segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Um Presente

Eu postei esse texto aqui ontem, a título de agradecimento ao Luiz que, de todas as outras maneiras virtuais, não conseguia (ou parecia que não conseguia) comunicar-me com ele para informar o recebimento do livro. Como algumas pessoas devem ter visto, o texto durou uma ou duas horas e, logo após, o retirei "do ar". Tocou aqui na cachola o alarme de que talvez eu tivesse me excedido e o humor com propósito simpático era apenas e tristemente um deboche mal educado. Muitas vezes meu nível de alacridade é descompassado ao andamento cotidiano e essas más interpretações acontecem. Mas, ufa!, o Luiz me respondeu por e-mail e deu mostras de que entendeu a brincadeira, me fazendo ver que o exagerado estava sendo eu, por ver assombrações. Posto-o de novo. É uma bobagem! Tirando a parte do agradecimento e a alegria do presente.

Olha, seu eu fosse empresário e me visse enrodado com o mercado livresco, aproveitaria a grande ideia que meu amigo Luiz Ribeiro me mandou, muito provavelmente de forma involuntária, e que me foi entregue hoje pelo carteiro na hora do almoço. Luiz me mandou a primeira edição canadense (Luiz mora em Toronto), em capa dura com sobrecapa radiante, de Sabbath`s Theater, o inigualável grande romance de Philip Roth_ um volume belíssimo, suntuoso! A encomenda veio cercada de mistérios, a começar pelo distante anúncio de Luiz de que iria me presentear com o romance, mas que os meses iam se passando e ele demonstrava certo constrangimento diante a demora da chegada do presente, e eu, a parte passiva prometida, era acometido pelo constrangimento em feedback de ver que o Luiz ficava constrangido pela suspeita levantada de que não poderia corresponder ao trato da oferta. Blog é uma coisa recompensadora; cada um dos que comentam aqui há algum tempo e com certa constância para alimentar a crença de que não são simples visitantes mas leitores do blog, traz uma personalidade própria que me dá a certeza de intimidade, ainda que nós, os leitores e eu, não nos conheçamos pessoalmente. A presença do Luiz nos comentários sempre foi edificante e bastante desejada, não só pelo autor do blog, mas, com certeza, pelos outros quatro frequentadores desse espaço (não ouso dizer que eu esteja no mesmo patamar de sete leitores do Milton Ribeiro), de forma que eu queria, a título de acabar com quaisquer pressões subjetivas, por mais singelas que fossem, arranjar uma maneira de desobrigar o cavalheiro Luiz de cumprir a sua promessa anunciada, acabando, pois, com certas e avoadas atmosferas de que houvesse uma pressão senciente de obrigação de débito. 

Mas como disse, o Luiz é um cavalheiro, e eu já imaginava que seria difícil desmotivá-lo da aventura de mandar um volume pesado por meio mundo, sem que isso deixasse de ser um presente e fosse um rombo em suas contas particulares diante a exorbitante despesa que envio de tal objeto suscitaria. E aqui a segunda parte do mistério: minha esposa recebe a grande caixa quadrada dos correios, enquanto eu estava no banho, e me grita na porta do banheiro: "Quem é essa tal de Barbara Baby, e o que é isso que ela te mandou?". Eu, curioso compulsivo, entremeio a porta e pego o pacote, olho-o assustado, pois o nome do remetente era mesmo Barbara Baby, e a coisa vinha de Brasília. Fico aflito quanto ao tom de voz da Dani, brincalhão mas com aquela brecha de desgraça anunciada em que tudo poderia virar de ponta cabeça se eu, em pleno meio dia, não sustentasse o clima de humor inofensivo e viesse atrapalhar o cotidiano com alguma confissão dramalhona de que eu tinha uma vida secreta incorporada por uma amante com o nome de artista de pole dance. Tento achar algum ponto de contato, mas nada me vem: eu não conhecia ninguém em Brasília que pudesse me mandar uma encomenda de tal porte, nem tampouco uma Barbara Baby. Me enxugo rapidamente e rasgo a caixa para acabar logo com aquilo, e eis que vejo lá o vermelho da pintura do judeu maquiavélico que é a capa mais conhecida mundialmente do Sabbath de Roth, e respiro aliviado. É o Luiz, amor! Respondo. Ela já intui que é coisa do blog. A Dani viveu um período de alucinação em que me achava mais fatal que o Brad Pitt, e tinha uma ciumeira danada; passou; e hoje o melhor exemplo de que curou sua miopia conjugal é que tudo que vem do blog é digno de absoluta confiança (o que tem algo de inerentemente insultuoso, pois na entrada da meia-idade, eu deveria despertar nela ao menos o temor de que alguém pudesse ficar apaixonado por mim pelas minhas ideias...). A Caminhante já me mandou dois livros, e o segundo já me foi entregue pela Dani como da sua amiga de Curitiba. Pois bem, voltando ao assunto, o livro é belíssimo, e imagino que o Luiz solucionou o impasse enviando-o por algum amigo que partiu do Canadá até Brasília e lhe fez o valioso favor de traze-lo na mala e, em consequência, postá-lo do DF até minha cidade, Itapuranga, o que diminui consideravelmente os custos. E esse amigo (ou amiga, o que me parece mais provável), num arroubo de desconfiança ou simples humor do cerrado, usou o pseudônimo de remetente Barbara Baby. Fim do mistério.

O último mistério, e o que despertou meus nunca sonhados dotes empresariais, é que o Sabbath, além de formidável objeto de mesa de centro em sala de estar, também expele um delicioso odor de tutti frutti quando é aberto, por todas as páginas. Repito: todas as quase quinhentas páginas emitem uma suave e acalentadora informação nasal de tutti frutti. Minha filha, que adora cheiros e, principalmente, cheiros de livros, sendo que a primeira coisa que faz quando tem um livro em mãos é cheirá-lo, se embriagou com a novidade e me olhava admirada ao dizer: "Morango! Morango!". E isso me deixou fascinado! Não sei se é uma coleção em que, deliberadamente, o editor quis fazer viajar o leitor para instâncias ainda mais inusitadas que a carga de convoluções que esse Roth traz, através de aromas_ e se for isso, o volume é uma primeira edição (o Luiz sabe mesmo dar presentes), de 1995; em 17 anos o odor não deveria ter se mitigado? A outra hipótese, mais plausível, é que, na mala da Barbara Baby, havia algum outro objeto acompanhante muito próximo do Roth, um perfume, um desodorizador, um creme para pele, uma calcinha comestível (para o caso de que, afinal, realmente exista uma Barbara Baby, com todos os insurgentes esteriótipos que tal verdade inclua), e que tal fragrância tenha cambiado para o livro nas tantas horas em que esses vizinhos ficaram compactados no voo entre Toronto e Brasília. A outra hipótese, um tanto paranoica, é que os shoppings do Canadá tenham um sistema de calefação interna contra os invernos rigorosos e que com isso, algo do brilho mercadológico das lojas se instala osmoticamente em uma transcodificação campesina de frutas em objetos de materiais tão porosos quanto páginas de livros. 

Mas, independente dessas questões, a ideia é fenomenal e deveria ser desenvolvida por alguma editora: pegando o mote dos idiomas aromáticos do Walt Whitman. Livros aromáticos. Imagine ler Thomas Bernhard sentindo odor de canela; Hemingway com odor de daiquiri e abacaxi; Faulkner com um bem tolerável cheiro de couro de boi, ou de suor de cavalo; Thomas Mann com cheiro de neve; Bellow com o cheiro do jardim meio abandonado do Herzog, ou com o odor de apartamento fechado, meio mofo e poeira, do sr. Sammler; Ulysses com cheiro de mar, ou com o perfume da Molly Bloom; Proust com cheiro de madeleines...

Mandei um e-mail pelo bol agradecendo ao Luiz, e abri um endereço de e-mail pelo hotmail (charllesfaulkner@hotmail.com) para também mandar meu agradecimento. Fica aqui, no caso dessas mensagens terem se perdido pela malha ectoplásmica entre dois continentes, mais no mesmo intento: muito obrigado pelo carinho, Luiz! O livro_ junto ao Kobo Abe, que lerei no mês que vem_ é parte indissociável e um dos melhores componentes da minha biblioteca. Forte abraço!

12 comentários:

  1. Que graça! Fiquei feliz em saber que não causo nenhuma briga conjugal ao te mandar carta!

    Os livros que leio comumente têm cheiro - um cheiro muito característico de livros que passaram por muitas mãos.

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    1. Eu adoro o cheiro natural de livros, assim como tudo relacionado a livros antigos e velhos. Tenho velhos livros aqui de uma coleção de Nobel que cheira a mofo e bolor _ comprei-os assim, pois meu cuidado com eles é extremo. E mesmo assim me parecem bons

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  2. No meu Sabbath, o judeu (seu rosto) está virado para o lado direito. E acho lindo aquele vermelho todo na capa - que revela a imagem completa quando aberta.

    Eu tinha estranhado o sumiço. Pensei que tinha IMAGINADO o post, de tanto entrar aqui.

    Mas não, o Charlles estava com medinho...só isso!

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    1. Realmente, fui confirmar: a edição nacional apresenta a pintura invertida. Mas, pelo que diz, você tem a edição mais antiga lançada pela Cia das Letras. A minha, relançamento, a capa é preta, e a pintura só ocupa a capa.

      É... foi medinho.

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  3. Demorou um pouco mas enfim me tornei matéria de um dos posts do blog. Com o almejado fim assegurado posso então aposentar os futuros comentários e partir para Galápagos ou para a ilha de Páscoa. Se bem que a Bárbara Baby merece mais espaço no texto. Confiante de que textos pessoais como esse não despertam interesse em mais ninguém se não naquele de quem ele fala, guardo a identidade da pole dancer Baby. De toda forma as conjecturas levantadas pelo Charlles são com toda probabilidade muito mais interessantes do que a versão oficial dos fatos.
    A fragrância de tuti-fruti que se impregnou no Roth me pegou de surpresa. Aqui em casa as calcinhas comestíveis ficam bem distantes dos livros e, em que se prese a minha memória para essas coisas, nunca compramos as de sabor que puxem para o artificial tuti-fruti ou alguma das frutas vermelhas. No mais, se Roth tivesse cheiro, e se a idéia do Charlles emplacasse de fato, seus romances teriam o aroma de pão Challah, Latkes com creme ou de bolinhos de Matso.

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    1. (Rindo aqui.)

      Não havia me escapado os detalhes de sua observação final. Mas, se não me engano, a aluna com o qual o Sabbath tem aquele longo diálogo de rodapé, era adepta de mascar chicletes de tutti frutti.

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  4. Já pensei mil vezes em mandar cartas ou algo assim pra ti. E no outro dia ia dizer pra que fizesse um @gmail. Converso com pessoas via gtalk, não uso msn. Não o disse pra, sei lá, manter essa distância, q, afinal, tem me rendido bastante (uma pinta de egoísmo aqui). A ideia ainda é mandar algo, cole seu endereço aqui: vai ser mais fácil a minha busca (já vi q postaste esse endereço em outros posts).
    Barbara Baby foi ótima.

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    1. rua 43, n 305, setor central, Itapuranga-Goiás, CEP 76680000
      Charlles Campos.

      (Quando ponho meu endereço aqui, não consigo evitar de lembrar daquela página em Cronópios e Famas em que o remetente coloca uma pata de aranha dentro de um envelope, o sela, e o envia pelos correios para alguém que o deixa imaginando a cara de espanto que terá ao abrir a carta.)

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    2. arbo, li lá o seu belo texto no Impedimento. Deixei um comentário, entre os oitenta que lá estavam.

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    3. (tinha escrito algumas frases ainda na sexta, mas não entraram, não sei por quê. me resumo com um obrigado. ah, lembrei q tinha feito uma piadinha: pelo meu poder de síntese - inexistente -, é provável q eu te mande pernas de centopeias.)

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  5. Oi, Charlles, tudo bom?
    Eu trabalho na Divulgação da Companhia das Letras e queremos enviar para você um de nossos lançamentos... Procurei seu e-mail para contato, mas não encontrei... Você pode escrever para fernanda.dias@companhiadasletras.com.br, por favor?
    Abraço!

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    1. Fernanda, meus e-mails são estes: charllesfaulkner@bol.com.br e charllesfaulkner@hotmail.com

      Abraço!

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