sexta-feira, 14 de junho de 2013

Apologia



Ontem tive uma crise de riso ao assistir a uma matéria de um noticiário da tv. Ainda agora, quando me lembro da coisa, uma alacridade fora do comum enche meus olhos de lágrimas. O âncora, seriíssimo, sai de uma informação qualquer sobre chuvas ou buracos nas estradas, e começa e ler o tele-pronto: "uma nova modalidade de roubo preocupa os moradores da cidade x, em São Paulo". Enquanto a voz carregada de uma tensão barítona prossegue no relato, a tela corta para as cenas de uma câmera de segurança do que parece ser o pátio de uma oficina mecânica, à noite. Mal se vê alguma coisa, mas em segundos, acompanhando a narração, o telespectador consegue perceber o vulto de um homem magro que aparece no foco da imagem, tendo ele pulado o muro da oficina. O homem moreno porta uma espécie de vara longa nas mãos, e no mesmo momento, naquele imediatismo turbulento e selvagem que tem o flagrante de um acidente natural, um tsunami ou um desabamento de terra, um cão negro imenso pula em direção ao sujeito. Daí começa uma espécie de dança frenética desajeitada, um pega-pra-capar, em que o sujeito e o cão se atracam, ambos parecendo possuídos por um fogo de santelmo, o que dá a impressão de que aceleraram o movimento do filme. Logo em seguida aparece as imagens de uma outra câmera de segurança, em que mostra o sujeito andando pela rua arrastando uma caixa de papelão com o rottweiler preso dentro. "Como é que vamos nos defender de uma situação destas", diz o proprietário do cão, aturdido, "se o ladrão tem coragem de roubar rottweiler e pit-bull?". Eu olho para a minha esposa e caio num ataque de gargalhadas que só vai se atenuar mais tarde quando reportam os protestos em São Paulo contra os aumentos da passagem dos transportes públicos. As barricadas improvisadas pelos manifestantes e a insegurança de guerra das ruas tomadas por trabalhadores, estudantes e policiais, me faz esquecer um pouco a simpatia involuntária que eu sinto por aquele inacreditável indivíduo. O repórter diz que o prefeito chegou de Paris e disse que está inamovível da decisão de aumentar as tarifas. Me vem um pensamento que eu não ouso revelar para a Dani, ouvindo o repórter ridicularizar um homem que tirou a camisa e se ajoelhou de braços abertos diante uma linha de policiais a cavalo: "quando é que nós, brasileiros, vamos despertar para a verdade de que estamos absolutamente sozinhos?".

30 comentários:

  1. Essa do Rottweiler e do Pitbull é uma ótima punch line hahaha é tão absurda e ridícula a situação que só podemos rir. Aconteceu algo parecido com um amigo meu: sua casa foi planejada muitos anos atrás, quando a preocupação era basicamente estética, com um murinho de tijolos tri FOFO na frente. Uma criança pulava aquilo brincando. Bem, seu bairro começou a ficar mais violento e seus pais resolveram modificar toda a entrada: adeus muro de tijolos, olá MEGA portão (a porra tapava a casa toda, fazia sombra até a casa do outro lado da rua praticamente). Uma semana depois, numa bela manhã, após uma noite tranquila e silenciosa, cadê o portão? Ninguém sabe, ninguém viu.
    Brasil, onde o surreal é real.


    Ah, esses protestos...o maior problema deste país e o governo medíocre de Dilma, seu planejamento econômico estúpido, a inflação alta. Mas os comunistas e socialistas que organizaram isso que vemos na tv ou não se importam ou nem ligam os pontos ou tem ideias ainda piores, pois, afinal, são socialistas e comunistas.

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    1. Hahaha. Essa história do portão me fez lembrar daquela piada eleita como a mais engraçada do mundo pelos britânicos, se lembra? Estão Sherlock Holmes e o dr. Watson acampando numa das charnecas inglesas, e Holmes acorda o dr. Watson de madrugada e lhe pergunta o que ele conclui quando vê aquele lindo céu estrelado acima. O dr. Watson, acostumado com os jogos mentais do amigo, põe-se a divagar: "o quanto estamos sós no universo", "o quanto somos pequenos diante a multitude das estrelas", etc, etc. Ao que Holmes responde: "Não, idiota: roubaram nossa barraca!".

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    2. asuhahusaus é boa tbm. Mas essa do portão... eu guardo muito bem o rosto do meu amigo quando terminou de contar o caso, e as nossas gargalhadas, após a conclusão bizarra, durante uma aula qualquer no colégio. De vez em quando me pego rindo desse absurdo, nem MythBusters descobriria essa.

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  2. Bah, Matheus, tu ta mto por fora se tu acha q quem faz os protestos sao "comunistas" e clichês do tipo. Tu é mto.inteligente pra andar tao desinformado. (te procurei outro.dia no facebook, nao está?). Façam um favor a vcs e entrem no impedimento e leiam os ultimos 3 ou 4 posts, desde sexta. E agora vao ouvir.melhor a ideia do fim da pm. Safatle escreveu ontem, enqto ponde e jabor soh falaram merdas, apenas superadas pelo editorial do estadao.

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    1. Concordo com você, arbo. Li a matéria que me enviou no link por e-mail. Por isso disse que nós, brasileiros, o quanto antes, devemos nos ater à verdade de que estamos sozinhos. Só temos a nós mesmos. Eu vejo essas manifestações como algo revolucionário, extraordinário. Talvez seja um momento histórico, um despertar, o sinal do extravasamento, o "basta, não suportamos mais". E há de ter violência, é um constitutivo necessário e inevitável. Manifestação pacífica? Isso não existe. Estamos sozinhos e todos contra nós: imprensa, a máfia dos políticos, o judiciário, nosso próprio analfabetismo e nossas doenças crônicas de povo dominado. Como insurgir contra isso se não for através da violência? Depredação de ônibus e aparece o gerente da firma dizendo que os prejuízos levarão três meses para serem sanados. Olha só o que é a preocupação dos caras. Aqui em Goiás, o coronel no governo processou a internet: wikipédia, o facebook e o twitter. Hahahahaha. Espero mesmo que seja um despertar do brasileiro. Que se danem PSDB e PT; eles começaram a mostrar uma certa preocupação. Décadas de domínio sem um pio, e aí começa essa tal de internet. É a mesma sensação que deve ter sentido o senhor de engenho quando o escravo açoitado levantou a cabeça e o olhou nos olhos. Um começo.

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    2. Sobre a PM, o Brasil é um dos únicos países que ainda tem esse anacronismo ditatorial. Reconheço que é uma instituição que certifica nosso atraso. Mas a questão é muito delicada. Um país já dominado pela bandidagem, sem uma oposição prática que procure dar uma resposta, ainda que pequena, da mesma truculência... Concordo com a extinção da PM desde que seja condicionada à legalização do comércio das drogas. A PM é a antítese fantasiosa dos traficantes. Os dois lados deveriam ser extinguidos.

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    3. Acho cedo ainda para diagnosticar uma primavera tupiniquim. Mas que é uma bendita novidade essa enxurrada de manifestações Brasil afora, isso é. A prova cabal de quão sério estamos despertando para a nossa condição vai ser em Brasília hoje, horário do jogo da Copa das Confederações. Se os meus conterrâneos conseguirem melar, nem que seja um pouquinho, o nosso absoluto panis et circus, prometo que reverei o meu cinismo em relação à geração i-phone.
      Cara, imagina que revolucionário seria isso. A capital federal, nossa insofismável Ilha da Fantasia, tomada de assalto pelos mesmos "Vizigodos" do Hadad. Marin de cabelo em pé, a classe de servidores públicos, todos aparelhados em suas roupas de domingo e ingressos populares à 500 reais por cabeça, praguejando no DF-TV sobre a violência urbana de Brasília, amaldiçoando a presente inclusão social e vaticinando qualquer tipo dessa versão do apocalipse da elite. A FIFA ameaça sequestrar a Copa de 2014 do Brasil e outorgá-la à Inglaterra.
      Mostra-me isso no noticiário de Domingo que eu nunca mais duvidarei da geração i-phone.

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    4. Olha, arbo, fico envaidecido (sério) por achares-me muito inteligente, mas não creio estar desinformado, não. Penso ter um outro olhar sobre essa situação. Enquanto tu indicas o Impedimento (um dos maiores sites do Mundo) com os textos dos Cassol e do lfds (aos quais tenho um baita conceito, por suas opiniões futebolísticas e por serem colorados tbm ahsuhsu, apesar de terem o lamento típico da esquerda latinoamericana), eu indico - e prefiro - este: http://www.implicante.org/artigos/a-teoria-da-janela-quebrada-o-vandalismo-nos-protestos-pela-tarifa-de-onibus/

      Acho muito mais acurado. Sensato. Bem mais jornalístico do que qualquer outra matéria em jornais, sites, etc. Dê uma lida séria, sem preconceito natural ante um site 'reaça'. Qual o absurdo, o que de impossível, de desonesto está escrito ali?

      O Charlles vendo esses protestos como algo revolucionário, extraordinário...bem, protestos tem toda semana em Porto Alegre, sempre os mesmos. Acredito que nas grandes capitais seja rotina.
      E estamos sozinhos, sim, encarando o brutal aparelho estatal que aumenta nossa servidão diariamente. O brasileiro está cansado, está puto da cara, está vendo o país ir à merda, social e economicamente. Mas o que me ASSUSTA é que as pessoas estas que estão protestando querem MAIS estado, MAIS intervenção, não querem ser deixadas em paz pelo seu país, mas, sim, querem ser cuidadas, querem 'direitos' que na verdade são privilégios, querem aquela utopia desgraçada, querem isso tudo do mesmo país, do mesmo estado que os maltrata agora. Não, eu não vejo isso tudo como um despertar do povo brasileiro. Não passa de uma grande jogada midiática, e eles sabem fazer isso melhor do que ninguém.

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    5. Um problema conceitual. Eu creio que a melhor saída é o estado de bem estar social. Não é apenas midiático, Matheus. E não é uma manifestação isolada. É algo nacional, com toda certeza organizado pela net, e contra partidos de todas as vertentes ideológicas. E se não houvesse o estado para a mediação, quem impediria que as passagens subissem? Qual representatividade teríamos contra as empresas?

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    6. Matheus,
      Se permite uma pitada de ironia...

      Abre aspas. Acho lindo essa petição de democracia, o atestado maior da nossa super-modernidade, o argumento do "outro olhar". Fecha aspas.

      Mas você acha mesmo que toda essa movimentação dos últimos dias, toda ela, é orquestrada partidariamente, por aqueles que pedem por "mais estado". Será que não há, ou não haverá, nunca mais, lugar para a manifestação de indignação pura do cidadão?

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    7. Houve uma manifestação em Goiânia, semana passada, por cerca de 200 pessoas de frente ao hotel aonde estava hospedada a seleção do Brasil. Um protesto contra os absurdos 2,5 milhões gastos pelo governo estadual com o treino dos heróis da pátria.

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    8. Charlles, não sou anarco-capitalista (tão utópico quanto o comunismo, por razões diferentes), apesar de visualizá-lo como um fim. Um estado continuará existindo. Mas que estado? QUEM será esse estado? Qual será sua mentalidade? O desta sociedade aculturada? Com essa doutrinação educacional? http://reaconaria.org/wp-content/uploads/2013/06/capitalismo-socialismo-maniqueismo-imparcialidade-honestidade-intelectual-blog-thomas-conti-nova-historia-critica-mario-schmidt1.jpg

      Luiz, toda ela não. Muitos entram de gaiato; alguns por querer participar de algo maior, para 'lutar' por algo que, no futuro, lembrarão nostalgicamente ao sentar com um filho ou netinho. Mas a maioria ali, revoltada com "tudo isso que está aí", acabará servindo para os objetivos dos poucos que maquinaram a porra toda. Mas somente esse tipo de manifestação é "indignação pura do cidadão", né? Somente o que a esquerda mete a mão. E essa esquerda não respeita os brasileiros, ela quer forçar goela abaixo seu plano de dominação total. Exemplo maior recente: desarmamento e sua campanha contínua, apesar da derrota nas urnas. Não param com a longa marcha.

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    9. Matheus,
      Eu sou um tanto ressabiado com essa leitura de que o cidadão descontente só participa de manifestações de protesto quando desavisada e distraidamente, ou "de gaiato", como você coloca.
      Eu não imputo esse tipo de automatismo nem mesmo às representações de descontentamento mais conservadores, como é o caso dos brucutus evangélicos que se descabelam por conta do ocaso da família e dos valores de antanho.

      Não sei ainda diagnosticar se de fato o descontentamente mais puro, apartidário, tem mesmo condição de ser potencializado pelos instrumentos da juventude do i-phone.

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    10. Este comentário foi removido pelo autor.

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    11. Por mais simplista que pareça, acho que um bom indicador de revolta geral é o número de manifestantes, mas com ressalvas: os evangélicos fazem barulho, mas são, o que, 22% do Brasil? Aqui em Poa sempre colocam uns 40 mil num sábado da fé, de jesus ou de JEOVÁ, mas são uns 10% de Poa (menor índice das capitais, se não me engano).

      A geração iphone é...sei lá o que é. Eu não faço parte dela, pois meu celular é um SONY ERICSSON de 2007 hahaha o que me faz lembrar da pergunta do arbo: tche, nao tenho o FACE, antes preciso de um telefone esperrrto.

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  3. Só que é muito leviano o Safatle escrever tal texto vendo apenas um lado. Mais uma vez me certifico que o Safatle parece escrever apenas para a realidade alternativa dos alunos da USP. Fácil escrever contra uma categoria que é uma das mais mal pagas do país, quando se ganha um salário acima dos dez mil reais.

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  4. Colem aí o link para o texto do Satafle, per favore.
    Acabo de descobrir que Gustavo Lima e Asa de Águia embalarão o sono do Brasiliense que ascende ao Eixo Monumental para o jogo. Gustavo Lima, me parece, é um ditame da ditadura de gostos atual. Não consegui deixar de rir do Asa de Águia. O eterno "Manhã de Carnaval" candango.

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    1. http://www1.folha.uol.com.br/colunas/vladimirsafatle/1124692-pela-extincao-da-pm.shtml

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    2. A versão do Satafle, apesar de unilateral, é bem persuasiva.
      Atenta só o que o Tenente Coronel da Polícia Militar do DF fala agora nesse momento, sobre os manifestantes acampados no Mané Garrincha.
      http://g1.globo.com/globo-news/globo-news-ao-vivo/videos/t/ao-vivo/v/globo-news-ao-vivo/61910/

      Ele fala em "tentativas de negociação" com os manifestantes (como se se tratasse de algum tipo de atividade criminosa, terrorista), de "contenção de baderna" e paleativos do tipo "estamos prontos para o uso da força preventiva e controlada." Porque de repente eu me sinto como se estivesse assistindo a um evento na Turquia ou no Egito? Por que negociações para dispersar uma manifestação plenamente democrática?

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    3. A parte em que o Safatle fala da impossibilidade de que um policial militar mais instruído e de melhor nível intelectual exista, por ser a instituição já por si truculenta, é uma falácia. O Brasil vive me estado do guerra, e somos um dos povos mais violentos do mundo. A solução, como tudo no país, deve ser pensar na longa transição. Dar o direito aos policiais militares de greve, de adesão ideológica (p. ex., de não participarem das repressões do estado por concordarem com os manifestantes), acabar com a prisão por indisciplina. Desmilitarizar aos poucos a PM. Mas em um estado de guerra precisamos de uma polícia militar. Imagine o Brasil, tomado por traficantes e pelos adolescente alienados pela má música, pelo sexo e campanhas sertanejas de venda de álcool, sem a polícia militar? O Brasil vai levar muito tempo ainda, talvez séculos, para perder sua condição africana para querer ter uma polícia gentil, desarmada e instrutiva quanto a do Canadá e de partes dos EUA. O mal de Safatle e companhia é esses moldes viciado de pensar o Brasil com inimigos internos a serem condenados. Um PM é um cidadão brasileiro e deveria ser contextualizado. Depois que determinou o curso superior para entrar na PM, a truculência diminui bastante, ainda que proporcionalmente ainda continue gritante.

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    4. Ok. De acordo com relação à necessidade de contextualização.
      Vi recentemente inclusive um documentário feito a dois anos atrás sobre a pacificação do Morro dos Prazeres no Rio de Janeiro que humaniza um tanto as UPPs. Contudo, ao mesmo tempo em que a diretora de Morro dos Prazeres consegue dar um rosto mais familiar, mais brasileiro, à PM, ela não consegue, ou não quis simplesmente, escamotear o insucesso de uma impreita de imposição de estado de polícia sob uma comunidade, justamente pelo retrocesso e anacronismo da política de estado de polícia que corporifica exemplarmente a PM.

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    5. ''Dar o direito aos policiais militares de greve, de adesão ideológica (p. ex., de não participarem das repressões do estado por concordarem com os manifestantes)''

      Isso já acontece, mas naquelas ;) Eu não tinha me ligado nisso até conviver com militares partidarizados. Dentro da polícia tem várias facções do PT, PDT, PSDB, PTB, PMDB, enfim, todos partidos grandes, de soldados a coronéis, e na hora do pau, dependendo de quem está no comando em certa região e em certa hora, eles ficam olhando ou descem a mamona como nunca. Naquele dia dos protestos da passagem de ônibus aqui em Porto Alegre, quando quebraram a prefeitura, muitos brigadianos cruzaram os braços e assistiram ao ato depredatório. Prefeito do PDT, que humilhou o PT...

      Mas como sumir com a Polícia MILITAR? Se mesmo com essa palavrinha pesada os bandidos cagam e andam, imagina sem? E com uma população desarmada? É um prato cheio para bandidos, sejam foras ou, pior, dentro da lei.

      Só uma desgraça total para mudar o espírito do brasileiro, mas é possível que assim o corrompa ainda mais.

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  5. Arbo, o texto do Cassol no Impedimento está bem escritinho. Segue,

    Sopro de primavera antes da festa da Fifa
    A história se repete. Em Porto Alegre, a primeira reação da parcela graúda da imprensa foi desqualificar os protestos contra o aumento da passagem de ônibus e inflacionar os episódios de vandalismo, ignorando a motivação dos que se manifestavam. Só que a cada novo ato havia mais gente na rua, mesmo com o aumento da repressão policial. Até que a parcela graúda da imprensa resolveu tentar entender por que os jovens estavam se manifestando, para não ficar falando sozinha. Já era um pouco tarde.
    Em São Paulo, na noite desta quinta-feira, vivia-se ainda a fase em que a parcela graúda da imprensa fala sozinha e mostra que não enxerga um palmo a frente do nariz. A Polícia Militar instala o caos, prende pessoas por porte de vinagre, agride jornalistas, atira balas de borracha contra quem está ajoelhado pedindo calma. Mijam sobre as pessoas e a imprensa diz que é chuva. Mas o protesto foi maior, a população se indignou com a violência e a cobertura já mudou.
    Os discursos foram parecidos, repetiram-se as polêmicas sobre os limites dos protestos, como se fosse possível organizá-los como se organiza uma quermesse. Em Porto Alegre, a Justiça acabou determinando a suspensão do aumento, a prefeitura acatou a decisão e as manifestações, em parte, arrefeceram. Em São Paulo pode acontecer o mesmo, mas isso já não é mais importante. O alto custo e a má qualidade do transporte coletivo nas grandes cidades viraram mero detalhe nessa história.
    As manifestações, que se iniciaram pela causa específica do aumento da tarifa do transporte coletivo, têm como pano de fundo esse processo que vai tornando as cidades cada vez mais hostis para as pessoas. Gentrificação, elitização, higienização, cada um nome dá o nome que quiser. As cidades estão se tornando lugares onde trafegam carros, se erguem empreendimentos imobiliários, os pobres são mandados para longe e tudo o mais é proibido. As pessoas estão se sentindo sufocadas e a reação óbvia é que cada vez mais estão indo para as ruas – a maior arquibancada do Brasil.
    A truculência com que agiu a Polícia Militar de São Paulo veio mostrar que o Estado de exceção não é um exagero ideológico. Ele ficou escancarado, como se fosse preciso, na detenção e agressão desavergonhada contra jornalistas (em tese, a polícia teria mais pudores em agredir a imprensa, mas não). Esse Estado de exceção faz, inclusive, com que as manifestações ganhem novo significado. E tudo isso tem a ver com a Copa do Mundo e com a Copa das Confederações, que começa neste fim de semana.

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    1. Sopro de Primavera antes da festa da Fifa (Continua)

      A tentativa de proibir o acarajé e as festas juninas foi uma brincadeira de criança. Há coisas muito mais graves avançando a passos largos em esferas oficiais. Deve ser votado até agosto deste ano um projeto de lei que pode tipificar ações de movimentos sociais como terrorismo – vinagre, então, será considerado arma química. Outra proposta em tramitação no Senado quer definir alguns tipos de crimes que não poderão ser cometidos especialmente durante o período da Copa, incluindo “limitações ao exercício do direito de greve”. Em Minas Gerais, a Justiça já proibiu a realização de dois sindicatos nestes dias de Copa das Confederações. Tudo para o país ficar pronto para a “Copa de todos”.
      Por isso, não enxerga um palmo à frente do nariz quem continua achando que os manifestantes que estão aparecendo nas capitais brasileiras são vândalos sem nada melhor para fazer ou que estão simplesmente protestando pela redução na tarifa do transporte coletivo. As manifestações já não são mais – se é que um dia foram – só por causa da passagem. O que já foi chacota hoje é virtude: protesta-se contra tudo que aí está. Seja na Avenida Paulista, seja nas vilas removidas. Contra o aumento, contra remoções forçadas, contra a derrubada de árvores. As pessoas estão se manifestando, basicamente, pelo direito de viver na cidade. E quase sempre alheias aos partidos, que, assim como a parcela graúda da imprensa, não sabem o que acontece nem na própria rua.
      Qualquer semelhança com o que ocorre em outras partes do mundo não é coincidência. A indignação, sobretudo da juventude, aumenta na proporção inversa da falência da política tradicional, que virou uma despachante de interesses privados incapaz de responder aos problemas da população. Há um sopro de primavera no Brasil. E até a Copa, tenham certeza, vai ser maior.
      Daniel Cassol

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  6. Agora:

    http://veja.abril.com.br/noticia/esporte/antes-da-abertura-protesto-chega-aos-arredores-do-estadio

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  7. E a manifestação acaba de ser "dispersada" à base do costumeiro modus operandi da Polícia Militar.

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    1. Eu não gosto do Juca Kfouri e do seu estilo empolado brega de escrever crônicas. Mas se não tem ninguém mais, vai Juca mesmo,

      http://blogdojuca.uol.com.br/2013/06/o-primeiros-presos-da-copa/

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  8. Uma coisa que realmente não tenho ideia do que fazer: como dispersar uma manifestação, como não ser nenhum pouco repressor nesse tipo de situação. É para os policiais ficarem olhando, quietos, deixando o pessoal avançar e avançar até sentarem no gabinete ou sei lá o que? Uma hora uma ação por parte deles deve ter início, não? Eles estão lá exatamente para isso também, não? E quando o ~limite~ é ultrapassado, não é esperado por todos que eles ajam bruscamente? Se sim, então por que o espanto e o choro? Ação e reação, de todos os lados, não?

    Bem, foda-se. Começou Canarinhos x Pokemons. Um ano para a Copa. Haja saco.

    @flaviogomes69 1 min
    Gente, não tô aí, mas é evidente q como só tem riquinho no estádio, vaiam a presidenta do PT.

    AH CLARO

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    1. http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=krlQFd3Gtcs

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  9. (Matheus, a ilustração da capa de A festa do bode é de autoria de Ambrogio Lorenzetti, e se chama "Alegoria del mal gobierno".

    Aviso ao amigo Fábio Almeida que não consigo responder a seu e-mail, pois entrou um vírus em meu computador que sempre fecha o hotmail quando eu procuro usá-lo. Tive que gravar rapidamente o e-mail e lê-lo no word, e quando fui responder, o computador travou. Peço que, até eu mandar formatar meu computador, lá pro final do mês, quem quiser me mandar e-mails o faça pelo bol, cujo endereço está aí embaixo, no canto.)

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