terça-feira, 12 de junho de 2012

Duas Primeiras Frases Magistrais de Dois Romances Sobre Suicídio


Chegou pelos correios o tão esperado por mim Virgens Suicidas, de Jeffrey Eugenides. Estava sentado na varanda lendo-o, quando me dei conta das semelhanças de sua abertura com outro também deslumbrante romance que me caiu em mãos há pouco tempo.

Na manhã em que a última filha dos Lisbon decidiu-se também pelo suicídio_ foi Mary dessa vez, e soníferos, como Thereza_, os dois paramédicos chegaram à casa sabendo exatamente onde ficavam a gaveta das facas, o forno, e a viga no porão à qual era possível atar uma corda. (Virgens Suicidas; tradução: Marina Colasanti)

Eu não quis saber, mas soube que uma das meninas, quando já não era menina e não fazia muito voltara de sua viagem de lua-de-mel, entrou no banheiro, pôs-se diante do espelho, abriu a blusa, tirou o sutiã e procurou o coração com a ponta da pistola do próprio pai, que estava na sala de almoço com parte da família e três convidados. (Coração Tão Branco, Javier Marías; tradução: Eduardo Brandão)

23 comentários:

  1. "procurou o coração com a ponta da pistola do próprio pai"

    Só por essa expressão eu já considero esse trecho melhor que o primeiro. Mais uma vez os latinos superam os anglo-saxões quanto a figuras criativas...

    Concorda que somos melhores nesse sentido, Charlles? Eu posso estar enganado, li muito pouco, mas tenho essa intuição.

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    1. A velha fama da passionalidade, João. Concordo.

      O Javier Marías é latino na procedência da língua espanhola, tendo nascido em Madri. Tem outra coisa da qual você gostaria muito, que é uma visão filosófica acentuada e muito bem escrita sobre a condição humana e diversos outros assuntos.

      Abraço.

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    2. Fama da passionalidade? Como é isso?

      Quando eu digo latino, quero dizer os que usam idiomas oriundos do tronco latino: francês, espanhol, português, etc.

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    3. Basta ver nos romances latinos a tal passionalidade. Só neste do Javier, temos um nó de envolvimentos emotivos entre casais que ora se encontram e se distanciam ao longo do tempo. E a razão, só revelada no final, do suicídio da moça, é mais eloquente ainda.

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    4. Entendo, mas não foi isso que eu quis dizer. Na verdade eu estava me referindo às metáforas e comparações dos latinos, as quais me parece que vêm em maior quantidade e são mais criativas, em relação aos que escrevem em inglês. Estes parecem usar expressões menos tocantes, menos fortes, metáforas fracas, preferem filosofar a fazer arte. É impressão minha? Não li muito...

      Mudando de assunto, eu percebi que você nunca postou nada sobre Dante nem Goethe, que eu amo muitíssimo e louvo. Hoje começarei a ler Os Sofrimentos do Jovem Werther.

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    5. Do Goethe, João, li o Fausto, e o Werther. Adoro muito este último. Acho uma excelente iniciação na literatura dita clássica, sobretudo a alemã. Dante ainda não li.

      Sobre seu primeiro parágrafo, nem sempre é assim. Temos sim escritores de linguagem mais vigorosa e sinestésica, como os excepcionais Miguel Angel Astúrias, Manuel Scorza, Cabreira Infante, e o García Marquez dos seus dois romanções. Mas ainda acho que o sinal distintivo da literatura latina, de qualquer continente, é mesmo a consumação levada a níveis sofisticados e originais da paixão carnal.

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  2. Dois belos romances. Inclusive comentei aqui sobre o Eugenides esses dias. Está lendo a edição da L&PM? (Se não me engano, a mesma tradução saiu pela Rocco. Vale um texto sobre.

    O Marias também é muito bom. Em Coração Tão Branco, cada palavra, cada expressão (ex: a conversa com o pai do narrador no dia do casamento) é fundamental.

    Quanto às figuras criativas, acho uma comparação injusta. Quanto são os idiomas latinos (e quantos países colonizados por eles)? Ainda assim, independentemente disto, os anglo-saxões (e estrangeiros que escreveram em inglês, como Conrad e Nabokov) são incríveis. Wood explica.

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    1. Injusto por quê? Não é muito dito por aí que a Literatura Inglesa é a melhor? Ou você está se referindo ao volume de obras escritas em línguas do troco latino?

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    2. Realmente, havia me esquecido dos escritores não ingleses que adotaram o idioma inglês. Conrad e Nabokov, principalmente o primeiro, são acima do padrão mesmo para a literatura inglesa.

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    3. Paulo, estou lendo a edição que está aí do lado no blog. A da Rocco. Recomendação sua. Penso que primeiro saiu pela Rocco, e depois pela L&PM. Esse ano a Cia das Letras pretende lançar o romance, talvez pela tradução do Paulo Britto.

      Lestes o Coração Tão Branco? Fantástico, não! Um romance que quase chega à perfeição. Que vai dizer que tal gênero está em crise com um produção soberba destas. Sim, o diálogo com o pai é um momento ímpar. Uma lição de literatura de primeira. Pensei em fazer uma resenha aqui, mas sairia muito laudatória. E o diálogo intermediado pelo narrador/tradutor entre as duas sumidades políticas da década de 80?

      Claro que estou gostando das Virgens. Mas minhas comparações com o do Javier param pelo parágrafo de abertura. Seria despropositado, mesmo para o nível de Eugenides.

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  3. Theodoro: Acho injusto por desconsiderar contextos. O tronco latino é muito abrangente. Basta pensar que uma das inovações de Chaucer foi não escrever em latim ou francês, as línguas literárias de seu tempo. Ou seja, o mundo escrevia nelas e o inglês era língua vulgar. Quando começaram a escrever em inglês já havia Ovídio, Virgílio, Dante, Petrarca, Boccacio, Villon, e começaram a escrever também em português, espanhol. Desses, o único que saiu da ativa foi o latim. Incomparável. Mas penso que varia por autor e ainda, por obra. O próprio Marias é dado a filosofar, e isso não impede que ele traga belas imagens e metáforas (assim como Proust ou Sebald). Por outro lado, uma obra inteirinha como El Túnel traz menos imagens que um único ensaio curto de Thomas De Quincey. Cada projeto é um projeto.

    Charles: Está gostando do livro? A edição da Rocco é a mesma coisa da da L&PM sim. Houve uma parceria entre as editoras. Eu estava vendo, a Rocco foi vendendo para a Cia os direitos de muitos grandes autores: Eugenides, Bernhard; se não me engano o Marias era da Martins Fontes, e o Sebald da Record. No livro, há ainda o caso passado em Havana, porém esse diálogo é um dos grandes momentos mesmo. Marias é mestre. Ele se diz um irmão literário de Sebald, porém quando o li, pensei bastante em O Bom Soldado, obra-prima de Madox Ford - essa literatura quase investigativa sobre os pormenores de uma vida. Jonas Lopes escreveu um belo artigo sobre o livro. Aqui: http://www.dicta.com.br/edicoes/edicao-3/livros/

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    1. O engano bem-humorado da cena de Havana é realmente uma cena e tanto. Li esse Javier com o êxtase das grandes descobertas, com a mesma alegria de quando descobri, por exemplo, Thomas Mann. O grande livro tem o efeito rejuvenescedor. Li, depois, Teu Rosto Amanhã, vol.1, mas, apesar de ser a aclamada obra-prima do autor, e de também ser ótimo, não obteve o mesmo impacto.

      A Rocco é uma editora bem idiossincrática. Em seu catálogo, tem importantes obras secundárias de Bellow e Bernhard, a maioria delas há muito fora de catálogo. Parece que sua especialidade é a dos romances menores, o que revela um grande conhecimento e paixão pelos livros. Tenho uns 5 romances do Ian Mcewan aqui, publicados pela Rocco, inclusive o ainda não relançado pela Cia das Letras (e a meu ver a melhor coisa que McEwan já escreveu), "Amsterdã". A Record lançou "Os Emigrantes" e "Anéis de Saturno", do Sebald, relançados em novas traduções pela Cia.

      Li O Bom Soldado no começo da juventude, naquela edição em bolso elegante; o fiz por derivação das leituras de Conrad, no propósito de estudar o quanto Conrad devia realmente pelas contribuições de Ford em seus grandes romances (sobretudo em Nostromo). Confesso que pouco dele ficou em minha memória, provavelmente por meu ciúmes ver que Conrad, um de meus autores de toda a vida, é bem superior e imolado à escrita do inglês.

      O que dá para dizer das Virgens, por enquanto, é que facilmente se impressiona pela qualidade da escrita de Eugenides. Realmente, há muito da inteligência de Nabokov ali, como você disse. Estou gostando.

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    2. Valeu, Paulo. Mas, e então?... No final das contas, desconsiderando-se contextos, a literatura "latina" é melhor ou não em termos de criação de metáforas e figuras fortes, na sua opinião? E na sua, Charlles? Creio que só por você, Paulo, ter dito ser injusta minha comparação já se pode dizer que você concordou (no fim das contas) comigo, não é?

      Abraço.

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  4. Sim, penso na literatura latina tem mais, alguns melhores, outros não, mas não no contexto dos prosadores em atividade (do qual foram tirados os exemplos que geraram o debate). Pelo que eu ando lendo, até autores de fantasia de língua inglesa possuem bons pintores (no momento penso em Susanna Clarke e Neil Gaiman). O que dizer então de todos aqueles autores de não-ficção, como Oliver Sacks, Edmund De Waal e Bill Bryson?

    Mas temo não ler contemporâneos o bastante, por isso proponho uma lista de nossos estilistas em atividade¹ favoritos, quem sabe até de modo a sugerir leituras. Para mim são McEwan, Roth, Eugenides, Baricco, Marias, Hatoum, Ubaldo, Egan. Listo somente autores que li pelo menos um livro, por isso excluo nomes fundamentais como Amis, Banville ou McCarthy, entre muitos outros que pensei. Quais os de vocês?

    ¹ Levo em conta principalmente a capacidade de criar grandes metáforas e figuras fortes na prosa.

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    1. João, faço minhas as palavras do Paulo. Admiro muito os autores latinos, mas tem os ingleses, os alemães, os russos... Melhor mesmo ler de tudo.

      Deixe-me ver, Paulo: Roth, Nooteboom, Marías, Pynchon, Naipaul, Coetzee, Magris, Margareth Atwood, Lobo Antunes, Mia Couto.

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  5. Pensei nesses de sua lista, Charlles, menos na Atwood e no Antunes, que eu realmente não imaginava. Mas deles só li o Roth, o Marias (mencionados) e o Coetzee. Penso em ler ainda esse ano o Nooteboom, que é muito bem falado. Já leu alguma coisa do Hatoum?

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  6. Minha ignorância não me permite contribuir, não sou capaz ainda de fazer uma tal lista. Além disso, tenho forte predileção pelos clássicos, pelas obras do século XIX para trás, de modo que praticamente só leio esses. Depois de me satisfazer tendo lido Dante, Virgílio, Ovídio, Homero, Goethe, Byron, etc., começarei a ler os modernos, fazendo grande esforço para aceitar tantas "liberdades"...

    Isso pode demorar um pouco, porque tenho usado meu tempo para os estudos.

    (Charlles, você teria a bondade de, quando puder, criticar um conto meu que eu lhe enviar? É que conheço pouquíssimas pessoas dispostas ou competentes para isso, e sem que alguém leia, como vou saber como estou? Digo competentes não por eu escrever muitíssimo bem e só um erudito poder me compreender, não! Digo-o porque quero uma crítica de verdade, e não um "eu gostei..." Você pode? Na verdade só quero um comentário seu, que eu até valorizo muito.)

    Abraços.

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    1. Terei prazer em ler, João. Meu e-mail é charllesfaulkner@bol.com.br

      Já li textos seus e já disse o quanto você escreve bem. A ponte para a modernidade tem que ser feita, João, é inevitável. Eu também sofri ao me apegar aos escritores antigos, e vi o quanto o que eu escrevia, por mais que me parecia eficiente, soava anacrônico. Há uma maneira de escrever sendo barroco ou retrógrado, mas desenvolvendo uma voz contemporânea válida. Veja o Saramago, parte da obra de Thomas Pynchon, e Javier Marías.

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    2. Ah! Outro aprendizado importantíssimo de escrita moderna que ressoa fortemente aos clássicos está em Thomas Mann. A Montanha Mágica e Doutor Fausto são imprescindíveis.

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  7. Claro. Seria no mínimo irônico "ler de tudo" sem incluir os clássicos. Mas eu prefiro variar. Há livros que não consigo sequer começar sem outras leituras prévias, mas penso que posso ler autores como Dickens, Dumas, Bellow, McEwan, sem necessariamente os ligar à seus antecedentes. Já Borges, Melville, Joyce, jamais. Por isso só alterno livros que vejo que posso ler. Demorei anos para começar Proust por isso. Não lerei o Fausto de Mann antes do de Marlowe e do de Goethe. Mas cada qual com seu método. Aprecio o seu, apesar de não conseguir fazer igual.

    P.S. A propósito, li esses dias a tradução (incompleta) de Bocage para as Metamorfoses de Ovídio, que saiu pela Hedra. Ainda estou aturdido com a força imagética daquelas narrativas (principalmente a de Píramo e Tisbe). Você recomenda alguma edição completa em português?

    P.P.S. A inutilidade de algumas "liberdades" de hoje em dia são, de fato, quase inaceitáveis.

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    1. Paulo, estou na correria hoje, e estou respondendo às pressas, o que não gosto. Mas uma observação: você citou o Martin Amis. Li seus três romances principais. A Informação é muito divertido, e tem rasgos de boa escrita impressionantes. Mas divido a opinião de um crítico: Amis é um grande escritor que nunca produziu um grande livro.

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  8. Você lembrou de algo importante: a leitura de alguns autores requer, às vezes, a leitura de obras precedentes. Leio os clássicos também pensando nisso, mas meu motivo principal é que eu realmente prefiro o estilo rebuscado.

    Não pense que eu já li os autores que citei. Deles só li Dante e Goethe. Citei outros para mostrar que ainda vou lê-los. Quando eu disse que li muito pouco, fui sincero. Quanto a alguma outra tradução de Ovídio, é difícil dizer, porque é difícil até mesmo achar uma obra dele, quanto mais poder escolher traduções. Desculpe-me.

    Bem, quanto às liberdade, ainda bem que você concorda. Hoje em dia os malditos pós-modernos usam o relativismo como desculpa esfarrapada para escrever de qualquer jeito. Quando eu digo que é feio, vem um e: "gosto é gosto!" Para mim não é tão simples assim...

    Abraço.

    J. M. Theodoro

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  9. achei um pouco estranha essa divisão do "filosofar" e "fazer belas metáforas". não sei o q o charlles pensa, mas tenho pra mim como grandes METAFORISTAS o schopenhauer e o nietzsche, que, por sinal, escreviam em alemão. pra mim, a metáfora está acima da questão "esta ou aquela língua". e penso q, se houvesse então uma limitação de certa língua, melhores e mais bem-vindas seriam as metáforas, pois elas são mesmo a dança em pleno funeral.

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