Que se cumpra o idealizado. Que acreditem. Que riam das suas paixões. Porque o que consideram paixão, na realidade, não é energia espiritual, mas apenas fricção entre a alma e o mundo externo. O mais importante é que acreditem neles próprios e se tornem indefesos como crianças; porque a fraqueza é grande, enquanto a força é nada. Quando o homem nasce, é fraco e flexível; quando morre, é impassível e duro. Quando uma árvore cresce, é tenra e flexível; quando se torna seca e dura, ela morre. A dureza e a força são atributos da morte; flexibilidade e fraqueza são a frescura do ser. Por isso, quem endurece, nunca vencerá.
(Stalker, Andrei Tarkovski)
(Voltamos bem…).
ResponderExcluirMANICÔMIO
by Ramiro Conceição
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Onde o tal assassinado ocorreu, conheço muito bem. Entre 1960 e 1980, morei no Belenzinho. Bairro adjacente ao Brás e à Moóca do Clube Atlético Juventus, hoje na terceira divisão do campeonato paulista, porém imortalizado pelo gol mais bonito de Pelé, na rua Javari. Vem daí meu sotaque ítalo-paulistano que troca o “i” pelo “e”…
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Durante o supracitado tempo, n u n c a… escutei um único tiro. Quando houve algum assalto, e às vezes havia, o assunto tornava-se uma polifonia entre todos os linguarudos…: o barbeiro, o jornaleiro, o quitandeiro, o dono da padaria, do boteco, da papelaria, até entre os mendigos corriqueiros (alguns comiam, dormiam e tomavam banho no átrio da Igreja de São José (imponente: com suas duas torres semelhantes àquelas da Catedral da Sé)… Que se diga e que se frise: o Belenzinho não era considerado periferia, mas pertencente ao entorno do centro de São Paulo. Os bairros dormitórios nos sessenta, na Zona Leste, eram Aricanduva, Sapopemba, Vila Dalila, Carrão, São Miguel, Itaquera e etc. Lembro que a maior sede da Febem ficava a 4 km do apartamento que vivi dos 7 aos 28 (avenida Celso Garcia, apto 1, 1601). Não me recordo de nenhum assassinato… ou rebelião, por ali.
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A partir aproximadamente dos 80, paulatinamente, o Belenzinho foi se configurando num depósito de famílias e mais famílias de migrantes, na Celso Garcia que, por fim, vira um conglomerado de cortiços. Porém, por outro lado, nas ruas vicinais a ela, a classe média edificou casas e/ou, concomitantemente, uma galopante geração de condomínios luxuosíssimos e, na Marginal do Tietê ou em plagas planejadas pelo mercado imobiliário, foram defecadas verdadeiras pragas, esses macambúzios Shoppings ao consumo. Tal metástase capitalista não foi fomentada somente na cidade São Paulo, mas em todas as outras brasileiras que adentraram nuas… no XXI.
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Portanto, agora, em cada teatro de nossa geografia está em cartaz o mesmo espetáculo… Mas é bom lembrar que se trata duma tragédia… encenada dia a dia. Logo, será que resta à nossa plateia o papel sugerido pelo impostor bilheteiro da Veja, isto é, a partir dos 16, quem se atrever a entrar sem pagar: resta somente a rua ou a cela duma prisão? Mas…, onde estão os responsáveis pela construção de tal manicômio?
REINO DAS FALCATRUAS
Excluirby Ramiro Conceição
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"Falcatrua (falcatrua-brasiliensis): ave de rapina abundante no Brasil. De acordo com o Ibama, as falcatruas vivem atualmente um processo de explosão populacional, pois não possuem um predador natural. Em bando, as falcatruas são hábeis na arte de matar. Por outro lado, quando sozinhas, parecem inocentes passarinhos. "
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No reino das falcatruas,
se confundem homenagem
com subserviência e
mediocridade com ciência.
No reino das falcatruas, a literatura
foi sequestrada pelo bando da autoajuda
e a música pela breguisse dos grunhidos,
o público se tornou privado
e o privado - uma privada pública.
Sem remorso assassinaram a lucidez,
quintuplicando - o número de javalis.
No reino das falcatruas,
impera o inglês; porém
xingar: só em português.
GAIA
Excluirby Ramiro Conceição
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No imaginário Norte: brancos cabelos à sorte.
No imaginário Sul: silêncios brancos do azul.
Entre os pés e a cabeça: sonhos e florestas
de flores amarelas, vermelhas e tão azuis.
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Entre Norte — Sul o abominável sucedeu:
conquistas; rapinagens em nome de deus.
Entre o céu e a terra uma história nasceu:
aquela em que os deuses são filhos, seus.
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A dançarina azul, num flutuar celeste,
gira o ocidente ao oriente ao ocidente
com dois corações castanhos em si…
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Aquele à direita é a África bendita!
Violentada pela ganância branca e vil.
O indígena à esquerda ferido é o Brasil!
EMBRULHO
Excluirby Ramiro Conceição
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Ah,
quantos intelecas e suas cascatas,
quantos édipos, lacaios e jocastas,
quantos jumentos transatlânticos,
quanta atriz-modêlo-vila-madalênica,
quanto jornaleco embrulho de peixe,
quanto jornalista metido a besta,
quanto publicitário com cabresto,
quanto big-brother-globetrotter de cabiçulinha,
quanta celebridade com a altura de um bueiro,
quanta fashion week,
quanta frescura no chiqueiro.
Por quê? Pra quê? Pra nada!
REI DAS TRAMAS
Excluirby Ramiro Conceição
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Tenho um criadouro de fantasmas,
de cadáveres… a gerar miasmas.
Sou um vencedor que respeita muito
a lei: aquela destinada a mim mesmo!
Contrabandeio passarinhos, sementes,
crianças e putas. Tenho vasta experiência
no tráfico de influências. Sou da academia
dos professores, dos padres, dos pastores,
dos advogados, dos jornalistas,
dos publicitários e dos artistas.
Estou acima de qualquer suspeita porque choro
em público; abraço criancinhas; doo cheques
à caridade; vou às quermesses e às passeatas.
Já comprei governadores, prefeitos, deputados
e senadores; quase me tornei dono da República.
Sou o rei das tramas, o meu negócio…: é grana!
Esclarecimento: sei que é difícil... Mas não há qualquer problema... Capiçulinha, entre as crianças nordestinas, nada mais é do que a famosa bolinha de gude....
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