Tomas Tranströmer, Nobel de Literatura de 2011 |
Eu estava torcendo para Philip Roth ou Cees Nooteboom. Mas Prêmio Nobel de Literatura parece que só existe para frustrar toda e qualquer expectativa. Já até ouço o sorrisinho dos acadêmicos de Estocolmo, diante mais um ano de total desbaratino e surpresa com o nome do laureado. Nunca ouvi falar no poeta sueco Tomas Tranströmer, o ganhador anunciado hoje. Vai ser fácil um monte de gente dizer que não passa de mais uma das singelas falcatruas da academia, mas vou esperar para ver.
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Aqui vão quatro poemas de Tomas Tranströmer na tradução de João Luís Barreto Guimarães:
HISTÓRIAS DE MARINHEIROS (1954)
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Aqui vão quatro poemas de Tomas Tranströmer na tradução de João Luís Barreto Guimarães:
HISTÓRIAS DE MARINHEIROS (1954)
Há dias de inverno sem neve em que o mar é parente
de zonas montanhosas, encolhido sob plumagem cinza,
azul só por um minuto, longas horas com ondas quais pálidos
linces, buscando em vão sustento nas pedras de à beira-mar.
Em dias como estes saem do mar restos de naufrágios em busca
de seus proprietários, sentados no bulício da cidade, e afogadas
tripulações vêm a terra, mais ténues que fumo de cachimbo.
(No Norte andam os verdadeiros linces, com garras afiadas
e olhos sonhadores. No Norte, onde o dia
vive numa mina, de dia e de noite.
Ali, onde o único sobrevivente pode estar
junto ao forno da Aurora Boreal escutando
a música dos mortos de frio).
***
Uma árvore anda de aqui para ali sob a chuva,
com pressa, ante nós, derramando-se na cinza.
Leva um recado. Da chuva arranca vida
como um melro ante um jardim de fruta.
Quando a chuva cessa, detém-se a árvore.
Vislumbramo-la direita, quieta em noites claras,
à espera, como nós, do instante
em que flocos de neve floresçam no espaço.
***
DESDE A MONTANHA (1962)
Estou na montanha e vejo a enseada.
Os barcos descansam sobre a superfície do verão
. «Somos sonâmbulos. Luas vagabundas.»
Isso dizem as velas brancas.
«Deslizamos por uma casa adormecida.
Abrimos as portas lentamente.
Assomamo-nos à liberdade.»
Isso dizem as velas brancas.
Um dia vi navegar os desejos do mundo.
Todos, no mesmo rumo – uma só frota.
«Agora estamos dispersos. Séquito de ninguém.»
Isso dizem as velas brancas.
***
PÁSSAROS MATINAIS (1966)
Desperto o automóvel
que tem o pára-brisas coberto de pólen.
Coloco os óculos de sol.
O canto dos pássaros escurece.
Enquanto isso outro homem compra um diário
na estação de comboio
junto a um grande vagão de carga
completamente vermelho de ferrugem
que cintila ao sol.
Não há vazios por aqui.
Cruza o calor da primavera um corredor frio
por onde alguém entra depressa
e conta como foi caluniado
até na Direcção.
Por uma parte de trás da paisagem
chega a gralha
negra e branca.
Pássaro agoirento.
E o melro que se move em todas as direcções
até que tudo seja um desenho a carvão,
salvo a roupa branca na corda de estender:
um coro da Palestina:
Não há vazios por aqui.
É fantástico sentir como cresce o meu poema
enquanto me vou encolhendo
Cresce, ocupa o meu lugar.
Desloca-me.
Expulsa-me do ninho.
O poema está pronto.
Só não digo que não o conhecia de nome porque no ano passado ele já aparecia como possível ganhador. Mas vai se tornar mais um entre tantos nobéis desconhecidos, que permanecerão desconhecidos. E sempre vai ter um sabichão dizendo, "ó, só os desinformados não conheciam".
ResponderExcluirMancada das editoras em não publicá-lo ainda, já que o nome dele vinnha sendo citado.
Achei muito bom esses poemas aí de cima, Cassionei. Mas nunca havia ouvido falar do nome dele.
ResponderExcluirAbraço.
Tirado do G1: "O representante do comitê disse que Tranströmer foi premiado porque "através de suas imagens condensadas e translúcidas, ele nos oferece um novo acesso à realidade"."
ResponderExcluirEu sou o único que pensa que Augusto dos Anjos merecia também um prêmio Nobel? Ele me parece muito mais erudito e emocionalmente forte que Tranströmer. Acho que qualquer autor impressionista bom nos oferece um "novo acesso à realidade". Se eu estiver enganado, peço correção.
Se Dario Fo foi agraciado com os louros suecos, por que não Augusto dos Anjos? Põe o imortal Merval Pereira na roda também.
ResponderExcluirFariam companhia ao também lauriado Neruda, o bardo latino-americano.
Aliás li recentemente uma nota no último livro do Zizek que me fez crescer ainda mais a antipatia por Neruda. Parece que o bardo fez parte do corpo diplomático do Chile no Ceilão lá pelos idos dos 70. Zizek comentava a estrutura de casta das civilizações indo-arianas e comparava a casta dos intocáveis com os excluídos da sociedade de mercado. Na nota ele comenta uma crônica de Neruda que nada menos é que uma crônica de estupro. Ao chegar no Ceilão, Neruda ficara maravilhado como a sua latrina (ausente de sistema sanitário) era magicamente esvaziada todas as manhãs por uma entidade misteriosa. A fim de desvendar o mistério ele finca guarda junto ao "lavabo" e espreita nada menos que Sita encarnada, a intocável que, ignorando o liricismo de Neruda, segue fazendo o seu ofício de admnistradora excremental sem atentar para os apelos de comunicação do poeta.
"One morning, I decided to go all the way. I got a strong grip on her wrist and stared into her eyes. There was no language I could talk with her. Unsmiling, she let herself be led away, and was soon naked in my bed. Her waist, so very slim, her full hips, the brimming cups of her breasts, made her like one of the thousand-year-old sculptures from the south of India. It was the coming together of a man and a statue. She kept her eyes wide open all the while, completely unresponsive. She was right to despise me. The experience was never repeated."
Das memórias do laureado Neruda. Vai entender a academia. Premia o piegas e o cafajeste.
Me deu vontade de ler esse novo livro. Estou agora com Visão em Paralaxe na mesa, mas antes tenho que ler De Castelo em Castelo, do magnífico Céline, que desde muito ensaio ler.
ResponderExcluirFiquei imaginando o quanto deve ser lúcido o desencanto de Zizek nessa passagem sobre o Neruda. Se houver um Hádes para os escritores latino-americanos, Neruda e Márquez terão direito de levar sua cota de duzentas chibatadas por dia por seus sérios crimes de omissão. Neruda, francamente, é ridículo. Já li, como todo latino-americano na adolescência, quase todos os livros dele. Canto Geral foi um tijolo de tédio que tive de digerir, por achar que minha insuficiência de cultura que era culpada pela indigestão sentida. O mais hipócrita dos escritores, e isso tem um agravante indisculpável por ser um poeta. Há de se esperar maior dignidade de um poeta. Maiakóvski suicidou quando presentiu que seu longo panegírico a Lênin estava aos poucos sendo violentado pela história. Já se disse que Neruda é o Whitman de nossas terras, o que é um pecado ainda maior ao maior dos poetas em lingua inglesa.
Em Canto Geral, em meu volume roubado de uma livraria, minha incipiente versão adolescente sublinhou de cabo a rabo uma de suas cartas em verso a um dos poetas amigos exilados. "Nossa época exige poetas de ombros largos", escreve. Que hipócrita; alguém que mesmo Márquez descreve como um glutão, que ensejava versos como se fossem produtos orgânicos, escrevendo suas pobres elucubrações abstratas em guardanapos, em forros de mesa. Bródski o destrói em uma linha em um de seus ensaios em Menos que Um, citando o quanto seu automatismo vazio, gratúito, leviano, mostrava o quanto era chato raso. Por isso, suponho que as palavras de Zizek não devam poupá-lo muito.
Garcia Márquez também é um de nossos maiores escritores apolíticos, sem ideias, narrador puro morto desde sempre para qualquer conteúdo substancial ensaístico. Por isso minha admiração a Llosa que, mesmo que na contramão, tem mais escopo que esses caras.
João, estás absolutamente certo, mesmo na visão deste que te fala que pouco conhece os autores nacionais.
ResponderExcluirOs poemas são excelentes. Se pressente a alma do grande pássaro. O problema é a tradução do sueco para o português...
ResponderExcluirEmbora discorde, em muito, de suas posições ideológicas, creio que, entre nós, só há um tradudor possível para os poemas de Tomas Tranströmer ao português: Janer Cristado, que possui profundo conhecimento do sueco... e é uma excelente pena... no português.
errata: Janer Cristaldo.
ResponderExcluirSão bons os poemas, só não sei se justificam um prêmio, mas a Fundação Nobel distribui seus favores como expressão de um pensamento político determinado, conservador. Logo, é irrelevante, ou é relevante somente como obstáculo a ser ultrapassado.
ResponderExcluirMUTAÇÕES
ResponderExcluirby Ramiro Conceição
É hora de partir…
Então vá… filhinho meu;
é a sua primeira viagem…
mas, por favor, volte.
É hora de partir…
Então vá… menino meu;
é a sua segunda viagem…
mas, por favor, volte.
É hora de partir…
Então vá… filho... seu;
é a sua terceira viagem
mas, se possível, volte…
Depois de tanto tempo,
é hora de voltar…
Então vim… meus pais;
eis meu retorno… possível.
É hora de ficar
à memória de meus pais…
É tempo… de chegar;
bem-vindo… filho meu!
PS:
devo à Caminhante, que me enviou “HORA DE PARTIR”.
http://www.youtube.com/watch_popup?v=MQzldrC870s