de um ano ruim poderiam ser todos substituídos por aqueles sobre Faulkner e Naipaul e Bellow etc., sem alterar o núcleo da obra. Somo isso às manifestações do alter ego Elizabeth Costello, e arrisco: Coetzee, como seus personagens, tem algum nível de consciência quanto à estupidez de suas palavras. O que a obra de Coetzee construiu em torno da opinião é mais importante do que as opiniões do próprio Coetzee.

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    2. Várias erratas ramirescas, mas isto aqui tá certo: "ver quem era aquelA Mia". Eu fiquei realmente surpreso quando descobri que a Mia Couto tinha barba...

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    3. Mia como mulher é ótimo. Desses estranhismos que só alimentam o prazer da descoberta da leitura.

      Tem muitos pontos distintos nesse seu comentário, João. Mia é um grande escritor, isso é indiscutível, e um escritor com um estilo que o faz único. Engraçado que, apesar da obviedade de que ele bebe de Rosa, eu o acho sempre estranho quando salientam demais seu estilo rosaniano. Rosa não inventou a sinestesia e aquela fusão toda na escrita, ele só deu uma dinâmica universal que faz com nos deu o privilégio de ler um dos maiores escritores de todos os tempos em nosso idioma. Eu aproveito mais o Mia tendo isso sempre em mente: em uma escala mais ampla, Mia é joyceano, assim como Miguel Ángel Astúrias e Anthony Burguess.

      Muito interessante isso aí de que o que Coetzee escreve supera o homem Coetzee. Não li o Diário de um ano ruim, e praticamente nada mais depois de Elizabeth Costello (que é um de meus preferidos). Mas essas instâncias subjetivas primatas (ia escrever primárias, mas o engano ficou melhor) devem ser combatidas. Uma coisa é Bellow cobrar o Tolstói dos congoleses ou de não me lembro quem, outra é apontar o dedo de forma ridícula como fez Coetzee. Li Homem Lento, me recordo, um romance interessante mas que tem sua culpa, não sei bem porque, pelo meu momentâneo afastamento de Coetzee.

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    4. Questões de propaganda: uma pessoinha maior diz tal e tanto e todas as outras pessoinhas pousam nos ombros dela feito papagaios. O caso do Mia Couto com o Rosa se distancia bastante daquele da Alice Munro com Anton Tchecov, uma doença jornalística que você diagnosticou na sua resenha de Vida Querida. Mia tem muitos contos que partem de estórias rosas: só o conflito de A terceira margem do rio, das Primeiras Estórias, gerou uma releitura direta nas Estórias Abensonhadas, com o conto Nas águas do tempo, e a imagem da criatura humana entre margens está lá nos livros do Mia quase sempre -- em Antes de nascer do mundo, Mia volta com essa imagem, mas com um algo a mais, atirando no rio o menino mais novo do romance, e nos fazendo ver através dos olhos da criança submersa a luz do sol, feito faca, furando a água e dançando com a corrente; o Sertão, o Universo se revelando num cantinho isolado no meio da nada, está sempre em Mia, e por isso mesmo seus personagens como que carregam suas casas nas costas, e se engrandecem na soma com o rastro que eles mesmos deixam pelo caminho. É diferente do pouco que há entre Munro e Tchecov, ou Knausgard e Proust, Tartt e Dickens etc., todos esses mais próximos do jornalismo fácil.

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    5. Ainda assim, sim: existe um pouquinho de publicidade na imagem de Mia como devoto de Rosa. Faz parte da digestão de gente como Mia, Rosa e Manoel -- o maior exemplo, na verdade, é Clarice Lispector -- por parte de um público que até os lê, mas sem a dedicação que merecem; no fim dessa digestão, ao invés de sair merda, saem poetas de pelúcia. Ficou óbvio quando o Mia veio à Ufrj ano passado: na hora dos autógrafos, era uma beatlemania, enquanto que no lançamento da Confissão da Leoa, no mesmo dia, não havia ninguém.

      Sobre Rosa e Joyce, deu vontade de arriscar um pouquinho aqui, nada relacionado à sua postagem:

      Nunca vi semelhanças maiores do que o fato de que os dois são colossais. Algumas pessoas me apontam os neologismos, e aí que descubro que não leram nenhum dos dois autores: Joyce costura palavras umas nas outras, pega emprestado de onomatopeias etc., mas nada comparado a palavras como nonada.

      O máximo de proximidade que percebo entre Rosa e Joyce é que, no final de suas vidas, Joyce com Finnegan's Wake e Rosa com Tutaméia, ambos escreviam como se cada página deveria, sozinha, bater toda a obra que a precedeu.

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    6. O melhor escritor vivo do português é o Manoel de Barros? Amigo, permita-me, gentilmente, discordar da sua opinião. Faz um bom tempo que o conspícuo poeta não produz nada de relevante...Desde o Livro sobre nada (1996) que Manoel copia Manoel... virou a mesmice de sempre. A verdade é que o cara virou estrela, tá na mídia, os atores da globo adoram etc etc... É um excelente poeta? Claro que sim, mas daí estender-lhe a faixa de campeão penso que é muita honraria...

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    7. Poxa, Ricardo, não entendi tua conta: em 1996, Manoel já era um poeta octagenário, a obra toda pronta e publicada -- uma dezena de livros, dos quais só não considero perfeitos os três primeiros. Se de lá pra cá realmente não tivesse feito nada de relevante, tudo bem -- já aguardando o caixão! -- mas não foi o caso...

      Manoel teve a sorte ou o azar de ter mais dezoito anos de vida (e contando); sorte foi o tempo que deu pra escrever sua melhor obra, As Memórias Inventadas, e azar porque viu dois de seus filhos morrerem pelo caminho. Também destaco Poemas Rupestres e, mais ainda, Ensaios Fotográficos.

      Pô, quem dera um poeta ser estrela no Brasil... Seria muito bom, Ricardo. Eu já me ficaria muito feliz se, quando morresse um poeta, o nome dele aparecesse decentemente nos jornais -- ao contrário do que aconteceu em 2012, quando morreu o Autran Dourado e tudo vi foi uma chamada mixuruca no OGlobo, porque na mesma semana a Hebe tinha morrido e portanto a mídia resolveu que o Autran não tinha o direito de bater as botas. O que aparece do Manoel na mídia são as mesmas reportagens sazonais dos aniversários de escritores. Da bundificação pela qual grandes autores passam na mão da publicidade, já falei um pouquinho (num chiliquinho involuntário :) ) no comentário logo acima do seu.

      Ele é tão mal lido, mas tão mal lido, que para receber uma homenagem decente nas letras, tem que vir para o país um escritor angolano, o excelente Ondjaki; tão mal lido, mas tão mal lido, que quando a editora Leya foi lançar sua poesia completa, aquelas antas esqueceram de incluir justamente As Memórias Inventadas, porque não faziam ideia de que aqueles três livros eram de poesia.

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    8. Vai ver sou um desses maus leitores do Manoel.... Fui dar uma conferida novamente em Poemas Rupestres e poemas como Garça, Maçã já não me dizem muita coisa. Não sinto mais aquele encantamento. Bandeira, por exemplo, eu posso ler Momento num café 10 vezes seguidas e ainda assim não me enfastio. Mas falávamos sobre poetas/escritores vivos... Pra mim, Bandeira continua mais vivo do que muitos por aí...Mas não se aborreça comigo, não me leve a sério, sou apenas um leitor, claudicante, que se reserva o direito de exercer a sua subjetividade subjetiva, livre, sem pretensões acadêmicas, veleidades literárias etc. Deve ser o fastio mesmo, de ver todos os dias a estátua do Manoel aqui em Campo Grande....

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    9. Olha só, como são as cousas, gosto mesmo de Lobo Antunes, notadamente suas crônicas e alguns romances como o Esplendor de Portugal, Exortação aos Crocodilos e O manual dos inquisidores. Saramago, pra mim, e chinelo de dedo, Lobo Antunes, sapato de domingo, de missa....mas tudo isso e mera questão de pães...

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    10. João Antonio Guerra1 de março de 2014 às 09:54

      Entendo o fastio, ou pelo menos aproximo do que sinto quanto à estátua do Drummond aqui no Rio. Não moro perto de Copacabana para vê-la todos os dias, mas me irrito com os chiliquinhos que dão cada vez que um zé ruela rouba aqueles óculos, ou um casal bêbado picha o bronze -- o maior vandalismo pra mim continua sendo a estátua estar de costas pro mar...

      Esse seu Bandeira é o meu João Cabral. E estou contigo quanto ao Lobo Antunes e o Saramago.

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    11. Hahahaha.

      Entro com um parênteses sem parêntese: Lobo Antunes é um escritor superior a Saramago no estilo, na força poética e em uma maior liberdade temática. E é um escritor_ e não sei bem se isso é uma qualidade_ mais moderno, o tipo que cita letras inteiras de Paul Simon, que se mostra inserido no mundo midiático, e que bebe da maior literatura tanto americana quanto européia. Já o Saramago é um imbatível fabulista, mais sóbrio (nunca descambou para o chatíssimo experimentalismo que seu parceiro vem fazendo há duas décadas), desses autores sistemáticos que criam um modo de escrever para si e nunca fogem dele, plenamente português e fechado em seu mundo.

      Esplendor de Portuguel é abertamente faulkneriano, uma coisa impensável para um Saramago que só foi ler um autor cosmopolita como Thomas Mann (Doutor Fausto) já na velhice. Esplendor me irritou no começo, até eu pegar o ritmo, pois me parecia uma emulação portuguesa de Faulkner, mas é inegavelmente um grande romance. Mas meu preferido de Lobo ainda é Os cus de Judas.

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    12. Charlles, mais uma vez você tem razão, esse pretenso experimentalismo do Lobo Antunes já chateou demais, já deu o que tinha que dar, essa árvore já está envenenada, logo os frutos... por isso não compro mais os romances dele desde Eu hei de amar uma pedra, chutei o balde. As crônicas ainda estão de bom tamanho. Essas costumo reler (Assobiar no escuro é excelente).

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    13. Charlles, disponho aqui em casa, ocioso, um iriver story, com capa, em excelente estado de conservação, o qual disponibilizo para doação. Se alguém se interessar, posso enviar pelos correios. Se possível, alguém de sua indicação. O Iriver story é um leitor de ebooks sem acesso direto à internet; é preciso baixar para o computador o livro e depois carregá-lo no aparelho, valendo-se de um intermediário Abobe Digital Edition. Já vem com 200 clássicos em inglês, tem Platão, Dickens, Shakespeare, Conan Doyle, Wilde, Cervantes, Tolstoi, Conrad, Austen, Melville, Henry James, Allan Poe, Darwin entre outros; Além disso, tem os que eu mesmo comprei, esses em português: James Joyce, Lobo Antunes (as crônicas) Capote, Mia Couto (vários), Rubem Fonseca, Saul Bellow, David Foster, Quintana, Hilda Hilst. Mia Couto e Lobo Antunes são edições portuguesas, adquiri-os via livraria Leya de Portugal. Tem outros como McCarthy, Bernhard, Houellebecq, Pellizzari, totalizando 31 livros em português. Minha única exigência: o beneficiário não poderá vender o aparelho, apenas doá-lo, se tornar-se ocioso ou obsoleto.

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    14. Ótima essa generosidade, Ricardo. Frequentava por aqui o Milton Cardoso, que na época tinha forte intenção de comprar um leitor digital. Quem quiser, se assim preferir, me manda um e-mail e eu repasso para você, Ricardo.

      Sobre o Lobo Antunes, é o que eu sempre digo: um ótimo escritor mas que alguém deveria lhe dar um toque para parar com isso. É a mesma coisa de uma mulher belíssima que sofre de um mau hálito feroz e ninguém tem coragem de lhe avisar para um tratamento.

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  3. Coisas assim, esnobismo assim, que me fazem ter como imagem de escritor ideal um Bolaño ou um Pynchon da vida, que fogem, quase que de modo paranoico e louco, das posições em que poderiam ser visto como velhos ou moribundos apáticos e acomodados, disparando opiniões desagradáveis e aproveitando-se do status adquirido por uma vida dedicada às letras para, no final, traí-las de modos grotesco. O comportamento taciturno de Pynchon e a imagem que Bolaño construiu de poeta marginal, andarilho louco, são, acredito, excelente maneiras de não se encaixarem numa frase que (acredito ter visto aqui nesse blog) dizia mais ou menos 'ou os ídolos morrem jovens ou vivem o suficiente para decepcionar seus fãs'.

    PS: não 'se', mas 'quado' o bom Charlles for publicar seu esperado livro, uma aviso aos seguidores do blog seria bem vindo. Os fãs de antes da fama não merecem competir com a nova leva que há de surgir.

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  4. Quero, agora, ler os outros Bolaño para poder conversar contigo, Charlles. Estão na lista... mas avanço com a lentidão possível. Achei aqueles realmente cheios de emoção. É um mérito.
    Sabes também o quanto gosto de Mia Couto. Ainda não li o Coetzee, quero ler os romances, mas esse livro de ensaios vou deixar para lá.

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