domingo, 23 de setembro de 2012

Bob Dylan, Poeta Laureado


Mais uma vez a espera da data sempre antecipada de outubro em que se revelará o às vezes muito insuspeito ganhador do Nobel de literatura, e mais uma vez a bolsa de apostadores Ladbrokes coloca suas fichas despirocadas em Bob Dylan como o provável vencedor. Ainda que o mundo nunca deixe de estar de ponta cabeça e as ainda mais desmedidas sandices estejam sempre na iminência de acontecer, me parece bastante improvável que, apesar de Dario Fo, os juízes de Estocolmo cometam o desplante de arregaçarem as barras dos fardões, colocarem os pés por sobre a mesa, e ouvindo o revirar das garrafas de whisky vazias pelo piso dos salões da Fundação Nobel (ou assistindo a fumaça vestigial das substâncias mais ilegalmente odoríferas subindo pelos cinzeiros), decidam pegar a cédula ou seja qual método próprio de marcação de voto, e rabiscarem em consenso um "sim" do lado da foto de Dylan, enquanto acompanham em uníssono pelo MP3 a todo volume em cima de uma das veneráveis estantes de cedro (provavelmente a que sustem o busto de Hermann Hesse), o refrão "how many roads must a man walk down before you call him a man?".

Minha veia fiel de roqueiro já maduro, mas que parte do mobiliário espiritual é composto pela catarse dos tempos de juventude em que uma letra de música tinha níveis eclesiásticos de arrebatamento, sabe do enorme valor que Dylan tem como artista superior, seja o que isso queira dizer (o que superior queira dizer), mas não ressente de afirmar sem o mínimo desconforto que o que ele faz não é literatura. É natural que grandes mercados editoriais alimentem esse tipo de paródia criada por parte do público de leitores que leem apenas o trivial de listas de mais vendidos ou de livros descolados da hora, como os mercados ingleses e, sobretudo, o gigante mercado americano; isso, no mínimo, é divertimento na certa para consumidores mais exigentes que sabe discernir sem dificuldade entre um Ian McEwan e E. L. James, ou entre Margareth Atwood e Bono Vox; e, no máximo, é ótima propaganda para as vendas da legítima literatura de qualidade. Ter um quadro de ânsia mundial em torno de quem ganhará o maior prêmio de literatura é algo tão proporcionalmente equivalente quanto a final de um campeonato de futebol. E as honras do bom senso estão asseguradas visto que, entre os apostadores do Ladbrokes, Dylan está em segundo lugar: perde para um escritor que, apesar de eu ainda não o ter lido (me ressinto muito por isso), é alguém de peso e qualidade inegável: Haruki Murakami.

O Brasil, em que as letras são tão pouco efervescentes, ainda assim tem cenário em escala suportável para repetir tais arroubos de uma lisergia militante em que frequentemente apontam Chico Buarque como o escritor mais calcado para receber honrarias e prêmios literários. Como eu poucas as vezes fui exposto à música de Chico em minha fase formativa _ meus amigos de escola gostavam mesmo de tudo que vinha ou se relacionava com o que Dylan fazia, numa ampla gama que englobava os Beatles, Joan Baez, Led Zeppelin, até Jethro Tull_, vejo essa apologia a Chico como uma institucionalização pobre e forçada, firmada em uma espécie de paroxismo de massas em que mesmo o machismo menos condescendente parece se derreter diante os olhos verdes irresistíveis. Vejo o quanto a aposta em Dylan é compreensível para grandes apaixonados mas leitores medianos, assim como vejo o quanto as pessoas que tiveram os ouvidos calibrados pelas letras de Chico dão de ombros e afirmam que se a língua portuguesa não fosse tão periférica, Chico estaria garantido também em Estocolmo.

O fato é que Salman Rushdie deu a melhor explicação para o que representa a letra de rock na cultura escrita e cantada. Tais letras são valiosas, canônicas, no universo íntimo a que se limitam representar, que tem muito mais a ver com encaixes na melodia, atitudes pessoais do cantor, leveza e humor, do que com o distante e inapropriadamente comparativo universo da literatura. Vejo como um reforço ao interesse à literatura as aproximações das histórias em quadrinhos (ou Graphic Novels, em sua nomenclatura que se esforça para ser mais condizente com tal aproximação) com a literatura, ainda que para mim sempre haverá uma enorme distância entre Watchmen, ou Maus, ou Asterios Polyp, e livros como os escritos por Philip Roth e Gunter Grass. Eu gosto muito de quadrinhos e já li estes citados como muitos outros, mas vejo com humor benfazejo e inofensivo que certas revistas coloquem Watchmen entre os cem maiores romances do século passado.

Minhas apostas para o Nobel desse ano estão em Philip Roth _ torço para que eles deixem Javier Marías em paz por bons dez anos, antes de darem-lhe o seu, para a felicidade do que virá da pena dele sem as intervenções notórias do enfado da criação que advém com o prêmio_, mas me imagino inabalável se as expectativas mais malucas se confirmarem e as editoras tenham que preparar as pautas e as capas enseladas dos Poemas Escolhidos de Bob Dylan.

7 comentários:

  1. Achei você dizer que é rockeiro maduro redundante. Todo roqueiro é um velho querendo ainda se sentir pauzudo (depois 9:23):

    http://youtu.be/WlTgK5_RE7o?t=9m30s

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    1. Você está certa. Restart não é o que pode-se dizer roqueiro.

      Miranda? Prefiro chegar à velhice mais como esse aqui:

      http://www.youtube.com/watch?v=3V_N4WUDH1c

      (transava até com arvore!)

      E, falando em dinossauros, ri à beça com isso aqui:

      http://www.youtube.com/watch?v=ggpGKgyIUkk

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  2. Tem aquelas letras do Caetano Veloso imitando a sistemática dylanesca de começar um assunto por uma boutade poética e ir puxando fio misturando citações literárias com comentários acerca de fatos cotidianos numa espiral porralouqtenta pseudoprofunda e um tantinho sonsa. Se a fundação der um prêmio para Dylan estará só brincando de misturar erudito & popular, como o próprio Dylan fazia, ou ainda faz, sei lá (quantas pessoas ainda ouvem e leem os discos dele?)

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    1. ... E isso acaba por matizar o valor que o artista tenha. Dos cantores brasileiros, gosto muito do Milton Nascimento (até porque é o menos deslumbrado consigo mesmo e o que a mídia e a platéia puxam menos o saco_ e, em termos artísticos, o melhor),e me simpatizo com alguma coisa do Caetano. Mas não suporto Chico Buarque: tentei esforçadamente gostar dele; me submeti a maratonas de ouvir sua discografia, mas não deu. Devo ter a mesma incapacidade patológica que Tolstói tinha quanto a Shakespeare em ver apenas uma capenguice artística onde todos veem genialidade.

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  3. Inúmeras vezes fui repreendido por dizer que Chiquitito, Legião Urbana, Caetano, ENGENHEIROS DO HAVAI (mais perdidos na porralouquice que Dylan e Caetano juntos)são das maiores enganações da cultura brasileira. Neste fim de semana mesmo, discuti o assunto numa roda de amigos, quase sendo linchado amigavelmente.

    Ah, tem outra banda que entra nesse grupo seleto: Los Hermanos. Acho até que os fãs são piores, mas a mala do grupo é gigantesca.

    Se o Roth não ganhar desta vez, é capaz de morrer sem recebê-lo hein...

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    1. Difícil ouvir Los Hermanos. Gosto apenas do "Ana Julia", que, esnobes, eles rejeitam, e foi a melhor coisa que fizeram.

      Roth merece o prêmio. Se não ganhar, vai ser uma das grandes injustiças da academia.

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    2. Depois de muito tempo sem ouvi-los, no domingo escutei o Ventura (3º disco dos LH) inteiro. eu acho mto bom. gosto muito da banda, devo ter ido nuns dez shows, tenho os 4 cds - mas entendo quem se incomoda com um certo auê q fazem por aí, MAS acho inevitável e não culpa dos caras.
      outra banda de q gosto mto é mombojó, mas eles nunca mais vieram pra cá e eu não tenho mais acompanhado...

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