Dois macacos de Bruegel
É assim meu grande sonho sobre os exames finais:
sentados no parapeito dois macacos acorrentados,
atrás da janela flutua o céu
e se banha o mar.
a prova é de história da humanidade.
Gaguejo e tropeço.
Um macaco, olhos fixos em mim, ouve com ironia,
o outro parece cochilar —
mas quando à pergunta se segue o silêncio,
me sopra
com um suave tilintar de correntes.
O livro da Szymborska foi fácil um dos melhores lançamentos do ano passado por aqui.
ResponderExcluirVocê leu o discurso dela na cerimônia de entrega do Nobel que saiu na Piauí há um tempo? Inteligência finíssima.
abs,
Fernando
Nessa última Piauí tem novo artigo sobre ela, com 5 poemas. Assim que li, encomendei imediatamente o livro pela Livraria Cultura. Entrei na amostra em PDF do livro disponibilizada pela Cia das Letras, de onde tirei o poema do post. Realmente, que inteligência! Dá a impressão de que ninguém nunca escreveu assim antes.
ExcluirAbraço.
AQUI HÀ ALMA
ResponderExcluirby Ramiro Conceição
Quando cantou ao rio de sua aldeia, que não tinha importância alguma a não ser à sua aldeia, Alberto Caeiro, usando Pessoa como cavalo, foi genial. Duma ideia aparentemente simples, fez a sua aldeia transmutar-se na humanidade inteira. O poema inteiro é praticamente literal, não existe metáforas estrambóticas, sentidos dúbios, quer dizer, a grande metáfora é o próprio poema em si. Mestre Caeiro, a quem Pessoa reverenciava, foi solar quando preciso e lunar quando.
Por que estou a falar de Caeiro num texto sobre Szymborska? Porque compreendo que, como já ressaltou Wisnik, a poeta “só fala da experiência que está ao alcance da pessoa, mas a sua escala inclui a fenomenologia das nuvens, a história da espécie flagrada nos seus vestígios em nós, a opacidade da pedra e o desejo vão de devassá-la, os bichos, as constelações acesas e a estrela longínqua”.
Na poética szymborskaniana, tudo parece visto, pensado-sentido por dentro das fatigadas retinas diante da pedra no caminho que passa a não ser pedra, que deixa de ser caminho, para se transformar em carne e osso na saga da vida e da morte que, no fundo, são tão brincalhonas.
Tal poesia é de dificílima gestação, pois sempre está na interface entre a genialidade e a boçalidade íntima do grotesco. Tal poesia é solar e está a anos luz da lua, tal qual disse Wisnik, da “mercantilização das palavras, da “sua apropriação publicitária”, da “identificação de tudo quanto existe pela sua senha utilitária”… da “faccionalização dos discursos”. Ou seja, tal poesia é feita de lama à alma. E aqui, minhas senhoras e senhores, HÁ ALMA!
Museu
by Wisława Szymborska
Há pratos, mas falta apetite.
Há alianças, mas o amor recíproco se foi
há pelo menos trezentos anos.
Há um leque — onde os rubores?
Há espadas — onde a ira?
E o alaúde nem ressoa na hora sombria.
Por falta de eternidade
juntaram dez mil velharias.
Um bedel bolorento tira um doce cochilo,
o bigode pendido sobre a vitrine.
Metais, argila, pluma de pássaro
triunfam silenciosos no tempo.
Só dá risadinhas a presilha da jovem risonha do Egito.
A coroa sobreviveu à cabeça.
A mão perdeu para a luva.
A bota direita derrotou a perna.
Quanto a mim, vou vivendo, acreditem.
Minha competição com o vestido continua.
E que teimosia a dele!
E como ele adoraria sobreviver!
Gosto também fo fato da poeta não descurar de temáticas não umbiguistas, que são muito comuns em poesia no mundo inteiro. Um exemplo abaixo:
ResponderExcluirVIETNÃ
Mulher, como te chamas? - Não sei.
Quando nasceste, tua origem? - Não sei.
Por que cavaste um buraco na terra? - Não sei.
Há quanto tempo estás aqui escondida? - Não sei.
Por que mordeste o meu anular? - Não sei.
Sabes, não te faremos mal nenhum. - Não sei.
De que lado estás? - Não sei.
É tempo de guerra, tens de escolher. - Não sei.
Existe ainda a tua aldeia? - Não sei.
E estas criancas, são tuas? - Sim.