quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Uma Reversão da Panóptica



Claudio Magris escreve que em sua visita à cidade de Grein encontrou uma prisão construída ao lado de um velho teatro. Os detentos podiam "olhar o espetáculo através das grades, purificando aristotelicamente as suas almas de criminosas paixões". Pelo restante do dia essa imagem me toma por completo. Vejo os rostos  calados observando através das traves o pequeno lance de palco que a lua iluminando a histórica cidade favorece com intimistas tons de azul. Mistura de Edmond Dantés e as sombras confidentes de Rembrandt, da escuta da história da humanidade através das conversas com o abade Faria, e o velho filósofo sentado em paz resignada debaixo da escada de sua humilde casa. Os assassinos, ladrões, pervertidos sexuais, apaziguados por um momento na hora em que os atores lá embaixo vão transcender o papel em fingirem ignorá-los, mas que repetirão a apresentação àquele público impossibilitado de saír da própria clandestinidade. No silêncio da trégua aos jogos de azar e às lembranças de seus sentenciosos momentos de excesso de vida, verão a impetuosidade das tragédias pessoais revestida naquelas variadas versões da violência humana. Shakespeare, Beckett, Sófocles, Shaw, Pirandello... Uma panóptica ao avesso, já que quem vão assistir serão os presos. Imagino essa técnica de reeducação jurídica espalhada pelo mundo, ao lado de cada prisão um teatro, com janelas estrategicamente construídas para suportar ambas uma astuta espontaneidade de aprendizado lírico. Vem-me em mente as lembranças de Brodski recolhendo as cartas que os presos atiravam por sobre os muros para o pátio da fábrica em que trabalhava, e a sua comprometida entrega destas para as esposas e os jornais clandestinos; Elias Canetti morando por três anos próximo ao presídio de loucos, ouvindo-lhes os murmúrios, as risadas, os gritos, de tal forma que tece seu grande romance com o que aprendera da impropriedade de atribuir-se a falácia social e filosófica da razão; o conto de Tchécov em que a aposta prestes a ser concluída, em que o vitorioso conseguira se manter trancado por trinta anos num quarto, ocupado a ler todos os livros, é interrompida momentos antes por este ver que todo o conhecimento humano é leviano, descabível, supérfluo, mentiroso, o que o leva a abandonar o quarto e sumir no mundo. Não seria levar a arte a seu limite extremo? A saturação diante a exposição franca daquilo que não tem conserto, ao determinismo da queda? Isso avalizaria ainda mais o crime para essa audiência específica, que aprenderia também pela arte sobre a regência da violência desmedida, fazendo-os mais violentos? Ou a faria se converter na espiritualidade de presos políticos, para os quais o destino reserva encontros com poetas bem intencionados que sempre lhes farão chegar as mensagens aos receptores pretendidos?

5 comentários:

  1. Acho q por causa do posto abaixo, novamente me soou miltoniano, essa coisa de ter pensamentos tão SABOREADOS ao longo de uma caminhada numa rua movimentada ou de um dia ÚTIL.

    Domingo foi noticiado, presos, em Caxias do Sul, fazendo "justiça" com próprias mãos, pernas e outros instrumentos, contra um suposto pedófilo. A panóptica (ou o panóptico? Acabei de aprender a palavra) servindo de plateia pra teatro de arena, os outros presos (e as câmeras fazendo a vez de nossos olhos) como espectadores do espetáculo que os justiceiros realizavam.

    A gente aqui fora tbm está atrás de grades.
    /
    Ninguém quer uma câmera ligada em sua própria casa.

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  2. Arbo, eu fiz um curso de Defesa Pessoal para Mulheres com um policial. Ele pretendia fazer um modulo mais avançado, já que o curso é dado há anos e provavelmente teria um número suficiente de alunas. Aí ele comentou comigo (e todos os presentes) que pretendia passar para as alunas desse novo curso o que acontece com um estuprador quando ele vai para a cadeia.

    Deixa a conclusão do pensamento com vocês.

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  3. Mas é claro, ou pelo menos faz sentido pra mim, o senso de justiça deles, ou da maioria de nós, análogo à força, ao poder...
    sem isso não haveria nem estupradores nem estupro de estupradores.

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  4. Eu morei em Cuiabá por quase sete anos. O programa líder de audiência no horário de almoço é um policial mondo cane (Cadeia Neles, TV Record). 100% dos televisores do presídio se ligam nesse, hum, telejornal. O apresentador, na minha época, chamava-se Lino Rossi.

    Um dia foi preso um acusado de estupro seguido de morte. A vítima era uma garota de 13 anos. O Cadeia Neles nesse dia foi praticamente um especial sobre o caso. No encerramento do programa, Lino Rossi disse:

    - Bom apetite, Carumbé.

    Já falei que é um programa líder de audiência no horário de almoço? Ah, falei.

    Carumbé é o nome do presídio em Cuiabá. Terminou assim a história desse sujeito, alcunhado como Índio: ele literalmente foi esfolado dentro do presídio. A história de Lino Rossi tem alguns capítulos a mais.

    O corajoso justiceiro da TV se elegeu deputado federal. Tornou-se nacionalmente conhecido de vocês: ele é o parlamentar líder da máfia sanguessuga (superfaturamento de ambulâncias) junto à empresa Planam.

    Fábio Carvalho

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