domingo, 11 de janeiro de 2015

Leck mich im Arsch



Nos extras da edição em blu-ray dos 30 anos de O sentido da vida, há um vídeo de 1 hora de duração feito no ano passado em que os python fazem uma mesa redonda onde se dedicam a falar livremente sobre vários assuntos. Estão sentados em uma pequena sala em Londres, John Cleese, Michael Palin, Terry Jones e Terry Gilliam, enquanto em um monitor de tv colocado ao centro aparece on-line um Eric Idle com os olhos inchados pelo fuso horário de ter que acordar às 3 da manhã em sua casa nos EUA. É uma dessas ocasiões em que se sente a nostalgia antecipada de estar vivendo talvez um último momento histórico promovido por esses artistas inigualáveis e intelectuais do humor para os quais chamá-los de revolucionários é recair em um clichê empobrecido. Ainda que essa tristeza que o expectador sente diante a impossibilidade de resgatar essa uma hora do efêmero parece não ser sentida pelos 5 septuagenários ali presentes, pois estes falam e contam piadas e relembram com um poder mental que não equivale ao prejulgamento de suas idades, e planejam fazer um filme com os sketches não filmados de O sentido da vida. O grupo fala que grande parte do que fizeram seria impossível de ser feito hoje em dia, devido ao politicamente correto. Cleese diz sobre seu espanto da primeira vez que lhe falaram que  o sketche Ministry of Silly Walks seria condenado por ser ofensivo aos deficientes físicos, ou de que a cena do papagaio morto seria uma apologia à violência contra animais. E Gilliam diz que o mundo atual padece de uma indeterminação, de um anuviamento, em que as pessoas, por terem somente noções indeterminadas de pre-conceitos, usam julgamentos exacerbados como escudo de prevenção contra a falta de conteúdos gerais.

Assim como recentemente vi em uma entrevista com o Mario Vargas Llosa, eles, como o escritor peruano, demonstram uma total indiferença quanto à morte, o que configura a todos uma tardia  e perpétua juventude na qual cabe uma série de planejamentos futuros. Eric Idle diz que espera não haver uma vida após a morte, com a qual se revelaria muito cansado; já Cleese, que parece ser o eterno enfant terrible do grupo, diz não descartar a hipótese, e põe-se a narrar, com uma erudição prodigiosa, sobre experiências científicas de consciência além do corpo, ao mesmo tempo que ridiculariza o ateísmo desesperadamente iconoclasta de gente como Richard Dawkins. Cada um dos python conserva uma inocência, uma predisposição ao assombro, um maravilhamento, de tal forma que parece que tentam controlar isso para que a espontaneidade do momento não sobressaia à astúcia de terem de se mostrar bem situados na maturidade. No final, um deles diz que seria bom tornarem a se encontrar todos juntos novamente, mas dessa vez sem as câmeras, ao que um outro, com uma ironia sempre provocadora, responde: "Mas daí qual seria o sentido?"

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Alguns tem dito sobre a grosseria das charges da Charlie Hebdo. São desenhos mesmo os mais grosseiros e muitas vezes sem a mínima calibragem de humor e bom gosto. Causariam repulsa se, ao mesmo tempo, não houvesse a clara evidência de serem deliberadamente idiotas e infantis. Uma charge* como a que acabo de ver, em que a trindade cristã é representada em uma atitude escatológica que parece ter nascido de uma criança de 7 anos paupérrima em saúde mental, só poderia suscitar discussões sérias a respeito se fosse um produto isolado, uma exceção. Acontece que toda a temática da Charlie Hebdo é essa: a da iconoclastia sem método, sem charme, sem compostura, sem sutileza, propositalmente sem inteligência. A infâmia pela infâmia. E aqui, os críticos que caem na relativização dos atentados ao colocarem a culpa no barbarismo iconoclasta dos chargistas, críticos estes que se julgam muito cultos e conhecedores do que é bom gosto em termos de cultura, revelam uma drástica limitação, pois parecem desconhecer a verdade de que a grosseria, o mau gosto, está na raiz não só da cultura, mas da alta cultura. Se a Charlie apresenta um personagem santo, ou o próprio deus, na situação inconcebível de ter o ânus penetrado seja por um triângulo de luz, seja por qual objeto for, a memória do douto defensor de que os desenhistas de uma tal descompostura fizeram por merecer o destino que tiveram, deveria se lembrar de James Joyce, Rabelais, Shakespeare, Mozart, Dostoiévski, Petrônio, Pynchon, Gunter Grass, e uma série interminável de outros criadores.

James Joyce, não só em suas cartas a Nora Barnacle, que talvez sejam pessoais demais para serem exemplos de "mau gosto", mas em várias passagens de Ulisses. Eu poderia citar vários exemplos de grosseria em Ulisses, mas me limito a uma mesma cena de penetração anal por uma leguminosa no capítulo final da parte 2, capítulo esse recheado de situações com o mínimo do mínimo de etiqueta e bom gosto. Rabelais, em um dos capítulos iniciais de Gargântua, faz seu gigante promover um longo discurso sobre qual a tecitura ideal para um limpador de bunda perfeito. Shakespeare é, conforme Tolstói disse em um saboroso ensaio a respeito, o exemplo talvez máximo das letras do que seja o mau gosto e a ausência de finesse. Mozart tem em seu catálogo, extenso em peças obscenas, um cânone para seis vozes intitulado Leck mich im Arsch (Lamba meu cu). Dostoiévski é povoado de personagens grosseiros, como os que promovem uma cena em O idiota de cuspes mútuos. Quem aguentar ler as primeiras páginas de Satyricon sem embrulhar o estômago merece um prêmio, principalmente as descrições de um banquete em que sobressaem vulvas de todos os gêneros cortadas e coladas por cima de porcos assados e sobremesas exuberantes; e Petrônio foi um dos escritores preferidos de Nietzsche. Pynchon escreveu uma das mais grotescas (e talvez única) cena de coprofagia da história da literatura, entre as tantas desfaçatezes que escreveu em seus livros. Gunter Grass nem se fala. Garcia Márquez nem se fala.

É uma desculpa à apologia ao terrorismo dizer que o mau gosto justifica o massacre. É tão grosseiro ver a gritante desumanidade de um argumentos destes, que a mente esclarecida passa a enxergar o quanto uma revista como a Charlie Hebdo é imprescindível. Gente como o cartunista Latuff, como alguns outros oportunistas que pegam carona para se promoverem com o fato, dizendo que jamais trabalharia na Charlie Hebdo, e expedindo um discurso pseudo-engajado cheio de tons pomposos. Personificam o islã como vítima ao mesmo tempo em que não veem a incoerência de representarem o islã nos terroristas ao relativizar-lhes a culpa. Não tem o bom senso de afirmarem que os que professam com seriedade a religião de Maomé nada tem a ver com esses terroristas, mas confundem ainda mais o discurso de suas cartilhas de correção política ao condenarem os cartunistas massacrados, porque eles mexeram indevidamente com o islã. Se fosse em um tribunal de júri, eles seriam as principais testemunhas de acusação contra o islã, e não seus defensores, como supõem. Em contraposição a essa pelica exagerada, a essa assepsia do toque, a essa intelectualidade de salão que vemos no Brasil, uma revista como a Charlie Hebdo é um soco no estômago desses esnobes oportunistas, esses carniceiros engajados em sobrepujarem a falta de talento com suas vozes de carpideiras solenes. O que sobra disso tudo é que a Charlie Hebdo passa a ser um ícone de genialidade, fundamentada pela prova de que o riso é muito mais perigoso do que a doença dos que não sabem rir e tem uma exagerada noção de suas importâncias; passa a ter a próxima tiragem, de uns poucos mil, para mais de um milhão, e reforça a até então indeterminada função exercida de ser o sub-consciente livre de uma sociedade cada vez mais obstruída pelo enrijecimento mental. É claro que alguém como o Latuff jamais trabalharia lá.

* Ao ver um desses cartuns da revista, me voltou na lembrança a época em que eu tinha verdadeiro horror diante a proibição taxativa na Bíblia de que o único pecado realmente sem perdão era blasfemar contra o espírito santo. Poderia-se fazer tudo, matar, desejar a mulher do próximo, traficar drogas, cometer um genocídio, que bastava pedir perdão à misericórdia divina e estaria tudo resolvido, mas se a mente incauta, ainda mais com o cérebro diabolicamente provocado pela sentença, resolvesse associar o espírito santo a um xingamento, aí seria só esperar o inferno para toda a eternidade. Passei por verdadeiros martírios com isso, pois por mais que vivesse me policiando, uma vozinha em meu interior debulhava um sem número de imagens inenarráveis em que o espírito santo aparecia metido em todo tipo de putaria e viadagens.

32 comentários:

  1. "...mas se a mente incauta, ainda mais com o cérebro diabolicamente provocado pela sentença, resolvesse associar o espírito santo a um xingamento, aí seria só esperar o inferno para toda a eternidade."

    Challes, vivi exatamente isso, muitas vezes, entre os 9-10 anos.

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    1. Taí um segundo melhor nome para uma banda de rock, "Companheiros de Danação". Só perde para "Psicopatas do Forró".

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  2. Os adjetivos são as palavras mais vagabundas, mais fáceis de se desfazer e depois fingirmos que nunca aconteceram. Eu não gosto muito de conversar sobre essas situações horríveis porque -- é sempre inevitável, seja em conversas cara-a-cara ou internet adentro, se bem que a coisa é mais comum no segundo caso, as ditas redes sociais e tal -- porque a reação dominante é sempre uma espécie de autoadjetivação, sempre com ser + qualquer coisa para ser pró: eu-sou-Charlie, eu-não-sou-Charlie, eu-sou-Baga, somos-todos-palestinos, somos-todos-Amarildos etc. Alguns casos são mais nojentos pra mim: quando o Boko Haram sequestrou aquelas meninas, o mundo gritou nós-somos-as-mães-das-meninas-raptadas através do comando bring-back-our-girls -- mas não são mesmo nossas filhas, são? se fossem, esqueceríamos delas algumas semanas depois e voltaríamos a chafurdar no tédio do entre-catástrofes no twitter e no facebook?

    Eu não sou Charlie Hebdo -- eu estou vivo. Sinto que desrespeitaria cada buraco de bala na carne daquelas pessoas se aderisse à idiotia mentirosa de uma massa que insiste que são aqueles doze também e tomaram tiro também, os tiros de cicatrização mais rápida do mundo, porque é só apertar enter que o ferimento fecha sem nem deixar marca nem nunca mais ser sentido. Também não trabalharia pra Charlie Hebdo -- muito provavelmente estaria morto agora. Não entendo a como que o Latuff lá achou relevante dizer que nunca trabalharia na Charlie Hebdo, mas depois falo mais do Latuff -- na verdade eu estou evitando, porque realmente não sei se vale a pena comentar o trabalho dele, é outro troço que me entristece.

    Um mineiro morreu tomando treze tiros de uns malditos, e Clarice Lispector escreveu uma crônica chamada Mineirinho. Todo o trabalho da crônica é um esforço para poder de fato dizer Eu sou Mineirinho -- não pró-Mineirinho (Mineirinho está morto) mas Mineirinho, eu fui assassinado assim como ele. É uma leitura um tanto árdua, doída, enfim, não é fácil sofrer junto com o outro como esses posicionamentos políticos improvisados que a gente vê a torto e a direito a cada desastre querem fazer que acreditemos. Deixo um trecho aqui e link pra ela completa: http://www.ip.usp.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=4396%3Aconto-qmineirinhoq-clarice-lispector&catid=409%3Aarquivo-ip&Itemid=220&lang=pt

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    Mas há alguma coisa que, se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina — porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.

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    1. Rápido:

      Lendo as respostas do texto do Houellebecq, quase comprei uma passagem pro Canadá só pra dar um abraço no Luiz. Meu contato com o Islã é quase nenhum, somente o medo propagado pelo jornalismo oportunista que adora se fazer de apavorado pra ganhar atenção. É claro que dá pra entrever a verdade lendo o Borges apaixonado pelo Oriente Médio, ou o Orhan Pamuk, ou mesmo o Enigma de Qaf do Alberto Mussa (que na verdade foi o meu primeiro contado de verdade, creio, e foi por Borges ser um personagem do livro que de fato fui procurar sobre ele), mas os esforços deles são para outra coisa. Suas referências nas respostas foram muito instrutivas.

      Não conhecia Omar Khayyam, Charlles. Foi um puta achado aquele seu trecho!

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    2. Em um país com mais valores, a tradução do Manuel Bandeira para Rubaiyat seria um clássico indispensável da língua portuguesa. Khayyam é o maior poeta da história.

      O Luiz é um enigma que equivale ao mesmo enigma que eu com certeza sou para ele. Quando começamos a nos aprofundar em papos pela net por e-mail, no dia seguinte nos retraímos e damos meia volta. Ele propôs que fundássemos uma revista literária com a turma do blog, eu topei, desde que o crivo da organização do projeto não passasse por minhas mãos, daí, para seguir a regra, nunca mais tocamos no assunto.

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    3. Eu topo. Matheus vai ser o nosso Rodrigo Constantino. :) Um Constantino bem mais instruído, um homem das letras "well rounded," vale dizer.

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    4. Vocês são uns tarados. Oitenta e muitos comentários lá, e nem li as respostas do Luiz - formatura minha sábado, festas ontem, e acordei hoje ao meio dia - mas pelo visto fiquei sozinho numa sala escura haha. Devo parecer um monstro neo-facista que vota na La Pen, enquanto sou #teamKonradAdenauereHelmutKohl.

      Te pego lá fora, Luiz. =)

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  3. Por favor! O homem das letras well rounded foi sem nenhuma ironia.

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    1. Como dizia o Patrick Swayze para a Demi Moore em Ghost: idem!

      (Idem ao que disseram Charlles e Arbo, e não ao que dizia Demi Moore ao Patrick Swayze...)

      Matheus, para mim estás longe de parecer um "monstro neo-facista"... Mas essa tua imagem aí do Ratinho brandindo um crucifixo como se fosse um machado prestes a decapitar uns infiéis, não ajuda muito... [risos]

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    2. Dou risada toda vez que a vejo. Poxa, é o RATINHO brandindo um crucifixo como se fosse um machado prestes a decapitar uns infiéis. Obrigado, Brasil.

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  5. voltei dois posts atrás para ler o desenrolar. como Fabrício, apenas intuía o q o Luiz poderia trazer de proveitoso à conversa. claro, o Luiz sempre supera as expectativas. Já o Matheus seguidamente decepciona (os dois casos mostram o qto sou teimoso, não reviso expectativas hehe). Eu só tinha intuição, não mto além disso, mas era o q bastava pra não dizer as asneiras ditas por ti, Matheus, lá. Vivo no mesmo RS, e Porto Alegre, Luiz, os contatos com esta cultura são muito parecidos, a minha formação é claramente deficitária em relação a do Matheus, mas, por favor, para uma consideração destas é preciso não de inteligência, mas de razoabilidade, é só juntar os pontos de forma coerente e não-contraditória (como bem notou o charlles no caso do milton). Dá um abraço aqui, Matheus, daonde vem esse medo? Esse cansaço é o do francês? Nenhum problema com o cansaço, a questão é o q fazemos com ele. Pega qq livro do Erich Fromm em alemão mesmo, aproveitando pra aprimorar a língua, senão a do amor... a alemã...

    (Ramiro, li teus últimos poemas por aqui, alguns muito tocantes).

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    1. A religião muçulmana só teria a ganhar se se abrisse e deixasse ares vigorosos de racionalidade entrar. Não tenho, mesmo, nenhum apreço para grande parte dos dogmas que ela impõe aos fiéis. Talvez seja mais um desses casos em que a distância prejudica um real entendimento para quem está de fora, como Cuba. (Para muitos é sempre bom falar que Cuba é um entreposto para o Paraíso na Terra_ já ouvi, ipsis literis, esse elogio, partindo da boca de um sacerdote católico_, desde que não se tenha que morar na ilha e passar pelo mesmo inferno de privação dos cubanos.) Eu não desejaria JAMAIS morar em um país muçulmano. Já tenho minhas disputas pelo sossego e pela civilidade concreta com as tantas igrejas bestiais do cristianismo financeiro que tenho que conviver nesse nosso país laico.

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    2. voltei aqui para medir melhor minhas palavras. nada a ver a maneira com a qual me referi ao Matheus. dá pra falar de outros modos (desculpa aí, tchê - piada interna, nunca falo tchê. Malz aê).
      concordo com isso q tu fala aí em cima, charlles, é óbvio, mas isso ainda não resolve a questão da imigração e da "integração". até pq, todos concordamos, os movimentos migratórios não se dão pela marca do terrorismo (é isso q poderíamos generalizar), não é uma cruzada. e pra não sermos aquilo q condenamos temos q ir além. o q se subentende do comentário do Matheus no outro post é uma segregação q só faz regredir ou se aprofundar.
      -
      qto ao teu comentário do Adorno-Jesus, charlles, antes de ter ido se fuder (por tua recomendação), ele fez algum sentido pra mim hehe

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    3. Andas tomando o Gato Negro, né? Se só você entendeu...

      Gosto muito do Matheus. Ele demonstra um cara de coração generoso e inteligente em nossas conversas pessoais. Talvez seu calcanhar-de-aquiles seja seu excesso de passionalidade. Um tiro que sai pelos dois lados.

      Claro que as questões do xenofobismo entrarão com tudo daqui para frente, a a barra vai ser pesada nas retalhações políticas. Assunto muitíssimo delicado, que extrapola a simples argumentação. Todo mundo tá com medo.

      Um texto na mesma linha deplorável de forçar clichês de estúpida relativização do massacre (cansativo, cansativo, cansativo...):

      http://www.sul21.com.br/jornal/eu-nao-sou-charlie-je-ne-suis-pas-charlie-por-leonardo-boff/

      E um que casa com o que eu penso (nunca tinha ouvido falar do autor, e relevo o nome da mídia):

      http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/escrachar-preciso-15034561

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    4. tenho seguido desde a eleição o Wilson Gomes, sempre com opiniões muito interessantes, como abaixo:
      "Há alguns dias se deixou de falar do terrorismo e do fundamentalismo, e do absurdo e grotesco que consiste em dois homens com treinamento e equipamento militar descarregar seus fuzis Kalashnikov contra cartunistas com treinamento e equipamento para o humor. Agora nos dedicamos ao julgamento moral de Charlie Hebdo, um semanário que não tirava mais que 30 mil exemplares, consumidos não mais que por intelectuais franceses de esquerda e extrema-esquerda, mas que presumivelmente estava produzindo um estrago danado na imagem dos 1,5 bilhões de muçulmanos espalhados mundo afora e ofendendo as suas crenças.
      Se tem uma coisa que apreendi na incrível reviravolta moral desses dias, em que ao julgamento são intimidadas as vítimas, é que, dentre todos os valores culturais da esquerda, o anti-imperialismo parece ser mais resiliente que as baratas, os vírus e outros entes imorredouros. Se para você valores são a liberdade de expressão, o Estado laico e a laicidade de todos os Estados, o sagrado direito à profanação, à secularização, à perda de aura e altura provenientes do weberiano desencantamento (ou desteologização) do mundo, a liberdade intelectual e-que-se-danem-os-poderes, então "tu es Charlie". Mas se para você valores são "o enfrentamento" do colonialismo e do imperialismo, o confronto com o eurocentrismo e ocidentalismo e os seus corolários, a defesa dos "condenados da terra", parece que daí decorre a necessidade de colocar Charlie em julgamento, como representante da opressão francesa aos seus seis milhões de muçulmanos, como representante da agressão ocidental aos países árabes da África e do Oriente Médio, como herdeiros do colonialismo francês. Já nem se julga Charlie, se julga o Ocidente - e o sangue que escorreu pouco importa, porque o sangue árabe tem escorrido copiosamente em toda parte e "a mídia ocidental" não faz este alvoroço todo. A este ponto, os jovens franceses de origem argelina já nem se parecem mais com os terroristas cruéis a executar, sem defesa, cartunistas em reunião de pauta, mas representantes do Terceiro Mundo, do pobre árabe ou muçulmano (aliás, todo mundo anda misturando as duas coisas) das periferias de Londres, Paris ou Berlim, representam o oprimindo mundo árabe "devolvendo as pancadas" tão duramente recebidas.
      Um passo adiante e as pessoas se sentem autorizadas moralmente a operar a desconstrução de Charlie. Vítimas, sim, mas não inocentes. Já li de tudo: racistas, xenófobos, islamofóbicos. Provavelmente, como li ontem por aqui, "cavaram as suas próprias sepulturas". Amigos de esquerda começaram a cravar com orgulho o seu "Je Ne Suis Pas Charlie" e, pelo andar da carruagem, não vou ficar surpreso se surgirem memes com a frase dita pelos chacinadores na saída do prédio "On a vengé le prophète Mohammed, on a tué Charlie Hebdo" - Vingamos o profeta Maomé, matamos Charlie Hebdo. Agora começaram a distribuir uma charge para "demonstrar" que a galera de Charlie era racista, numa operação vergonhosa que consiste em atribuir à revista de esquerda uma caricatura racista produzida (e já condenada pela opinião pública e pela Justiça) pela sua concorrente de extrema-direita, a Minute, chamando a ministra negra Taubira de macaca. Nem mais respeito aos fatos é necessário: Charlie é o Ocidente, os garotos de Kalashnikov são os os migrantes muçulmanos, "os negros da Europa" conforme outra caracterização corrente, "dá para entendê-los". Anti-imperialismo na veia: On a vengé le Tiers-Monde!
      Que coisa."

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    5. Ótimo esse texto!

      A Charlie Hebdo será lembrado, daqui uns ou bons anos, como um dos responsáveis por acabar com o barbarismo medieval, anacrônico, de ainda se morrer por causa da religião. E gente como essa que diz que a revista falou demais, se lembrada, será como chacota do quanto nascem estúpidos a metros quadrados como sistema de freios à evolução.

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    6. Poxa, decepcionei o arbo =(
      Pois é, preciso de razoabilidade. Quanta razoabilidade mais devo ter com o que acontece? Quanta compreensão mais?

      De onde vem o medo? Haha arbo, pensa um pouquinho, junta os pontos.

      Se os muçulmanos 'comuns' não derem se desvencilharem para já dos terroristas, logo, logo coisas mais sinistras ocorrerão, e aquele sentimento que andou escondido num quartinho escuro da alma, dará as caras, e não bastará potestar contra terrorismo, mandar embora os muçulmanos, não, não será 'civilização' x 'civlização'. E eu não quero estar no meio disso, ser pego por uns 88 da vida na rua. Só posso me camuflar no Rio de Janeiro, na Bahia, e, na Europa, entre os muçulmanos, mas com esses não será prudente andar.

      Tens certeza de que sou eu quem quer segregação? Quem os recebeu? Quem os coloca em escolas para aprender a língua? Quem os coloca na universidade? Quem proporciona civilidade, estabilidade, segurança, comida? Para anos depois uns barburidnhos declarem sharia zone, para radicalmente transformem pedaços grandes das cidades em ambientes parecídos daqueles lugares de onde vieram, os que nada tem a ver com o terror ficaarem inertes, sem dar uma resposta dura contra eles? Já disse: é agora ou nunca.

      No fim, é, sim, diferença de civilizações, de costumes e crenças diferentes, de arranjos diferentes, e, sobretudo, de pessoas diferentes. Um dos grupos tem de conceder mais que o outro. Um dos grupos tem de se esforçar - ou ser forçado - a mudar seus hábitos. Algo natural e compreenssível, que ocorreu durante a história - e continuará ocorrendo, a não ser que haja uma homegeinização na população mundial (e, penso, todos nós não queremos isso na base do extermímio, não?) Se isso e fobia de alguma coisa, racismo (quero saber qual a minha raça, então, pois eu não tenho a menor ideia, e pelo que investiguei, sou o mais MORENINHO E de olhos VERDE AZULADOS de nosotros aquiauhshausha), preconceito, etc., então estamos perdidos, não é possível fazer nenhuma constatação sobre grupos diferentes.

      Mas continuem, brancos, chamando esse mestiço de racista nas entrelinhas. (Viram como fica ridículo?)

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    7. arbo,
      grato
      pelo comentário…
      Acabei de postar
      no TIJOLAÇO
      e no MILTON RIBEIRO.
      *
      *
      PRETOS, PRETAS, PRETINHOS
      by Ramiro Conceição


      Em Vitória, existe a famosíssima Ilha do Boi… A maior concentração por metro quadrado de mansões capixabas… Algo semelhante ao Morumbi ou à Serra da Cantareira, em São Paulo.

      Durante décadas, por essas plagas, ocorreu algo mui singular… Uma gente injustiçada e branquinha se apossou do mar… Como?... No final das vielas de acesso às praias, foram construídos paulatinamente muros e/ou jardins… Sim, muito bem planejados: pedras, pedras, pedras, tijolos, espinheiros, espinheiros, espinheiros e, com capital toque arquitetônico, pedra-espinheiro-tijolo-pedra-espinheiro-pedra-tijolo… Ah, tais elaborações concretas são obras-primas eco-ambientais, pois nem sequer uma abelha consegue passar sem espetar a própria bundinha… Resultado final? Pequenas praias particulares adjacentes a piscinas particulares, a quiosques particulares... Ou seja, o retrato vivo, concreto, da questão sobre o que é efetivamente público, ou privado, no Brasil…

      Mas nem tudo é só justiça… Há também a terrível injustiça…: o Estado deixou duas prainhas ao populacho… Coisa terrível… Coisa terrível… Chega a cortar o coração quando branquelos brasileiros, com seu costumeiro rancor, com sua costumeira violência, com sua costumeira ignorância, são obrigados, principalmente nos finais de semana, no interior de seus carrões com vidros pretos, a conviver de passagem com a existência de pretos, pretas e pretinhos que invadem as duas praias, ainda não cercadas…




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  6. Coluna do Noah Chomsky para o Palestinian Chronicle sobre o Charlie Hebdo
    http://www.palestinechronicle.com/we-are-all-fill-in-the-blank/#.VLUr7tLF_ec

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  7. Outro texto a denunciar as relativizações: http://www.quadradodosloucos.com.br/4802/estranho-meio-caminho/

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  8. Outro aqui, Fabrício: http://www.franciscorazzo.com/2015/01/10/a-vergonha-da-culpa/

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  9. Talvez não seja necessário dizer isso: o que eu disse acima, sobre relativizações, em nada tem a ver com os excelentes comentários do Luiz, claro, lógico, sem sombras de dúvida. O cara tem uma visão humanista e pragmática rica sobre muçulmanos, o que muito me ensinou nas coisas que disse. É sempre bom deixar claro isso. Viu Luiz?

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  10. E este que li agora do JPC: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/joaopereiracoutinho/2015/01/1574137-a-loucura-e-contagiosa.shtml

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  11. Eu fiquei bastante empolgado com a caixa anterior e, em especial, com os comentários do Luiz. Nunca conheci nenhum muçulmano pessoalmente. Mas sempre chego atrasado às caixas, mais ainda quando se tem o privilégio de ficar no meio do mato por uma semana - e raras idas à cidade, temperadas com visitas familiares* - onde não há internet, sequer sinal de celular.

    Também gostei bastante deste post do Charlles. O título é ótimo, eu não conhecia essa do Mozart. Morro de inveja de bons títulos. Os meus são sempre óbvios, chatos, burocráticos, modorrentos. Eu não resistiria, por exemplo, ao infame trocadilho "Je suis Charlles" se fosse o autor.

    * Há alguns dias cheguei à casa do meu avô. Lembrei-me de uma (bela) história contada sobre sua avó em que dele me lembrei na caixa de comentários. Ele vai completar 100 anos no sábado da próxima semana. Foi retireiro, tropeiro, agricultor, roçador de pasto, capinador de roça de milho. Mudou-se para a cidade, virou auxiliar de serviços gerais numa indústria e criou dez filhos com um salário mínimo (os mais velhos trabalhavam e contribuíam no orçamento). É um homem muito simples e até tem histórico de várias ignorâncias no trato com os filhos - os netos foram poupados... Já faz uns dois anos que, diariamente, ele fala que vai morrer. E todo mundo fica naquela de "deixa disso", ou até o repreende, o que o faz arregalar os olhos com perplexidade. Como quem pensa: vocês querem enganar a quem? Na manhã de hoje, cedíssimo, após uma noite de calor intenso, eu fui atender ao seu chamado. Estava banhado em suor, camisa e lençóis molhados. Eu, minha mãe e uma tia hemiplégica nos juntamos para convencê-lo a trocar a camisa e os lençóis. Em vão ("me deixem em paz", repetia). Foi preciso reclamar a presença do meu tio mais velho, que é vizinho dele, para dar conta do recado. Ele resistia à nossa força. E aí o velho, que é um homem grande e pesa uns 90 quilos, revoltou-se. Mesmo deitado, tirou forças não sei de onde e arrancou ele mesmo a camisa. A camisa estava molhada, tentei contemporizar em tom ameno ("você vai enxugá-la?"). E ficou rebelde o dia inteiro. Fez birra para almoçar ("vai me empurrar goela abaixo?"). Não queria tomar café, nem tomar banho. Minha mãe interveio, dizendo que ninguém estava brigando com ele, mas era dever dela cobrá-lo ("ainda bem que eu não te devo" - o que provocou uma gargalhada geral). Agora há pouco, antes de deitar-se, ele me perguntou se amanhã seria seu aniversário e eu expliquei, pela enésima vez, que ainda faltam uns dez dias ("daqui a dez dias vocês inventam que faltam mais dez dias"). Ele está meio revoltado com Deus também, porque deu duro a vida inteira para ter sossego, mas ele não morre. E vida que segue.

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  12. The Moroccan-born mayor of Rotterdam has said Muslim immigrants who do not appreciate the way of life in Western civilisations can 'f*** off'.

    Ahmed Aboutaleb, who arrived in the Netherlands aged 15, spoke out in the wake of the Charlie Hebdo attack in Paris last week.

    Appearing on live television just hours after the shootings, Mayor Aboutaleb said Muslims who 'do not like freedom can pack your bags and leave'.

    Labour politician Ahmed Aboutaleb, a former journalist who was appointed mayor of the Dutch city in 2008, is known for his straightforward stance on integration.

    The 53-year-old won the praise of London-mayor Boris Johnson over his comments last week attacking fellow Muslims who move to Western nations but refuse to accept the Western way of life.

    http://www.dailymail.co.uk/news/article-2907941/Moroccan-born-mayor-Rotterdam-tells-fellow-Muslims-not-appreciate-freedoms-living-West-pack-bags-f-live-TV.html

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  13. Uma outra visão: Slavoj Žižek on the Charlie Hebdo massacre: Are the worst really full of passionate intensity?

    How fragile the belief of an Islamist must be if he feels threatened by a stupid caricature in a weekly satirical newspaper, says the Slovenian philosopher.

    http://www.newstatesman.com/world-affairs/2015/01/slavoj-i-ek-charlie-hebdo-massacre-are-worst-really-full-passionate-intensity

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    1. em pt: http://blogdaboitempo.com.br/2015/01/12/zizek-pensar-o-atentado-ao-charlie-hebdo/

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  14. As generalizações e seus frutos
    http://oglobo.globo.com/mundo/2015/01/16/2273-brasileira-muculmana-atacada-pedradas-em-sao-paulo

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  15. Musulmanes de Suiza exigen que se elimine la cruz de la bandera nacional
    Musulmanes de segunda generación afirman que la bandera no representa el multiculturalismo y que une política y religión.
    - Seguir leyendo: http://www.libertaddigital.com/mundo/2011-09-22/musulmanes-exigen-que-suiza-elimine-la-cruz-de-la-bandera-nacional-1276436064/

    http://www.aargauerzeitung.ch/schweiz/weg-mit-dem-kreuz-secondos-fuer-neue-schweizer-fahne-113290242

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