quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Murakami e a Reverberação da Linguagem (Uma Previsão de Empatia)


Ontem o carteiro me entregou o Norwegian Wood, de Haruki Murakami, e a previsão é que hoje ele me entregue o 1Q84. Fiquei feliz e envaidecido que a tradução da Alfaguara seja direto do japonês e, segundo algumas fontes, mais confiável que as traduções apressadas feitas pelo mercado livreiro dos Estados Unidos ao perceber a emergência de aproveitar os milhões de exemplares vendidos no Japão na ocasião dos lançamentos do autor. Li por longas horas madrugadinas o romance tido como de mestre sobre o amor no final dos anos 60. Pareceu-me que Murakami é por demais convencional e sem muitos arroubos linguísticos, com forte acento da tradição japonesa (e chinesa) de relatar com esmero episódico e com uma poética com suas tipicidades trágicas um tanto anacrônicas para a velocidade da literatura ocidental. Uma narrativa sem experimentalismos de qualquer tipo, bastante convencional. Seu monocromismo me pareceu isento de eufonismo, mas pensei que afinal essa é uma das pretensões declaradas de Murakami, extinguir o beletrismo da ficção japonesa e torná-la eficiente, prática, voltada para algum fim doutrinário de descobrimento espiritual. Também ficou claro para mim a indisposição que vi entre admiradores de Pynchon quanto a Murakami, o desprezo que nutrem por ele: Murakami perto de Pynchon me soa um tanto japonês, um tanto certinho e engomado, como soa estranho o rock japonês e o cinema de ação japonês. Pynchon nasceu antes para a literatura, com uma enorme carga de perigo e inconveniências; já Murakami é um neófilo com um seguro ar de pedantismo oitocentista, suavizado em muito pela decantação da prosa pop. Talvez isso não tenha passado batido para Murakami e essa lentidão démodé tenha lhe incomodado, o que fez com que partisse para o canivete em punho de seu últimos livros fantasiosos e lisérgicos, onde se juntam universos paralelos e releituras de antigos mitos.

Mas, percebo, isso não desmereceu Murakami para mim, e sua leitura segue sendo bastante prazerosa e instrutiva. Com o tempo pode ser que eu veja nele a sua estatura iniludível de mestre, o seu direito certo de grandeza artística. Li apenas umas cem páginas, precipitação escrever essas palavras. O que achei mais libertador é o que me motivou a procurar por ele: a paixão da escrita como um dever e não como um artesanato radical de traços impecáveis. Para um oriental e nipônico isso deve ser um tanto mais difícil, com todas aquelas escolas caligráficas as quais são talvez as encarnações mais singelas do rigor da beleza da escrita. Penso em A Montanha da Alma, o livro de perfeição ofensiva do chinês Gao Xingjian que li há dez anos. Essa aproximação doutrinária da literatura japonesa e chinesa do gesto coreografado deve ter sido uma dura pena a ser superado por Murakami. Por isso é muito bom ver os descuidos tolstoianos de Murakami em usar profusamente os advérbios, a repetição enfática da mesma palavra em um mesmo parágrafo, do favorecimento da expressividade do sentimento sincero e não da disposição enganosa da poesia bombástica, as imagens e metáforas de gosto duvidoso mas sem solenidades e por isso surpreendentemente eficientes (algo como faz genialmente Günter Grass). Murakami na certa vai causar em mim o mesmo que causa os escritores puros, John Fante, Jack Kerouac, Charles Bukowski, Cortázar com seus infinitos defeitos e obsolescências, o mais próximo e amador Marcos Nunes: a grandeza inerente à insuportabilidade que seria abnegar-se da escrita, o que os torna relevantes compulsoriamente. De forma que ler Murakami não deixa de ser uma incrível libertação.

2 comentários:

  1. Nunca li nada dessa carinha aí, mas vi o filme Norwegian Wood, uma história tristíssima que vai de um suicídio a outro enquanto, no meio, uma figura colhe as experiências entre os amigos mortos e faz a passagem da adolscência para algum lugar impreciso em um mundo oriental a meio caminho da ocidentalização, enquanto o oriente permanece ali com um duplo sentido de placidez/contemplação de um lado e exasperação/desespero do outro. Soa tudo estranhão para quem só conhece tais figuras de ler, ouvir e ver importações.

    Tem também uma peça teatral em cartaz aqui no Rio, baseada, se não me engano, nuns contos do autor. Não vi por duas dificuldades: o teatro fica em um shopping em São Conrado, e eu odeio shoppings e São Conrado; tem uns atores globais e isso chama um público chato que lota o teatro e sai dele mais ou menos como entrou: cultuando celebridades.

    Ainda tô tentando entender meu nome lá embaixo, quer dizer, tô tentando captar a ironia sujacente à ligação entre euzinho e os outros carinhas + Murakami. Tem alguma sacanagem aí, mas ainda não descobri qual é, e a qualificação de "amador" talvez me dificulte esse entendimento.

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    1. Não há ironia alguma. Disse até com precisão. O "amador" é apenas uma referência a um outro modo de subsistência econômica que não a da escrita.

      Esses dias assisti, após uns 10 anos, a um programa do Jô em que estava ali uma das atrizes globais dessa referida peça de Murakami. Eu não em animaria a assistir a tal peça nem que me pagassem, mas ver mais essa faceta de aceitação do japonês me apressou a aquisição dessas suas obra. Na entrevista, senti um peso na alma pela evidente senilidade do Jô Soares, quando de uma tentativa apiedante de contar um desses insights que antes era uma possessão ágil e que agora uma simples historieta de elefantes africanos e asiáticos o fez se confundir todo, ficar um tempo dependurado em seu lapso de memória em que um dos diretores teve que acionar as palmas do público constrangido, ou esse se acionou de pura pena, numa reação conjunta. Fiquei depressivo e seriamente decidido a não cometer o erro de ligar a televisão nestes horários impróprios de ultra-realismo.

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