Mais uma vez a espera da data sempre antecipada de outubro em que se revelará o às vezes muito insuspeito ganhador do Nobel de literatura, e mais uma vez a bolsa de apostadores Ladbrokes coloca suas fichas despirocadas em Bob Dylan como o provável vencedor. Ainda que o mundo nunca deixe de estar de ponta cabeça e as ainda mais desmedidas sandices estejam sempre na iminência de acontecer, me parece bastante improvável que, apesar de Dario Fo, os juízes de Estocolmo cometam o desplante de arregaçarem as barras dos fardões, colocarem os pés por sobre a mesa, e ouvindo o revirar das garrafas de whisky vazias pelo piso dos salões da Fundação Nobel (ou assistindo a fumaça vestigial das substâncias mais ilegalmente odoríferas subindo pelos cinzeiros), decidam pegar a cédula ou seja qual método próprio de marcação de voto, e rabiscarem em consenso um "sim" do lado da foto de Dylan, enquanto acompanham em uníssono pelo MP3 a todo volume em cima de uma das veneráveis estantes de cedro (provavelmente a que sustem o busto de Hermann Hesse), o refrão "how many roads must a man walk down before you call him a man?".
Minha veia fiel de roqueiro já maduro, mas que parte do mobiliário espiritual é composto pela catarse dos tempos de juventude em que uma letra de música tinha níveis eclesiásticos de arrebatamento, sabe do enorme valor que Dylan tem como artista superior, seja o que isso queira dizer (o que superior queira dizer), mas não ressente de afirmar sem o mínimo desconforto que o que ele faz não é literatura. É natural que grandes mercados editoriais alimentem esse tipo de paródia criada por parte do público de leitores que leem apenas o trivial de listas de mais vendidos ou de livros descolados da hora, como os mercados ingleses e, sobretudo, o gigante mercado americano; isso, no mínimo, é divertimento na certa para consumidores mais exigentes que sabe discernir sem dificuldade entre um Ian McEwan e E. L. James, ou entre Margareth Atwood e Bono Vox; e, no máximo, é ótima propaganda para as vendas da legítima literatura de qualidade. Ter um quadro de ânsia mundial em torno de quem ganhará o maior prêmio de literatura é algo tão proporcionalmente equivalente quanto a final de um campeonato de futebol. E as honras do bom senso estão asseguradas visto que, entre os apostadores do Ladbrokes, Dylan está em segundo lugar: perde para um escritor que, apesar de eu ainda não o ter lido (me ressinto muito por isso), é alguém de peso e qualidade inegável: Haruki Murakami.
O Brasil, em que as letras são tão pouco efervescentes, ainda assim tem cenário em escala suportável para repetir tais arroubos de uma lisergia militante em que frequentemente apontam Chico Buarque como o escritor mais calcado para receber honrarias e prêmios literários. Como eu poucas as vezes fui exposto à música de Chico em minha fase formativa _ meus amigos de escola gostavam mesmo de tudo que vinha ou se relacionava com o que Dylan fazia, numa ampla gama que englobava os Beatles, Joan Baez, Led Zeppelin, até Jethro Tull_, vejo essa apologia a Chico como uma institucionalização pobre e forçada, firmada em uma espécie de paroxismo de massas em que mesmo o machismo menos condescendente parece se derreter diante os olhos verdes irresistíveis. Vejo o quanto a aposta em Dylan é compreensível para grandes apaixonados mas leitores medianos, assim como vejo o quanto as pessoas que tiveram os ouvidos calibrados pelas letras de Chico dão de ombros e afirmam que se a língua portuguesa não fosse tão periférica, Chico estaria garantido também em Estocolmo.
O fato é que Salman Rushdie deu a melhor explicação para o que representa a letra de rock na cultura escrita e cantada. Tais letras são valiosas, canônicas, no universo íntimo a que se limitam representar, que tem muito mais a ver com encaixes na melodia, atitudes pessoais do cantor, leveza e humor, do que com o distante e inapropriadamente comparativo universo da literatura. Vejo como um reforço ao interesse à literatura as aproximações das histórias em quadrinhos (ou Graphic Novels, em sua nomenclatura que se esforça para ser mais condizente com tal aproximação) com a literatura, ainda que para mim sempre haverá uma enorme distância entre Watchmen, ou Maus, ou Asterios Polyp, e livros como os escritos por Philip Roth e Gunter Grass. Eu gosto muito de quadrinhos e já li estes citados como muitos outros, mas vejo com humor benfazejo e inofensivo que certas revistas coloquem Watchmen entre os cem maiores romances do século passado.
Minhas apostas para o Nobel desse ano estão em Philip Roth _ torço para que eles deixem Javier Marías em paz por bons dez anos, antes de darem-lhe o seu, para a felicidade do que virá da pena dele sem as intervenções notórias do enfado da criação que advém com o prêmio_, mas me imagino inabalável se as expectativas mais malucas se confirmarem e as editoras tenham que preparar as pautas e as capas enseladas dos Poemas Escolhidos de Bob Dylan.
Achei você dizer que é rockeiro maduro redundante. Todo roqueiro é um velho querendo ainda se sentir pauzudo (depois 9:23):
ResponderExcluirhttp://youtu.be/WlTgK5_RE7o?t=9m30s
Você está certa. Restart não é o que pode-se dizer roqueiro.
ExcluirMiranda? Prefiro chegar à velhice mais como esse aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=3V_N4WUDH1c
(transava até com arvore!)
E, falando em dinossauros, ri à beça com isso aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=ggpGKgyIUkk
Tem aquelas letras do Caetano Veloso imitando a sistemática dylanesca de começar um assunto por uma boutade poética e ir puxando fio misturando citações literárias com comentários acerca de fatos cotidianos numa espiral porralouqtenta pseudoprofunda e um tantinho sonsa. Se a fundação der um prêmio para Dylan estará só brincando de misturar erudito & popular, como o próprio Dylan fazia, ou ainda faz, sei lá (quantas pessoas ainda ouvem e leem os discos dele?)
ResponderExcluir... E isso acaba por matizar o valor que o artista tenha. Dos cantores brasileiros, gosto muito do Milton Nascimento (até porque é o menos deslumbrado consigo mesmo e o que a mídia e a platéia puxam menos o saco_ e, em termos artísticos, o melhor),e me simpatizo com alguma coisa do Caetano. Mas não suporto Chico Buarque: tentei esforçadamente gostar dele; me submeti a maratonas de ouvir sua discografia, mas não deu. Devo ter a mesma incapacidade patológica que Tolstói tinha quanto a Shakespeare em ver apenas uma capenguice artística onde todos veem genialidade.
ExcluirInúmeras vezes fui repreendido por dizer que Chiquitito, Legião Urbana, Caetano, ENGENHEIROS DO HAVAI (mais perdidos na porralouquice que Dylan e Caetano juntos)são das maiores enganações da cultura brasileira. Neste fim de semana mesmo, discuti o assunto numa roda de amigos, quase sendo linchado amigavelmente.
ResponderExcluirAh, tem outra banda que entra nesse grupo seleto: Los Hermanos. Acho até que os fãs são piores, mas a mala do grupo é gigantesca.
Se o Roth não ganhar desta vez, é capaz de morrer sem recebê-lo hein...
Difícil ouvir Los Hermanos. Gosto apenas do "Ana Julia", que, esnobes, eles rejeitam, e foi a melhor coisa que fizeram.
ExcluirRoth merece o prêmio. Se não ganhar, vai ser uma das grandes injustiças da academia.
Depois de muito tempo sem ouvi-los, no domingo escutei o Ventura (3º disco dos LH) inteiro. eu acho mto bom. gosto muito da banda, devo ter ido nuns dez shows, tenho os 4 cds - mas entendo quem se incomoda com um certo auê q fazem por aí, MAS acho inevitável e não culpa dos caras.
Excluiroutra banda de q gosto mto é mombojó, mas eles nunca mais vieram pra cá e eu não tenho mais acompanhado...