terça-feira, 20 de março de 2012

Wisława Szymborska


Chegou-me ontem o volume de poemas de Wislawa Szymborska. Não dá para colocar ali ao lado como "estou lendo". Já o li em uma sentada, e continuarei lendo a cada dia. E não há como fazer uma resenha desses poemas. Qualquer um se sente muito diminuído diante esse propósito. A não ser que eu faça uma resenha sobre a enorme alegria que eles me dão, a enorme leveza na alma. A necessidade de decorar e saber de memória cada um deles. Cada um é uma maravilha, literalmente. Cada um é um aprendizado e uma bagagem que se leva na qual trabalha o pensamento. Cada um é uma infinita simplicidade recheada de insuspeitas sentenças que parecem imortais. Jamais vi um poeta tão simples e tão profundo. Não dá para escrever o quanto esse livro me fez bem. Reli metade dele em voz alta e todos da casa fomos dormir às duas da manhã. Hoje acordei e peguei o livro da estante, a capa suavemente amassada pela manipulação de minha filha, e fiquei escolhendo algum poema para colocar aqui. Diante tantos que me encheram os olhos de lágrimas, esse que se segue vem como amostra ocasional do poder de deslumbramento contido em cada página:

Sob uma estrela pequenina

Me desculpe o acaso por chamá-lo necessidade.
Me desculpe a necessidade se ainda assim me engano.
Que a felicidade não se ofenda por tomá-la como minha.
Que os mortos me perdoem por luzirem fracamente na memória.
Me desculpe o tempo pelo tanto de mundo ignorado por segundo.
Me desculpe o amor antigo por sentir o novo como primeiro.
Me perdoem, guerras distantes, por trazer flores para casa.
Me perdoem, feridas abertas, por espetar o dedo.
Me desculpem os que clamam das profundezas pelo disco de minuetos.
Me desculpe a gente nas estações pelo sono das cinco da manhã.
Sinto muito, esperança açulada, se às vezes me rio.
Sinto muito, desertos, se não lhes levo uma colher de água.
E você, falcão, há anos o mesmo, na mesma gaiola,
fitando sem movimento sempre o mesmo ponto,
me absolva, mesmo se você for um pássaro empalhado.
Me desculpe a árvore cortada pelas quatro pernas da mesa.
Me desculpem as grandes perguntas pelas respostas pequenas.
Verdade, não me dê excessiva atenção.
Seriedade, me mostre magnanimidade.
Ature, segredo do ser, se eu puxo os fios das suas vestes.
Não me acuse, alma, por tê-la raramente.
Me desculpe tudo, por não poder estar em toda parte.
Me desculpem todos, por não saber ser cada um e cada uma.
Sei que, enquanto viver, nada me justifica
já que barro o caminho para mim mesma.
Não me julgue má, fala, por tomar emprestado palavras patéticas,
e depois me esforçar para fazê-las parecer leves.

13 comentários:

  1. Respostas
    1. Não gosta de poesias? Algumas_raras, é verdade_ nos força a ver além da mera forma. Eu também não sou um consumidor de versos, mas divido a opinião de Faulkner de que a mais alta arte literária é a poesia. Faulkner mesmo dizia que só escrevia ficção por ser um poeta fracassado.

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  2. Sou suspeito para dizer algo sobre ela. Desde que li seu discurso do Nobel e alguns poemas numa Piauí bem antiga fui tomado de uma paixão instantânea por sua poesia. Há, nessa edição de Piauí, um poema que me tocou profundamente e que não está no livro lançado no Brasil. Trascrevo-o:

    A CORTESIA DOS CEGOS

    O poeta lê seus versos para os cegos.
    Não esperava que fosse tão difícil.
    Sua voz fraqueja.
    Suas mãos tremem.
    Ele sente que cada frase
    está submetida à prova da escuridão.
    Ele tem que se virar sozinho,
    sem cores e luzes.
    Uma aventura perigosa
    para as estrelas da poesia,
    para as manhãs, o arco-íris, as nuvens, os neons, a lua,
    para o peixe tão cintilante sob a água
    e o falcão tão alto e quieto no céu.
    Ele lê - pois já não pode parar-
    sobre o menino de casaco amarelo num campo verde,
    telhados vermelhos que se contam no vale,
    números irrequietos na camisa dos jogadores
    e a desconhecida, nua, na fresta da porta.
    Ele gostaria de omitir - embora seja impossível -
    todos os santos no teto da catedral,
    a mão que acena do trem em partida,
    a lente do microscópio, o anel e seu brilho,
    as telas de cinema, os espelhos, os álbuns de
    fotografia.
    Mas é enorme a cortesia dos cegos,
    admirável a sua compreensão, a sua grandeza.
    Eles escutam, sorriem e aplaudem.
    Um deles até se aproxima
    com o livro de cabeça para baixo
    pedindo um autógrafo invisível.

    abraços,
    Fernando

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    1. Putz, como a minha empatia por qualquer coisa com esse tema ficou prejudicada!

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    2. Fernando, fiquei uma hora passando uma por uma as revistas Piauí do monte, e percebi que não tenho essa. Ainda bem que a generosidade da versão digital possibilitou achar os textos referidos por você.

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  3. Charlles, muito obrigado! Esses dois poemas (o transcrito pelo Fernando também!), me encontraram em uma pausa de um dia cheio, enredado em relatórios e burocracias. E me abriram um horizonte nos olhos. Nunca tinha lido WS. Vou comprar o livro. Vou comprar.

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    1. Vai ser um dinheiro muito bem empregado. A Nikelen vai adorar, com toda certeza.

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  4. Este livro me acompanhou nas férias. A família toda leu...Em voz alta, em voz baixa. Dele não desgrudei mais. Voltei para casa e não tive coragem de colocá-lo na estante. Permanece como meu livro de cabeceira. É deliciosamente simples! E que maravilhoso o poema transcrito pelo Fernando! Não conhecia. Obrigada pela generosidade de todos em compartilhar tão boas notícias conosco.

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    1. Obrigado pelo comentário, Cármen. É maravilhoso perceber uma comunidade de leitores deslumbrados em torno desta poeta.

      Confira o post na página inicial deste blog com mais poemas e o discurso de recebimento do Nobel de Wislawa.

      Abraços.

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    2. Puxa! Realmente, o discurso é belíssimo!!! Tudo está dito ali, de forma muito didática e - o mais importante! - poética. Abraço.

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  5. Fico pensando como deve ser em polonês, um idioma com oito declinações... Quem traduziu?

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    1. Deve ser uma conterrânea sua, Thradowski. Trata-se de Regina Przybycien,uma doutora em literatura comparada que é professora visitante na Universidade Iaguielônica de Cracóvia.

      Abraço.

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  6. Conheci-a ontem, em RETORNO,no Correio Braziliense. (suspiro) Ordena, naturalmente, ao pensamento: PARE! Numa lufada o varre. Provoca o religare. Assim fiquei e estou desde a manhã de ontem. E grata, Charlles.

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