“O amor, em virtude de sua paixão, destrói o ‘entre’, esse espaço que nos relaciona com outros e nos separa deles. Enquanto dura seu encanto, o único ‘entre’ que pode inserir-se no meio de dois amantes é a criança, o próprio produto do amor. A criança, esse ‘entre’ com que os amantes agora estão relacionados e mantêm em comum, é representativa do mundo onde ela também os separa; é uma indicação de que eles inserirão um novo mundo no mundo existente. Por meio da criança, é como se os amantes retornassem ao mundo do qual seu amor os expeliu. Mas essa nova mundanidade, resultado e único final possíveis de um caso de amor, é, num certo sentido, o final de um amor, que deve superar novamente os padrões ou ser transformado em outro modo de estar juntos. O amor por sua natureza não é mundano, e é por isso — não por raridade — que é não apenas apolítico, mas antipolítico, talvez a mais poderosa de todas as forças antipolíticas humanas.” (A Condição Humana, Hannah Arendt. Retirado daqui)
Isso me lembrou um filme que vimos há muitos anos atrás, sobre Pasolini, quando ele foi expulso da escola onde era professor por atos de sedução homossexual (na verdade era tanto envolveu quanto foi envolvido pelos jogos eróticos de seus alunos). O nome do filme é "Um mundo de amor". Lembrou por seu exemplo inverso: o amor é sim político. É só ver Romeu e Julieta. O sentimento amoroso entre as pessoas não as retira do mundo, e a criança que pdoe nascer desse envolvimento também os remete a relações outras que, infelizmente, não são amorosos. Para construir um mundo de amor é preciso romper as interdições do mundo que tem o amor como estorvo às suas relações de poder, hierarquia, estética. É sobre isso que falava o filme sobre Pasolini. Do encanto entre os seres humanos que é inibido pela coerção das forças sociais voltadas para outras reproduções que não as amorosas.
ResponderExcluirInteressante! Não havia me lembrado de Romeu e Julieta. Me fez lembrar também a tentativa de apartar-se do mundo de Palmeiras Selvagens, em que um casal se refugia numa casa à beira mar para levarem um amor apolítico e alheio à sociedade, mas o intento malogra drasticamente.
ExcluirAs utopias normalmente malogram; as individuais, então, já nascem mortas - só os individualistas não percebem.
ExcluirOutra coisa: não se fie no que o Marcos diz.
Uma beleza mesmo :)
ResponderExcluirMe incomoda no discurso amoroso na maneira religiosa como o sentimento é tratado. Isso é um inferno: na ausência de entidades metafísicas, nós, os ateus, nos fodemos com qualquer sentimento que não seja relacionado ao egoísmo, daí porque relacionamos então o tal amor ao sentimento de posse do objeto desejado. Mas a bosta é quando amamos e sabemos por nós mesmos que não sentimos a posse do outro (e nem somos posse do outro), mas que o outro, por artes de nossa imaginação deficiente, inseriu suas veias em nós e assim administramos a batida de dois corações, duas mentes, dois corpos, na ilusão religiosa da unidade. Isso só pode ser uma balela.
ResponderExcluir[...]Enquanto dura seu encanto, o único ‘entre’ que pode inserir-se no meio de dois amantes é a criança, o próprio produto do amor.[...], ou seja: a inocência.
ResponderExcluirSenhor Marcos Nunes, como é possível mesmo sendo ateu, ao amar se sentir culpado. Que se fodam todos os parâmetros internalizados por nossos pais, por nossos professores, por nossos amigos religiosos frios. Ora, o que importa é aquele profundo que sabe que amamos, sendo ateu ou não...
ANTÍLOPE ENAMORADO
ResponderExcluirby Ramiro Conceição
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Houve antes.
Existe agora.
Haverá depois.
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Meu amor,
por favor, aviva-te!
O sagrado da vida
é o incerto que nos habita.
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Na rua das castanheiras,
namoro o amor que mora.
Lá, rio, choro e te devoro.
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Quando o amor nos beija,
enfeitadas são com véus
as castanheiras…do céu.
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Agora existe,
na planície,
um perfume
com teu nome.
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Preciso de ti
porque canta
a castanheira
ao bem-te-vi.
.
O que será de mim quando
porventura o teu sorriso passear
qual mar que leva um bardo à vela
grávido à fundura do amor bendito,
qual o antílope enamorado a farejar
no orvalho o sonho de um perfume?
.
Meu amor… quando da despedida,
sejamos somente sementes à vida:
dádivas de lágrimas ao encontro com as marés
de onde viemos - e das quais ressuscitaremos
estelares.
Muito bonito, Ramiro!
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