"Francamente, não sei se acredito em Deus. Às vezes imagino que, caso Deus exista, não haveria de desagradar-lhe esta dúvida. Na verdade, os elementos que ele (ou Ele?) mesmo nos deu (raciocínio, sensibilidade, intuição) não são em absoluto suficientes como para nos dar garantia nem de sua existência nem de sua não-existência. Graças a um pressentimento, posso crer em Deus e acertar, ou não crer em Deus e também acertar. Então? Talvez Deus tenha um rosto de crupiê e eu seja apenas um pobre-diabo que joga no vermelho quando sai o preto, e vice-versa." (Mario Benedetti, A Trégua)
Hum. Okay. Mas não entendo você ler Benedetti e deixar de lado Bioy Casares e Roberto Arlt.
ResponderExcluirVou chegar nesses ainda. O Benedetti foi-me apresentado pelo Milton; o Onetti por você.
ExcluirEu sei, eu sei. O blog te faz um leitor muito exigido. Como esses provadores de aroma de perfume profissionais e tal.
ResponderExcluirSempre evitei o Benedetti por fazer associações à novela nova latino-americana e ao boom latino ocasionado pelo Pedro Paramo e coisinhas do Carlos Fuentes.
A citação aí em cima é bem interessante. Mas vale à pena mesmo, NO SEU BOJO?
Eu achava que o Borges exagerava horrores na sua nota sobre o Invenção de Morel, de que era uma novela cuja trama era perfeita, irretocável. Depois passei um tempo evitando o Bioy Casares por pensar que se tratava de um desses casos de parasitismo no gênio de Borges. Que felicidade estar errado.
Li apenas A Trégua. Benedetti é um escritor menor, uma espécie de tio simpático da literatura latino-americana. Acho que vale a pena lê-lo, ainda mais para alguém como eu que gosto bastante de escritores fora da circunferência canônica. A Trégua é de um existencialismo que pode soar datado, mas que a honestidade intelectual de Benedetti compensa. Penso a mesma coisa de Bioy, sobre o apadrinhamento de Borges. Por isso, até hoje, nunca cogitei seriamente a lê-lo.
ExcluirGosto de Benedetti. É menor por ser menos pretensioso; trabalha com clareza, mas qualidade. Acho A Trégua muito bom, e também A Borra de Café. Não tem nada a ver com realismo mágico; o tom dele é de um realismo cético, avesso, desconfiado, melancólico e ainda assim bem humorado. É também um contista bem legal.
ResponderExcluirO texto citado é uma blague com Pascal.
Então tá. Se Benedetti não tem grau de parentesco algum com o realismo mágico, isso já me ajuda bastante. Tomei uma certa antipatia com o movimento, catapultada não necessariamente pelo contato direto com os vultos dele. Li Juan Rulfo e pouquíssima coisa do Gabriel García Marquez. É que isso era tudo o que se falava nos oitenta e início dos noventa sobre o nosso legado à literatura universal. Até na escola nos forçavam a escrever redações no estilo realismo mágico. Birrei. Preciso inclusive dar mais chance ao GGM.
ExcluirCharlles,
Sobre o Bioy Casares, acredite-me. Ele não parasita do gênio do Borges. Li quase tudo que me caiu a mão em português dele. (Você deve conhecer as belíssimas edições recentes da Cosac). Apesar dele incursar pela literatura fantástica, eu tenho para mim que o seu apelo no gênero é mais autoral, mais latino-americano (por falta de melhor adjetivo), do que Borges. Não consigo achar nele por exemplo os vários vestígios de Julio Vernes, Wells, As Mil e uma Noites, como no último. Bioy ainda, diferente do Borges, soube escrever muito bem sobre temas mais mundanos, como o amor. Invenção de Morel, apesar de plenamente estabelecido na literatura fantástica, é na sua essência uma história de amor. Sonho dos Heróis também.
Marcos, penso o mesmo. Mas a falta de pretensão dele vale por ele ser um desses escritores naturais, o cara que não seria outra coisa na vida que escritor. Achou seu nicho e viveu confortável dentro dele.
ExcluirO realismo mágico envelheceu muito mal, Luiz. Nunca gostei de Rulfo, e o realismo mágico como moda sepultou escritores muito excepcionais, como Carpentier, Ángel Astúrias, o próprio Onetti. Onetti, muito acima dos demais, ser um escritor pouco lido, é de doer.
ExcluirConfesso que nunca gostei daquelas proezas surrealistas vazias, meramente malabarista, que contaminou parte da literatura de GGM e Cortázar. Presumo que li tudo do GGM, e grande parte de Cortázar, e de cada um gosto muito de Rayuela e de Ninguém Escreve ao Coronel, que são suas óbras que fogem do esquematismo de fantasiações. Claro que Cem Anos sobressai a todo esquematismo, mas há exageros intragáveis de GGM, como Notícias de um Sequestro (uma pretensa reportagem denunciatória com passes de mentiras estéticas descaradas), e os contos de mancúpias e casas tomadas de Cortázar já não me agradam mais.
Tem um ensaio de Marías em que ele diz do enorme cansaço que lhe dá ler sobre sonhos de personagens, pois não é a realidade, não aconteceu, trata-se de páginas desperdiçadas já que expressa uma paisagem onírica que pretende recorrer a obsoletos símbolos freudianos etc. E há um romance de GGM que me cansa até a medula, pois já começa com um sonho sobre voos em florestas e se arrasta nesse lisergismo sem fundamento até o fim. É o Crônica de uma morte anunciada, uma das coisas mais tediosas escritas por essa terra.
ExcluirMe lembrei de ter escrito um miniconto tendo Benedetti por personagem. Reproduzo:
Excluir"Em Montevidéu"
Eis que na beira da praia aqueles dois resolveram sair na porrada. Estavam lá a se atracar e nenhum policial se aproximava, enquanto os demais pedestres se perguntavam o porque daquilo, e as crianças do jogo de futebol na areia interromperam a partida para torcer por um e outro dos adversários em luta. Um velhinho que estava a contemplar o mar respondeu à pergunta feita em portunhol por uma mulher brasileira que, de biquíni, não sabia que os dois homens brigavam pelo direito de aproximar-se dela, e gostaria de saber a razão da disputa:
“Não estou sabendo, mas, perceba, são dois norte-americanos”
pode muito bem ser, mas de repente houve um erro na transcrição:
ResponderExcluir"posso crer em Deus e aceitar, ou não crer em Deus e também acertar"
aceitar e acertar?
Valeu, arbo! Corrigido.
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