sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

À maneira de Nabokov




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Por muito tempo acreditei que a minha família era fincada na obsessiva normalidade do interesse monotemático de seus integrantes pela busca da "grana e poder" para que ela pudesse alegar ter um passado, ter uma dessas histórias que se elipsam em direção infinitamente regressiva rumo a uma mais antiga e centenária árvore genealógica que vemos como característica romântica nos livros. Até o fim da minha adolescência, a convicção de pertencer a um vago agrupamento de pessoas que, por acaso mais protocolar de esporádicos encontros de natal do que propriamente co-sanguíneo, nada tinha de interessante a contar, era uma das poucas coisas insofismáveis da minha vida. Eu tinha tanta certeza de não ser digno das famílias tolstoianas, carregadas de conflitos cósmicos e violências que solidificavam um invejável mutualismo, que nunca pensei nisso, mesmo naqueles anos em que Tolstói e Faulkner eram os pretensos embasamentos da minha assim projetada carreira de escritor. Quando eu me lançava em meus exercícios literários, e ousava inventar algo no estilo de saga de Garcia Marquez, logo percebia a insustentabilidade de toda a frágil simulação de uma memória familiar a ser contada, porque o que eu na verdade tinha de uma ressonante ausência de conhecimento sobre minha família era muito mal substituída por uma imaginação artificial sobre famílias inventadas. 

Passei muitos anos sem escrever nada, me limitando a tecer rápidos rascunhos de romances e contos que eu jamais iria escrever, e que se revelavam como epitáfios de uma intuição maior de algo inapreensível, de um espaço que necessitava urgentemente ser preenchido pelo que cada vez eu sabia que dependia inteiramente de uma cansativa pesquisa interna, e não dos arroubos de fantasias para as quais a criança em mim já estava crescida demais para dar autenticidade. Eu observava a correria cega em que se lançava minha mãe, a provável representante direta com a qual eu tinha mais contato daquela rumorosa suposição de conteúdos secretos a serem revelados, e não sabia mesmo como me aproximar dela, como contê-la com a mão segurando-a delicadamente pelo braço e fazendo-a parar, fazendo-a deixar de realizar aquela dança da "grana e do poder" que haviam incutido nela como uma espécie do mais arraigado muçulmanismo. Eu ria ao imaginar como ela me enxergaria com um espanto abissal se eu tivesse tal coragem, como ela esquivaria-se em um reflexo físico visível diante aquela inconcebível ameaça, o que logo seria substituído, na fração de segundos em que seu instinto de defesa arranjaria a compreensão rápida para dar conta da situação, por um ódio concentrado em ver em mim uma espécie de doença indolente, de feminilidade repugnante, de maluquice confronto à salutar economia emotiva. Por isso eu sempre a deixei em paz, com seus negócios do direito e sua ocupada rotina de me oferecer proteção e entusiasmo combativo pela vida até que eu pudesse me virar por mim mesmo. Uma vez só, por uma espécie de teste de qualificação se aquela severa evasiva poderia ser feita em nosso relacionamento, eu teci um comentário absurdo, que me deixou toldado por uma vergonha profunda logo depois que falei. 

Eu havia encontrado uma série de negativos esquecidos em uma desfarelante caixa de sapatos, ao ser retirado o entulho de um antigo guarda-roupas de um dos quartos da casa, e em um deles me surpreendi com a bela moça de cabelos negros colossais que lhe iam abaixo da cintura que aparecia em um vestido ousadamente curto para a época. Para se ver tais negativos, necessitava-se olhá-los contra a luz por um visor de vidro minúsculo instalado em uma das extremidades de uma caixinha do tamanho de meio polegar, para que os foscos fantasmas brancos se convergissem para as pessoas coloridas que surgiam sempre com sorrisos cuja obsoleta qualidade das cores dava a impressão de se tratar de um mundo programadamente feliz onde tudo se situava sob a iluminação de um estúdio fotográfico. Por mais que tais fotos pudessem ser recentes, o que não era o caso daquelas, as cores tinham essa característica de uma memória materializada sob um sol baço e antiquado, como se desgastada pela viagem que fizeram do subconsciente até a impressão no fotolito. Eu fui enganado pela impressão dispendida por essas cores, de ser algo já acontecido há tanto tempo que estava imune da ironia e da inerente acusação contra o passar do tempo, e falei à minha mãe: "Percebo que uma das coisas que herdei de meu pai foi o gosto pelas guapas paraguaias". O erro foi que ela entendeu de imediato. Na mesma velocidade em que a vergonha me incapacitou instantaneamente na cadeira da cozinha, aquela luz perigosa de ser confrontada por um desvio padrão em seu rígido sistema de homeostase doméstica acendeu nos olhos da minha mãe. Nessas horas raríssimas, que eu conservo talvez, além deste, dois ou três episódios de reação semelhante, eu poderia esperar tanto um tapa, quanto um laconismo de um trovão divinatório que não admitia resposta me mandando para o castigo no quarto, mas aquele mutismo que se seguiu ao que minha alma se congelou ao averiguar se tratar de um ar de mofa, de uma superior resignação quanto à minha incorrigível aptidão para o infatiloidismo, destruiu muitas estruturas que eu havia erigido em meu caráter e que eu até então achava serem inabaláveis. Se me sobrasse o artifício ainda mais pueril do choro, eu teria recorrido a ele naquele momento, o que na certa seria benéfico como resposta de capitulação generalizada diante sua inteligência, mas nem isso eu pude fazer. Ela viu no bolso da minha camisa a caixinha ótica vermelha com o negativo e a lente, e conservou seu silêncio; em suma, a caixa de negativos não representava nada para ela, coisa que eu só fui perceber ter caído em mais um engano das aparências quando a linha temporariamente obstruída de sua vaidade ganhasse uma reconversão muscular anos depois, em que lhe pesava muito perceber o quanto sua vida fora desgastada em artifícios sibilinos demais de tão óbvios para não serem senão tardiamente perceptíveis, e aquela bela moça das fotos passar a ser sua inimiga mortal, sua confrontante melíflua que sempre estava para lhe esnobar daquele mundo eterno a sua sensaboria inglória, sua velhice sem explicação. 

Ela não requereu a caixa de negativos de mim. Bebeu seu copo de suco de pêssego, após ter diligentemente ingerido seu último pedaço de bife, e se retirou da mesa levando o prato sujo para a pia. O cerne daquele conflito sutil era a vulgaridade do que ela via constantemente em meu pai ressurgindo com uma assertividade anacronicamente sem retoques em seu filho para que pudesse ter um selo de maldição parental. Era uma gratuidade grosseira demais minha tentativa de explorar outras opções de discurso para que alguma emanação de recalques edipianos partisse daquela minha frase infeliz. Eu era apenas vazio, ela concluíra, enquanto jogava os restos do arroz na caixa de lixo ao lado da torneira da pia, e aquilo era o tipo de autenticidade falsa que nenhuma trabalhadora e estudante de direito compulsivo mereceria ter para quebrar o precioso silêncio da companhia tática que tínhamos na hora da janta. Eu recoloquei a caixa de negativos em seu lugar, plantando-a com zelo em seu ninho de caos no guarda-roupas, e jamais tornei a olhar aquelas fotos que hoje me seriam valiosíssimas, que hoje daria um de meus dedos à escolha por elas. Eu havia visto cada uma delas, muitas e muitas vezes, de forma que me lembro do conteúdo de algumas com matemática precisão. Meu pai aparecia sempre muito negro nelas, ele que era um moreno médio que lembrava certas tonalidades mediterrâneas, com seu topete de cantor de rock dos anos 50, seu ar de lascívia etílica que era mais uma outra expressão de sua timidez do que propriamente distinção erótica outorgada pela guitarra que levava onipresente junto a si. Meus tios e tias com seus 20 anos, naquela cidade provinciana em que o destino era mais uma conformação geográfica cujo andamento se individualizava em fios centrífugos a alimentar em todos os aventureiros da diáspora a nostalgia do retorno para o coreto da praça, para o bar do Anfimônio, para o cinema Espártaco, para os carros de latarias tão duras quanto se fazia necessário um padrão de indústria também contaminada por aquela ingenuidade primeva que ainda não tinha descoberto o enorme potencial de riqueza que havia na perecividade. Todos desapiedadamente jovens. Se fosse acreditar em uma entidade do mal controladora, o próprio tempo havia tirado as fotos, para poder colar aquela coleção de entusiásticos de uma saúde e beleza eternas em seu mural onde cada uma se revoluteava em agonia em torno da agulha de aço cravada nos peitos como fazem as borboletas em seus últimos instantes de vida combativa fincadas no mostruário. 

Muitos dias depois vi minha mãe sentada no chão do quarto, com a caixa no colo, se dedicando a olhar cada um dos negativos com seu olho levemente estarrecido em que se permitia o encanto, enquanto o outro olho se fechava com determinação para assim toda a mágica daquelas cores ultra-dimensionais pudesse ser captada. Ela não viu que eu a via. Talvez aquele fosse o momento que minha imprudência havia antecipado equivocadamente para aquele mal fadado jantar, e vendo agora de minha idade madura, de minha posição já calosamente acostumada com tantos medos a ponto de eles terem ficado tão desbotados quanto as cores dos fotogramas, eu deveria ter saído de meu esconderijo e ousado fazer da ocasião o ponto zero para uma nova etapa de comunicação com minha mãe. Imagino-me na impossível atitude de me sentar ao lado dela e pegar os fotogramas sem lhe dizer nada e compartilhar com ela aquela experiência. Por que seria tão difícil?, por que a distância entre a soleira da porta até os poucos metros onde ela estava se prolongaram infinitamente? Um medo idiota, uma vergonha imbecil. De todas as possibilidades que cada um de nós negamos existir quando se pergunta se se tem algo do que se arrepender, não me são mais insuportáveis o beijo não dado quando era o momento irrepetível em que ele deveria ser dado, nem a prova que não foi feita para o emprego dos sonhos, nem a viagem recusada onde o mundo nas fotos parecia nunca mais ser possível de voltar a ter o mesmo maravilhamento, nem as tantas e infindáveis palavras que nasceram para os tantos e infindáveis momentos em que contudo elas foram abortadas; mas o que me causa mais um insuportável arrependimento é justo a aceitação besta da inexorável imutabilidade do instante, da impressão conformada de que o instante está pronto e sem direito algum a sair um milímetro sequer de sua previsibilidade. O que me dói é o peso que suportei por anos de que certas coisas são imutáveis, que não possuem a comburência sensível dos incríveis atos de espontaneidade louca para os quais parecem ser feitas nosso arrependimento de não termos sido loucos à altura. Se eu tivesse ido até ela, mesmo para receber uma resposta ainda mais destruidora, se muito de nossos mundos pessoais não tivessem se tornado outra coisa completamente diferentes do acidente que fora, ao menos aquelas fotos, tenho certeza, teriam se conservado.

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34 comentários:

  1. eita. voltamos ao melhor, a família.
    comecei o texto quase te amaldiçoando (esse desgraçado inventa aquelas histórias, o acidente com o césio em Goiânia e etc), e fui terminá-lo novamente encantado com esse teu tricô, esse teu painel que se retrai para retrato e vice-versa. Linda a cena de vocês dois, ela com um dos olhos fechados - o outro voltado para o passado.
    E isso tudo sendo um tanto estranho para mim - essa distância entre mãe e filho. Ela sempre aparece nos teus textos com uma grande força. Suponho que, sem que o filho pudesse ver, ela esteve sempre lá, olhando pra ele através de um desses portais que atravessam o tempo.

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    1. Muito bonito o que você escreveu, Arbo.

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    2. Ela é completamente diferente_ mas não menos verdadeira_ no outro projeto que estou escrevendo, um romance picaresco à imagem do Augie March e Um safado em Dublin.

      Eu estava precisando muito de silêncio nestes dias, uma necessidade urgente de silêncio. E obtive hoje com a família indo para a casa da minha mãe. E hoje foi um dia de uma religiosidade profunda, como há dias não tinha. Me isolei escrevendo, ouvindo o silêncio e os pássaros cantando no quintal cheio de mato. Foi rejuvenescedor. Escrevi quase um possível longo capítulo, cujo cerne em que me concentrei foi o espólio de fotos da família. Amanhã coloco mais uma parte, a que julgo principal.

      Há inúmeras falhas nesse texto, mas achei que encontrei algo lá pelo final.

      Coloquei-o aí para uma auto-educação, conforme tem sido, e um exercício para perder o tanto de medo que dá quando se começa todo dia a escrita.

      Obrigado aí, chapa.

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    3. Me emocionaste, arbo. Mais não digo.

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    4. Gostei pacas desse texto. É parte de um romance?

      Agora você nos deve um trecho desse romance picaresco! (Falando nisso, tu já leu algo daquele tcheco doido, Bohumil Hrabal?)

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    5. Obrigado, Paulo. Ainda não sei. Estou encafifado com a ideia de escrever algo em torno de fotos antigas de família, e esse texto meio que mostra um caminho.

      Já lestes a biografia do Nabokov? Livro fantástico! O cara escreve com uma introspecção libertadora, não dando a mínima para modas linguísticas. Isso me possibilitou abrir mão de alguns fardos impostos do que se convenciona chamar de "escrever bem". Você que devora Javier Marías com certeza percebeu que Marías faz o mesmo em seus livros: escreve com uma concentração e um propósito idiossincrático superior que dá as costas para o comercialismo. As duas primeiras páginas do Fala, memória são belíssimas, com aquela descrição do berço da infância equilibrado no imaginário cósmico do autor, e suas tentativas de alcançar um mundo mental superior apartado do ambiente pobre das escritoras de magazine com quem tinha que conviver.

      Ontem assisti ao Globo News Literatura com o autor de "Dez centímetros acima do chão" (não me recordo o nome). Um autor que deixou o mundo dos altos executivos para se dedicar à literatura. Ele diz que nas aulas de escrita criativa que teve, um dos impositivos era escrever um capítulo sem adjetivos e usando todas as letras do alfabeto. Então é esse tipo de coisas que se ensina em cursos de escrita criativa? Sempre tive a curiosidade. Qual o propósito disso, escrever sem adjetivos e usando minuciosamente todas as letras (inclusive x, w, k e y_ daí ele ter, logo no começo, despachado o x colocando um táxi na narrativa)? Me parece aqueles exercícios para modelos de andar com uma postura adequada equilibrando um livro na cabeça. O livro deve servir ao mesmo propósito de mero objeto em um curso como esse: talvez o de apoiar o caderno de rascunhos para a caneta não deslizar, ou de apoiar o mouse. Não seria melhor cada um ler o máximo possível, para descobrir que todas as melhores liberdades da escrita estão na concentração profunda e na honestidade pura e fiel a si próprio?

      Como estou apaixonado pelo Philip K, Dick (ainda tenho que escrever um texto pormenorizado sobre ele, com o adendo de que talvez a mesma paixão possa não ser compartilhada pelos frequentadores desse blog), me vem à cabeça a última entrevista dele, reproduzida na edição da Aleph de "Os androides sonham com ovelhas elétricas?". Ele era um escritor cult, muitas pessoas já sabiam que ele era um dos maiores escritores americanos do século, mas não vendia bem, sias necessidades financeiras eram catastróficas. Daí vem a conversão desse romance dele para Hollywood, Blade Runner. O estúdio oferecer 400 mil dólares para Dick escrever o roteiro do filme, e sabe o que ele faz? Recusa a oferta para se dedicar a um novo livro para o qual a editora lhe pagaria mil e quatrocentos dólares. O motivo era que o estúdio queria que ele escamoteasse todo seu livro até o ponto em que o roteiro nada ficasse parecido ao original. (Não sei porque me lembrei disso, vai ver porque quando escrevo, e quando escrevi este texto do post, fico tão enebriado e incensado de um propósito na vida, que nada mais importa.)

      O tal romance picaresco não é um romance farsesco. É bem realista. Tem o propósito de tom e forma dos romances picarescos como Augie March, O tambor, Os filhos da meia-noite. Nada a ver com Moliere ou gracinhas do gênero.

      Nunca ouvi falar sobre tal escritor. É bom? Em recente texto do Schwartz no blog da Companhia vi ele citar O companheiro de viagem, lançado pela Cosac. Conheces? Me deu muita vontade de ler.

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    6. Nabokov é um de meus escritores favoritos. É sempre uma alegria saber que ainda tenho um livro dele sem ler na estante. Li essa biografia sim, na edição da Companhia. Antes, vendo seus vídeos e declarações falando mal de mestres como Conrad e Faulkner, eu pensava se tratar de um ranzinza. Depois de ler a autobiografia, percebi que esse cara na verdade era um cavalheiro, um cavalheiro brilhante. Essa primeira frase é mesmo memorável. Leu Pnin?

      Não tenho certeza, mas se for um Fábio, Flávio, algo assim perdi o interesse que poderia ter quando vi uma lista de suas referências, que ele deu numa entrevista. Mas é um preconceito. Ele pode ser bom, né, quem sabe? Ainda assim, nesse nosso mar livros, não me interessei.

      Desses só li Augie March. Hrabal aqui, vê o que acha. http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12117

      Ah, eu li esse livro de Krudy. É muito bonito. O texto de Sandor Márai no final é inesquecível. Paulo Rónai, que também era húngaro, escreveu uma série de ensaios sobre literatura de seu país. É cada história de arrombar, você precisa ver. Me interessei em especial (Rónai é mais convincente que eu) por um romance chamado O Menor dos Deuses, de Sandor Torok, sobre uma investigação da casualidade depois que o protagonista escapa de um grave acidente de ônibus porque se atrasou. Pô, eu tenho que ler isso, apesar de não ter COMO ler isso.

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    7. Belo texto, Charlles. Belo mesmo.
      Nas aulas de EC que tive com teu quase homônimo na faculdade houve exercícios de todos começarem um conto com uma frase por ele escolhida, ou de obrigatoriamente utilizar um número X de palavras noutro conto, mas o próprio professor Kiefer preferia que fizéssemos à nossa maneira, livremente, e penso que utilizava isso como recurso inicial para aqueles que nem engatinhavam na escrita. Essa imagem comparativa de modelo a equilibrar um livro na cabeça é perfeita. Ele sempre falava que somente duas coisas ajudavam a melhorar a arte de escrever: leitura e prática, mas antes de tudo a leitura.

      Eu tenho preconceito contra Nabokov justamente por suas opiniões contra Dostoiévski, Faulkner e Conrad, caro Paulo. Nem o tenho como ranzinza, mas como um invejoso e preconceituoso. Talvez um tanto injusto de minha parte por aparentar uma desconsideração para com seu talento, mas o tenho como o tipo ruim de nobre.

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    8. Quem sou eu para dar conselhos, e nem me presto a isso, mas o que venho descobrindo é que um escritor tem que ser alguém que leia descomedidamente. A carga de leituras naturalmente aparece na escrita de um escritor de relevância_ nada a ver com citações, mas aquilo que o Hemingway na maneira culhonesca dele dizia de saber quem se deve "matar". Na entrevista de Dick, por exemplo, é notável o quanto ele revela saber de literatura, ao citar Bellow, Joyce e uma cambada. E como Bolaño tinha lido de tudo, como Javier Cercas mostrou em seu livro em que Bolaño é personagem.

      E sempre tem coisas demais para se ler. E o escritor que se dedica a ler muito só um nicho temporalmente limitado de autores pode colocar tudo a perder, como vejo ser o caso aparente de alguns escritores brasileiros atuais que só leem modernos autores americanos, fazem uma reverência a Foster Wallace e Eugênides como se nada houvesse aquém deles.

      Acho que o bom das oficinas é o que eu disse sobre o pretenso escritor sentir que não está sozinho, que existem pessoas que se dedicam de corpo e alma à literatura, de que existem infinitos assuntos relegados pela imposição estúpida do cotidiano (como disse Delillo em Ruído Branco). E a vaidade de mostrar o que se escreve, porque se o escritor não for descaradamente vaidoso com o que escreve tudo está perdido. Nesse sentido, as oficinas são indispensáveis.

      E ler em excesso, para um escritor, dá a ele seu melhor presente: a disciplina de levar seus erros a um nível consciente de arte, de saber formar um estilo a partir deles, e não contra eles. O que eu sempre digo aqui: o melhor exemplo que eu conheço de escritor que tem plena ciência de seus erros e os transformou em potencial de expressão é o Javier Marías. Ler as primeiras páginas dos três tomos de Seu rosto amanhã é um choque, pois parecem a coisa mais mal escrita e redundante que já vi, mas logo percebemos que a coisa lá é literatura de primeira, até literatura de vanguarda (na melhor acepção do termo). Outro exemplo é Philip Roth: um dos maiores escritores abusa de advérbios, adjetivos e o escambau. E há uma voz primeva de enorme poder punitivo na cabeça do escritor lhe gritando para usar o mínimo possível tais peças gramaticais.

      E saber que, no fundo, escrever não tem muita coisa de difícil como aterroriza Flaubert e Garcia Marquez. O colombiano dizia que escrevia um parágrafo pequeno todo dia, levando-se para isso umas 12 horas de artesanato, para no outro dia ver a merda que fazia e apagar tudo. Isso é fisicamente impossível. Ele não teria escrito nada se realmente fosse assim. Há aí uma maçonaria programada para desanimar novos escritores, para se acabar com a sucessão da escrita.

      Taí, escrevi demais. Queria ficar longe da net hoje, só lendo, mas hoje é o primeiro dia de aula da Júlia, e estou com o coração partido, incapaz de fazer nada, sozinho em casa enquanto a Dani está lá sentada do lado de fora da sala, para que a Júlia possa ver a mãe de 15 em 15 minutos e se certificar que tudo está bem. A Dani me ligou, sabendo com perfeição o que se passava comigo quando a Júlia colava no pescoço dela chorando para não ser deixada na escola. Sabendo que eu saí de lá para não chorar também, A educação é uma bosta. Eu quero ir para Icaria.

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    9. Matheus, Conrad é um de meus favoritos, e estou conhecendo mais Faulkner agora, e por isso mesmo preciso dizer que Nabokov é maravilhoso. No mesmo vídeo com sua lista do que não gostava pode-se perceber como se trata de um senhor adorável.

      Charlles, creio que o principal dessas oficinas é exatamente reunir gente interessada na mesma coisa. Eu participei duma oficina de ensaísmo da Serrote e não posso afirmar que aprendi algo que eu já não sabia. Por outro lado, me diverti bastante e conheci muita gente boa, inclusive pessoas da Companhia, Cosac. Vi palestras com Dyer, Nelson Pereira dos Santos, etc. E tenho certeza que quem faz um curso desses de longa duração tem muito mais chance de arrumar um contrato com editora que daqui do sertão.

      Mas o que eu queria dizer é que acabei de ver que Central Europa, de Volmann, muito comentado aqui por João, vai sair pela Companhia.

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    10. Puta que pariu, vai sair Vollmann pela Companhia! Fiquei muito feliz, Paulo. 2015 está sensacional.

      Sinto que cês vão gostar muito do Vollmann quando lerem -- alguém avisa o Milton Ribeiro também, se ele não costuma ler os comentários daqui, que um dos narradores do Europe Central é o Dmitri Shostakovich que ele tanto ama. O cara está construindo uma das obras mais importantes da atualidade, calhamaço por calhamaço, lançando quase que um livro por ano. Não é um homem muito conhecido; quem comenta, comenta o Europe Central (que não é o melhor dele, nem de longe).

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    11. Incomoda o Nabokov falando mal de Faulkner e Conrad, entre outros. Do Faulkner nem falo nada, que todo mundo aqui já sabe quanto gosto do velho; agora, do Conrad: a primeira coisa que fiz quando chegou o meu kindle foi baixar The Complete Works of Joseph Conrad pela editora Delphi, que eu fui lendo ao longo do ano, e digo sem piscar que Conrad é perfeito -- quase não dá pra acreditar que Conrad odiava versos. De início a listagem do Nabokov não me fazia sentido, mas dá pra pensar num padrão hoje: me parece que ele não gostava de escritores que marcavam as obras com alguma preocupação social, que eram em algum nível moralistas ou por aí -- daí a divisão do Nabokov entre o Tolstói de Guerra e Paz e de Ana Kariênina e o Tolstói de todos os outros livros que são incríveis mas que o Nabokov descarta sem dó.

      Quando larguei meu preconceito com o Nabokov, fui muito feliz. É impossível não ficar obcecado com a estranheza de Pale Fire -- um dos meus romances favoritos -- e eu nunca fui decepcionado por livro nenhum dos que li dele.

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    12. A cia vai, finalmente, relançar o Arco-íris da gravidade.

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  2. Isso aqui é soberbo, Charlles.
    Posto que não vou nem notar o "muçulmanismo." :)

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    1. Desta vez não foi uma provocação intencional. Me veio o adjetivo à cabeça e achei que ele ficou paradoxalmente ecumênico.

      Obrigado.

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  3. “Eu tinha tanta certeza de não ser digno das famílias tolstoianas, carregadas de conflitos cósmicos e violências que solidificavam um invejável mutualismo, que nunca pensei nisso, mesmo naqueles anos em que Tolstói e Faulkner eram os pretensos embasamentos da minha assim projetada carreira de escritor”. Charlles, minha história foi bem diferente…


    ANITA
    by Ramiro Conceição


    Sou oriundo da ignorância… Minha primeira referência intelectual sobre Anita Ekberg foi “Loucuras de Mimi”… Um filme reprisado muitas vezes pela extinta Tupi, de Assis Chateaubriand, que via, por exemplo, “Dê Ouro para o Bem do Brasil”, na década de 60 do XX, fodeu e cagou à vontade sobre todas a plagas dessa colônia… Coisa que se repetiu a posteriori por Roberto Marinho que se chafurdou no sangue da ditatura de 1º de abril, por décadas…

    Inicialmente, para mim, não havia Fellini… Anita, ora, foi um número quase doente de punhetas adolescentes… O enredo era o seguinte: 1) trancava-me no quarto e ligava uma abandonada televisão em preto e branco…; 2) retirava da calça o meu foguete mole e adormecido que obedecia solenemente a gravidade de Newton…; 3) num vai-e-vem contínuo, preparava-me, a esperar, sem chegar ao extase, a cena memorável de Mimi…; 4) quando começava a dança, na qual a sueca rolava pelo chão, começava a aceleração da “palmita de la mano”… 5) quando a serpente sueca levantava as pernas, justamente naquele instante onde aparecia a sua “chaca” totalmente coberta…; 6) AAAAHHHHHHHHHHH…: meu foguete lambuzava todas as estrelas….

    Porém, no dia 20 de julho de 1969, a Apollo 11, lançada pelo foguete Saturno V, estava programada para chegar à Lua… Aqui, no Brasil, seria à noite… Mas… Não é que o filho-da-puta do Chateaubriand, no mesmo horário, resolveu reprisar a Mimi…

    Adolescente drama cruel, pois teria de ver a sueca, na dita cena, mas… ao mesmo tempo em que a Águia posava no Mar da Tranquilidade… MERDA! MERDA! MERDA!... (À época, não havia contrle remoto…).

    Indas e vindas, indas e vinda… E meu foguete em crescimento…

    Faz tempo…, mas lembro-me do instante triufal… Ao ser dito “Este é um pequeno passo para o homem e um salto gigantesco para a humanidade”… Aí, justamente aí, o Ramiro V gotejou todas as fontes… E Anita se banhou…

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  4. errata: merda, foi fruto da punheta...: é óbvio que "triunfal"...

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    1. Lembrarei de, se um dia nos conhecermos, apertar sua mão ESQUERDA. (Espero que você não me diga, admirado, como na antiga anedota: "Olha só! Como você sabia que eu era canhoto?")

      Tu tá me saindo mais punheteiro do que o Philip Roth. :-)

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  5. Não creio que exista tal coisa, uma família sem histórias curiosas ou intrigantes, sem enredos e conflitos que dariam ótimos livros pelas mãos de escritores compreensivos e talentosos. Tampouco há, acredito, pessoas planas ou desinteressantes. Sempre há um fio de novelo e ser puxado; provavelmente muitos. Mas também já tive, antes dessa compreensão, a fase de achar minha família qualquer coisa de banal demais... Até que me contaram a história da minha avó ter sido expulsa do colégio por ter se negado a cumprir não sei que ordem dada por determinado professor. Uma história por si só extraordinária (ainda mais considerando aquele tempo, aquela cidade), mas que explicou ainda muitas outras coisas. E até hoje vejo pequenas coisas relacionadas a esse evento remoto que parece ter definido toda a história de minha vó, e vejo também esse traço da personalidade dela sendo propagado pra frente. Lembro do meu pai me contando essa história: ele fazia todo um esforço muito mal disfarçado de suavizar a coisa, tentando conferir um prosaísmo impossível ao evento, e evitar assim que eu relacionasse a história de minha avó com a dele, evitar que eu enfim entendesse o orgulho como uma característica genética da família, e não como algo adequadamente dentro das estatísticas médias das famílias tradicionais com seus membros mais ou menos diferentes, mais ou menos variados em seus traços de caráter (e a sempre inequívoca virtude ligando-os todos entre si, "não há a menor dúvida disso, meu filho"). No que ele falhou completamente, é claro. Bem, há muito mais do que isso, só que eu não tenho o talento do Charlles para descrever e nem aqui é o espaço para isso!

    Lindo texto, Charlles. Espero que não entendas meu compentário acima como algo a relativizar a relevância do que vocês nos conta. Nunca sentiremos tudo isso na intensidade que você sente, por mais rara e singular que seja a sua habilidade em contar, mas essas histórias acabam ressoando em todos nós, que temos nossas mães, nossas famílias, nossos fios de novelos mais ou menos desenrolados.

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    1. Relativizar a relevância? Mas jamais pensaria nisso. Há comentários maravilhosos aqui no blog, e você sabe disso porque é o autor de alguns deles. Por isso a intenção do Luiz em fazer uma revista literária com os integrantes do blog. O Luiz tece opiniões admiradas sobre os textos que surgem na caixa de comentários, o que concordo com ele. Não me atenho muito a essa tecla da revista porque sou por natureza indisciplinado e desorganizado, e tenho aquele receio de se insistir possa estar incomodando os outros. Deixei a cargo da disponibilidade do Luiz, esse doutor que mora em Toronto, tem muita paixão por literatura latino-americana e jazz, e sabe tudo que se deve saber e algo mais sobre história das religiões.

      Essa história da sua avó parece muito com a da minha avó.

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    2. Evito de ficar elogiando o Ramiro por motivos para mim evidentes, mas um dos melhores comentários aqui, o que me deixou bastante sensibilizado, foi o que ele fez no primeiro post deste blog, em que descreve como masturbou seu velho pai no leito de morte.

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    3. Aqui é espaço sim. Quem quiser escrever o que quiser, tendo ou não algo a ver com o texto do post, é só mandar brasa. Fico extremamente feliz quando isso acontece.

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    4. Sobre essa ideia de revista literária digital do Luiz: visualizas a revista, caro algoz (auhshauhsu), mais ou menos assim?
      http://revistaterminal.com.br/

      Ou no estilo daquela a qual não recordo o nome e que Paulo, acho, postou recentemente por aqui?

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    5. Ei, gostei dessa Terminal. Deixei uns textos abertos para ler depois. Adoro Chesterton. A que eu disse se chama Flaubert, e é só de contos. Publiquei outro lá esses dias.

      Sobre a revista Charlles Campos, se for rolar mesmo, posso ajudar com textos, e talvez chamar alguns eventuais colaboradores.

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  6. Não conhecia a revista, inimigo meu. O modelo é interessante. Mas penso que não há necessidade de fazer essas divisões estanques entre filosofia, literatura, fotografia, arte, etc. O talento do pessoal aqui é meio transgressor dessas divisões.
    Quando penso nesse projeto só consigo que me venha à mente a Revista Sur, de Victoria Ocampo, Borges e Bioy Casares.
    Eu não poderia assumir no atual momento a responsabilidade principal de editar o troço. Mas aceito compartilhar a responsabilidade.
    Quem se interessou pela idéia podia mandar uma mensagem para o Charlles. A gente pode continuar a conversar sobre isso no inbox.

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    1. Eu, com muito prazer, colaboraria na única coisa que me vejo capacitado para fazer num projeto desse tipo: cuidaria do web site. Traduzindo: posso construir o site, ou o layout, ou seja lá o que for (sou web designer). Se essa conversa entre vocês realmente começar, podem me incluir: fabricio.boppre@gmail.com.

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    2. Charlles, essa sua escrita toda desde o finalzinho do mês passado está especialmente deliciosa. Fico muito feliz.

      Tenho aqui em casa uma série de caixinhas como essas que você escreveu, só que cônicas. O que há em maior quantidade, porém, são slides -- são dois retângulos de plástico alongados e cobertos com uma tampa fosca, através da qual dá pra divisar as dezenas de slides chachalhando lá dentro quando o meu avô pega na caixinha pra rever as fotografias. O meu avô é o único aqui de casa ainda interessado nelas, com a minha avó e a minha mãe em eterno conflito, ignorando a existência daqueles registros da bebê no colo com seus chumacinhos de cabelo ou a família toda até as cintura num rio acho que quando moravam em Manaus ou outros momentos como esses, uma odiando a outra mas as duas tão interdependentes que já há bastante tempo adotaram para si a desculpa mais comum de todas -- Não-tenho-escolha -- e nunca se abandonaram ao mesmo tempo que nunca abandonaram o ódio mútuo e meu avô nunca abandonou os slides, apesar do projetor já não existir mais desde antes de eu nascer. Outra coisa que ele faz muito é reler os seus papéis da Marinha, entre eles os incontáveis e hilários registros das vezes em que ele foi preso.

      Talvez um dia eu surpreenda uma das duas com os olhos colados nos slides ou nos conezinhos, e aí vai ser aquele esforço para fazer o óbvio de Zóssima. Mas é claro, dolorosamente claro, que eu posso estar sendo desonesto quanto a minha própria bondade.

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    3. Ah, esqueci: sou um contista miudinho, e disponível para escrever longas lenga-lengas cheias de digressões e dois-três-sete dois-pontos em sucessão sobre qualquer coisa com livro no meio. A ideia é muito divertida.

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  7. Charlles, a última versão de texto ficou assim, até o momento…


    LUA DE MIMI
    by Ramiro Conceição


    Sou oriundo da mais profunda ignorância latino-americana patriarcal… Um exemplo?... Ora, minha primeira referência sexo-intelectual foi Anita Ekberg em “Loucuras de Mimi”… Um filme reprisado, reprisado, reprisado… na década de 60, do XX, pela extinta Tupi, de Assis Chateaubriand que, por meio, por exemplo, de uma campanha esdrúxula “Dê Ouro para o Bem do Brasil”, fodeu e cagou à vontade sobre todas as plagas dessa colônia… Coisa que se repetiria a posteriori por Roberto Marinho que se chafurdou, a chuchar a ditadura branca de 1º de abril, por décadas…

    Inicialmente para mim não havia Fellini… Anita, ora, foi só um número quase doente de punhetas adolescentes… O roteiro costumeiro era o seguinte: 1) trancava-me no quarto e ligava uma abandonada televisão em preto e branco…; 2) retirava das entranhas o meu foguete adormecido que obedecia solenemente a gravidade universal de Newton, que se curva no espaço-tempo de Einstein…; 3) em um vai-e-vem contínuo, preparava-me, a esperar, sem chegar ao êxtase, a cena memorável de Mimi…; 4) quando começava a dança, na qual a sueca rolava pelo chão, começava a aceleração da “palmita de la mano”; 5) quando a serpente levantava as pernas, justamente naquele instante no qual aparecia a sua periquita cabeluda totalmente encoberta…: AAAAHHHHHHHHHHH… Meu foguete lambuzava todas as estrelas…

    (Deve ser mencionado que naqueles idos não havia periquitas carecas e/ou moicanas; tais personagens tornaram-se mui populares somente após a histórica queda extraordinária do muro de Berlim…).

    Mas o mais importante foi o seguinte… No dia 20 de julho de 1969, a Apollo 11, lançada ao espaço via um foguete Saturno V, estava programada para chegar à Lua… Tal acontecimento, no Brasil, dar-se-ia à noite. Mas…

    Não é que o filho-da-puta do Chateaubriand, no mesmo horário, resolveu reprisar a “minha” Mimi… Drama cruel…, pois teria de assistir à sueca, naquela cena, concomitantemente ao pouso da Águia no Mar da Tranquilidade… MERDA! MERDA! MERDA!... (à época, não havia controle remoto…).

    Idas e vindas, idas e vinda… E meu foguete em crescimento…

    Faz tempo… Mas lembro-me do instante triunfal… Quando foi dito “Este é um pequeno passo para o homem e um salto gigantesco para a humanidade”…: aí, justamente aí, o RaMiMiro V gotejou todas as fontes… E Anita se banhou…

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  8. oooÔooo, Charlles,

    não masturbei meu pai no leito de morte… O que fiz foi uma massagem dos pés à cabeça, durante aproximadamente 60 minutos, muito semelhante ao ritual cristão de imposição de mãos… Tal gesto ocasionou uma serenidade a ele. Meu pai não aceitava o seu estágio terminal (ele, um homem de 1,80…, ex-lutador de boxe, pesava entre 45-50 kg, parecia um sobrevivente de um campo de concentração…). Quando terminei, ele me disse mais ou menos as seguintes palavras: “Meu filho, você não sabe o bem que está me fazendo…”. Essa foi sua última frase lógica… A seguir perdeu totalmente a razão e, em poucos dias, morreu.

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  9. http://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/162/Absal%E3o,-Absal%E3o!-%28Previs%E3o-de-envio-a-partir-de-05-02-15%29.aspx

    Qual boa alma me presenteará?

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  10. A LENDA

    Diz uma lenda que certa vez
    Deus e um poeta se falaram.

    — E, aí, poeta, algum plano imediato?

    — No momento, subir a escada, entrar no quarto,
    abrir as janelas…, pensar-sentir e encantá-Lo
    porque há muito adestro uma ameba em casa:

    já a ensinei a rir; vou ensiná-la a chorar
    e, por último, a amar…; espero que,
    após essas lições, o bichinho vire
    um inexistente… “ser-humano!”.

    (Reza a lenda que Deus chorou).


    OLHAR ATEU

    Dentre os passos meus, naquela manhã vi deus
    no olhar ateu de um cachorrinho que passeava.
    Aquele deus não era tribal nem um assassino - de gays;
    não tinha escravos, terras ou altares justificados por leis;
    abominava políticos, padres, freiras, pastores e dízimos;
    não era uma lua mística, mas um sublime sol – objetivo;
    era um olhar enamorado que, agora, tento dar um nome,
    mas aquele deus não tinha nome; era qualquer homem
    ou mulher; era a luz d’estrelas num vagar dum vaga-lume;
    era um perfume a dizer-me…: nem ouro que reluz é tudo.

    O LIVRE ARBÍTRIO É POLÍTICO

    O livre arbítrio não é aquilo ensinado nos templos da cultura branca. O livre arbítrio é um processo político no qual se interioriza o outro dentro do eu; desta maneira paulatinamente o último compreende, apesar das mazelas, que o primeiro é seu semelhante… Portanto, tal processo não resulta em respostas exatas, mas ao contrário em perguntas que nos aproximam de algo desconhecido, denominado liberdade (ou quem sabe… “deus”).


    SOBRENATURAL

    De fato,
    a luz que saía da fruteira
    era poesia…Aquele sobrenatural que aparece
    e desaparece, de repente, sem que saibamos
    o porquê.

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  11. Gostaria de deixar público que o poema a seguir nasceu aqui, neste Blog… Nasceu de uma notinha despretensiosa desse nosso leitor profissional… Sim, minha poesia se construiu paulatinamente via a leitura do Charlles, do Milton Ribeiro, do Marcos Nunes, do Carlinus e de outros…, mas também do Blog do professor que, não sei por que, infelizmente, se perdeu…


    RODA D’ÁGUA
    by Ramiro Conceição

    Numa roda d’água cada pá
    cumprimenta a sua vizinha…
    Fui!… A da frente berra.
    Voltei!... A detrás vocifera.

    Fui-Voltei-Fui-Cheguei
    à rua que roda…
    Fui-Voltei-Fui-Cheguei
    à mariposa que pousa…

    Fui-Voltei-Fui-Cheguei
    à Lua que ousa…
    Fui-Voltei-Fui-Cheguei
    ao Sol das rosas…

    Fui-Voltei-Fui-Cheguei
    à praça louca…
    Fui-Voltei-Fui-Cheguei
    ao país dos poucos…

    Fui-Voltei-Fui-Cheguei
    à roda d’água.
    Fui-Voltei-Fui-Cheguei
    à Bola d’água.

    Fui-Voltei-Fui-Cheguei
    à cidade, ao cume da torre de televisão.
    Agora só desço  em carro de bombeiro,
    que me leve ao arco-íris da imaginação.



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  12. CALÇADAS
    by Ramiro Conceição


    No início da manhã
    janelas são abertas.
    No início,
    com pés ao chão,
    se reza à possível
    proteção dos filhos.
    No início da manhã
    as mulheres, bem ou mal amadas,
    varrem as calçadas… do Brasil.

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