segunda-feira, 3 de março de 2014

Simplesmente Wislawa





Possibilidades

Prefiro o cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos sobre o Warta.
Prefiro Dickens a Dostoiévski.
Prefiro-me gostando das pessoas
do que amando a humanidade.
Prefiro ter agulha e linha à mão.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não achar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as exceções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar sobre outra coisa com os médicos.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrevê-los.
Prefiro, no amor, os aniversários não marcados,
para celebrá-los todos os dias.
Prefiro os moralistas
que nada me prometem.
Prefiro a bondade astuta à confiante demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos conquistadores.
Prefiro guardar certa reserva.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de Grimm às manchetes dos jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães sem a cauda cortada.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que não mencionei aqui
a muitas outras também não mencionadas.
Prefiro os zeros soltos
do que postos em fila para formar cifras.
Prefiro o tempo dos insetos ao das estrelas.
Prefiro bater na madeira.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro ponderar a própria possibilidade
do ser ter sua razão
(Wislawa Szymborska, tradução de Regina Przybycien)


2 comentários:

  1. “Prefiro o ridículo de escrever poemas
    ao ridículo de não escrevê-los.”…
    .

    É isso!
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    Por isso, a seguir reproduzo, parcialmente, um comentário que certa feita fiz lá, no Idelber, que estava a tratar do extraordinário poeta Juan Ortiz (faz tempo…).
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    AQUI SÓ HÁ CHAMA
    by Ramiro Conceição
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    Quando cantou ao rio de sua aldeia, que não tinha importância alguma a não ser à sua aldeia, Alberto Caeiro, usando Pessoa como cavalo, foi genial. Duma ideia aparentemente simples, fez a sua aldeia transmutar-se na humanidade. O poema inteiro é praticamente literal, não existem metáforas estrambóticas ou sentidos dúbios; quer dizer, a grande metáfora é o próprio poema. Mestre Caeiro, a quem Pessoa reverenciava, foi solar quando preciso – e lunar quando.
    .
    Esses poemas de Juan L. Ortiz fizeram-me lembrar de Wisława Szymborska. Por que estou a falar de Caeiro num texto sobre Ortiz e Szymborska? Parafraseando Wisnik: a grande poesia pequenina “só fala da experiência que está ao alcance da pessoa, mas a sua escala inclui […] a história da espécie flagrada nos seus vestígios em nós”.
    .
    Nas poéticas de Ortiz e de Szymborska, tudo parece visto, pensado-sentido por dentro das fatigadas retinas diante da pedra no caminho que passa a não ser pedra, deixa de ser caminho, para se transformar – em carne e osso – na saga da vida e da morte que, no fundo, são brincalhonas.
    .
    Tais poéticas são de gestações dificílimas!, pois estão na interface entre a genialidade e a boçalidade do grotesco. Tais poéticas são solares e estão a anos luz da lua do jabá que vende palavras à coisificação do que temos de mais sagrado – para os verdadeiros religiosos; ou do choro incontido diante do belo, que acontece aos verdadeiros ateus.
    Ou seja, tais poéticas são feitas de alma e lama. E aqui, minhas senhoras e meus senhores: só há chama!
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    Museu
    by Wisława Szymborska
    Há pratos, mas falta apetite.
    Há alianças, mas o amor recíproco se foi
    há pelo menos trezentos anos.
    Há um leque — onde os rubores?
    Há espadas — onde a ira?
    E o alaúde nem ressoa na hora sombria.
    Por falta de eternidade
    juntaram dez mil velharias.
    Um bedel bolorento tira um doce cochilo,
    o bigode pendido sobre a vitrine.
    Metais, argila, pluma de pássaro
    triunfam silenciosos no tempo.
    Só dá risadinhas a presilha da jovem risonha do Egito.
    A coroa sobreviveu à cabeça.
    A mão perdeu para a luva.
    A bota direita derrotou a perna.
    Quanto a mim, vou vivendo, acreditem.
    Minha competição com o vestido continua.
    E que teimosia a dele!
    E como ele adoraria sobreviver!
    .
    .


    PS: a quem interessar, o post completo pode ser encontrado aqui:
    http://www.revistaforum.com.br/idelberavelar/2012/05/29/juan-l-ortiz-tres-poemas/

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  2. BARATO
    by Ramiro Conceição
    .
    .
    Ah, como é preciso a coragem
    de rir de si para que se possa
    efetivamente chorar de vontade.
    .
    Quantos fracassos profissionais…
    Quantos amores potenciais…
    Quantas noites mal dormidas…
    Quantos livros esquecidos…
    Quantos amigos perdidos…
    .
    O que sobrou? Estes poemas nas mãos.
    “Vale o esforço?” Não me encha o saco:
    vá ao Google, e descubra por si o barato.

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