sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Tabletes de caldo de galinha



A parceria entre esse blog e a editora Companhia das Letras, pelo visto, inapelavelmente está encerrada. Não porque queira a Companhia das Letras e nem tão pouco, claro, queira eu. Mas é porque assim determinou uma das facetas do universo institucional do Brasil. De três meses para cá, a Companhia das Letras me enviou, pontual e cordialmente, dez livros_ nenhum deles nunca chegou à minha casa. Comuniquei à editora para ver se havia por parte dela algum esquecimento, mas a moça do departamento de divulgação me disse que os livros foram sim enviados, mas que não tinha problema, ela os reenviaria. Assim, mandaram uma segunda vez os seguintes títulos: Fugitiva e Vida querida, de Alice Munro, Bullet Park, de John Cheever e Num estado livre, de V. S. Naipaul. Não chegaram. Fui aos Correios perguntar como algo assim poderia acontecer, e eles, com mudas caras de vitrine, disseram que não sabiam o que poderia ter acontecido. Por serem envios simples, não há como rastrear os livros. Se algum dia chegarem, dou alguns deles de presente aos frequentadores desse blog, pois já comprei os da Munro, e os demais (há um de Andrew Solomon), estão na minha lista das próximas aquisições. O que mais me consterna é que houve um tempo, lá pelos meus vinte e poucos anos, em que os Correios era, unanimemente, tida como a empresa mais idônea do país. Nota: os livros finalmente chegaram hoje, segunda-feira, 30 de dezembro de 2013.

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Ainda sobre instituições, a cidade onde eu moro ocupou os principais jornais do país na semana retrasada. Não foi algo honroso. Para os habitantes tradicionais daqui, tratou-se da vergonhosa queda de um ícone, de um herói municipal. O único policial federal nascido e criado na cidade, filho de uma das famílias mais entremeadas nos bastidores dos apanagiados de sempre do poder ( loteam de alto a baixo os cargos públicos), foi preso pela própria policia federal, que aportou na cidade em um momento cênico histórico, com suas caminhonetas negras, com seus homens uniformizados de preto com óculos Ray-Ban, com suas algemas democráticas. Prenderam o policial federal nativo, para enorme espanto e enriquecimento por meses das conversas dos velhos sentados diante as casas ao final das tardes. O nativo era superintendente do departamento de informática da PF; a Folha se São Paulo o declarou gênio dos computadores. Ele construiu um sistema de vendas particular de informações dentro da PF, e as vendia caro para empresários; ele liderava uma quadrilha que continha ainda três policiais civis e não sei mais quantos policiais militares (incluso gente de alta patente), distribuídos por 33 municípios de 4 estados. Sua fortuna acumulada em vários anos é algo muito acima do que seus rendimentos como funcionário público teria permitido angariar (fazendas, carros de luxo, essas coisas previsíveis)_ e olha que seu salário, somado à gratificação de chefia, era algo próximo a 30 mil reais por mês. Continua preso, com bens confiscados. Não por acaso, é primo de N. Aguardemos.

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E aí que a Carta Capital publicou em seu site um texto condenando o recém declarado vencedor de The Voice Brasil por americanismo. Algo a ver com o cara ter cantado, no programa da final, uma música de Leonard Cohen e não uma de, digamos, Tom Jobim ou outra figurinha de devoção religiosa de certo nicho basbaque brasileiro. A Carta Capital repaginou todo o site e virou uma espécie de república estudantil de tudo que for adepto do politicamente correto. Há por lá a feminista inconformada, obcecada por mensagens cifradas ou despudoradamente diretas por parte da mídia corporativa que denigra as mulheres; há o carinha que vive nos morros e defende com toda empostação sociológica o funk carioca como expressão legítima de aprimoramento educacional para crianças e adolescentes; há uns três ali especialistas em ler minuto a minuto o que sai na Veja, para respostas urgentes imediatas. Há muito mais que isso, e tudo pautado por uma informalidade pretensamente cosmopolita, abertamente leiga e jovial. No afã de criticar o criticável e defender o defensável, a revista, que há anos é tão ruim quanto sua contrafação em maior escala Veja, cai constantemente em contradições que a miopia dos articulistas não consegue ver, obscurecida por tanto excesso de bondade edulcorada. Daí essa crítica involuntariamente cômica de querer que um intérprete de um programa cujo nome é The Voice Brasil, sucursal de uma das maiores franquias da indústria de entretenimento americano, cujos cenários são marcas evidentes do show-business americano, e cujo jurado que mais declama sua brasilidade tresloucada se intitula Carlinhos Brown, querer, como ia dizendo, que tal candidato ostentasse patriotismo e bandeirismo étnico. O que se vê talvez seja um dos diagnósticos do que está acontecendo no meio da crise do jornalismo brasileiro, a geriatria crepuscular de gente como Mino Carta que se afasta aos poucos rumo à aposentadoria, e que dá lugar a uma mocidade que tem toda a postura exigida da nova intelectualidade reativa e libertária, mas que interiormente sofre do vazio ideológico preenchido pela paupérrima disputa partidária que tem assolado o país desde décadas.

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Tá bom. Ganhei de presente de natal da minha irmã uma edição especial de seis blue-rays e nove dvds da trilogia estendida do Senhor dos anéis. Eu adoro dragões e fadas e hobbits, e sou obcecado por Senhor dos anéis. O mal é que assisti a um episódio de The big bang theory, em que a namorada de Sheldon assiste compulsoriamente a Caçadores da arca perdida junto ao Sheldon, e destrói em definitivo a apreciação devota do grupo de amigos nerds a esse filme com Harrison Ford. Ela simplesmente diz que Indiana Jones não tem função nenhuma no filme, pois os nazistas pegam a arca sem que o herói consiga mover um dedo para impedir, e no final os nazistas sucumbem sem que para isso Indiana Jones tenha corroborado uma vírgula para isso. Ou seja, todo o peripatetismo do Jones equivale a uma macaquice besta e gratuita de um tolo que passa ao largo da história que é contada sem que na verdade ele represente alguma coisa. No diálogo final do episódio de The big bang, um dos nerds ainda consegue alavancar uma apologia a Jones, causando um rápido alívio em todos, para logo um outro chegar à triste conclusão que a única coisa que Jones fez foi apressar para que os nazistas descobrissem o local onde a arca estava escondida. Pois minha devoção a Senhor dos anéis sofreu um revez de mesma categoria. Ao re-assistir O retorno do rei, não me saía da cabeça essa desconfortável miséria da razão: por que as águias gigantes que socorreram da morte por duas vezes a Gandalf não facilitaram toda a coisa levando Frodo para Mordor, afim de que o anel fosse destruído?; não foi uma bruta de uma sacanagem egoísta que Gandalf, os deístas e esbeltos elfos, Aragorn e tantos reis e povos aparecidos na trama, deixassem que Frodo e Sam atravessassem a pé, na penúria e sob constantes ameaças de serem mortos, até Mordor?; tanto foi sacanagem que Gandalf aparece com as águias para pegar Frodo e Sam das ruínas explodidas do vulcão só após a morte de Sauron; a travessia dos dois hobbits com o anel demora 13 meses para ser concluída, às custas de muita destruição e guerra, e uma simples viagem de algumas horas com as águias e pronto, Sauron estaria destruído e tantas vidas poupadas; em contraparte, e Sauron sabia que a única coisa que podia destruir o anel era as lavas de Mordor, porque ele não colocou às portas do vulcão uns mil orcs dos mais demoníacos por garantia?; pois quando Frodo e Sam e o Gollum chegam à porta de Mordor, não há ninguém, o caminho está completamente desobstruído, de tal maneira que bastou Frodo jogar o anel, com Smeagal e tudo, pelo buraco; e agrava ainda mais essa gigantesca distração de Sauron o fato de que, quando os sinalizadores espalhados por toda a terra média são acesos, convocando a todos para a luta pela resistência de Minas Tirith, em cada posto deles, mesmo no meio das montanhas de gelo até nas planícies mais desertas, havia alguém ali para tocar fogo nas fogueiras (fogueiras que estavam apagadas há séculos, mas que renitentemente dispendiam a presença de guardas para quando a guerra fosse conclamada)_ enquanto que o ponto mais importante do mundo, as portas de Mordor, continuavam estupidamente desguarnecidas.

De todas essas questões desse post, a última que tem retirado meu sono.

20 comentários:

  1. Também sou tarado pelo Senhor dos Anéis. Mas você acabou de fazer o papel de "namorada do Sheldom" e eu estou agora numa puta de uma desolação. O que vou fazer com esse furo do Tolkien, exacerbado pelo Peter Jackson?!

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    1. Também estou passando por uma crise inconsolável, Carlinus.

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  2. Os Correios é (ou sao?; foda-se essa merda) ha anos um ajuntamento de ladroes. Ja fui roubado n vezes. Cagam para voce. Mas como nao se pode privatizar NADA no Brasil pois o estatismo e o esquerdismo impregnado na nossa gente nao deixa, continuaremos sendo roubados.

    Funcionario publico concursado = Alta chance de ser canalha. (desculpa, gente)

    A Carta Capital, a esquerda toda, é essa bosta mesmo, Charlles. Nao valem nada, nao servem nem como racao de gato. Comunista bom nao se encontra nem morto.

    Senhor dos Aneis sempre foi uma merda. Hobbits, dragoes, elfos, anoes, tudo, tudo merda. FODA-SE ESSA MERDA. Ate Game of Thrones é menos ruim, pois ao menos tem tetas e bundas de fora.

    Mas Breaking Bad foi do caralho. Terminei de ver. Entra no meu Olimpo, com Sopranos, Seinfeld, West Wing. Jesse BITCH e Better Call Saul!, favoritos.

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  3. Engraçado que esses dias eu tive a curiosidade de saber o que você, Charlles, acha da obra do Tolkien, acaso tivesse lido. Pensei que ou não teria lido e nesse caso não teria opinião alguma, ou então leu (quando jovem) e hoje cultivasse alguma nostalgia ou boa lembrança remota ou, na pior das hipóteses, alguma indiferença respeitosa, algo do tipo. Que fosse "obcecado", eu nunca esperava! Entendo perfeitamente quem não liga, como o Matheus, mas tenho a impressão que quem leu na infância, guarda para sempre um carinho pela Terra Média. Aquilo tudo, na infância, pode ser muito cativante, e por mais que nossos interesses mudem e passemos a ler outros tipos de escritores, me parece impossível que em algum momento passemos a desgostar do Tolkien... Bom, pelo menos é assim comigo, e mais um punhado de pessoas que já conheci.

    (Bom 2014 para todos!)

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    1. Sempre gostei de Tolkien, Fabricio. Lia o Senhor dos Anéis (que era uma raridade na obtusa visão do mercado editorial dos anos 80) em uma edição de uma editora da qual não me recordo o nome, não sei se era MundoNovoEditorial, que apresentava os livros em nove volumes, e a tradução era precária. Depois, achei em um sebo os três livros editados pela Europa-América, editora portuguesa gloriosa que tinha um catálogo monstruoso de bons livros e, sobretudo, de ótimos livros de fantasia. A tradução de Portugal me deu muito canseira; lembro que passei sufoco até chegar a um dicionário para saber que uma palavra lá significava "túmulos".

      Mas eu não vejo tais livros como juvenis. A literatura fantástica é extremamente respeitada, inclusive entre os grandes autores. Há uma parte muito boa sobre Tolkien, por exemplo, na trilogia do Javier Marías. Tem aqueles simbolismos todos (negados pelo próprio Tolkien) com a segunda guerra mundial e Hitler, mas o que vale mesmo é a excelência intrínseca da imaginação e da escrita de Tolkien.

      Feliz 2014, Fabricio!

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    2. Sobre os temas de Tolkien, também tem uma questão recorrente sobre a posse de uma novo artefato (simbolizando tecnologia?) significar o início da subjugação de um povo por outro... E há algo também sobre riqueza, ganância (capitalismo?): no "O Hobbit", a decadência da raça dos anões começa quando o rei descobre aquela pedra preciosa e se apega de forma doentia a ela.

      (Irei terminar 2013 lendo um livro maravilhoso: "O Ajudante", de Robert Walser, autor que conheci aqui em seu blog, Charlles, nas vezes que você citou o "Jakob van Gunten".)

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    3. O simbolismo da ganância provocada pelo anel também é muito forte e bem trabalhado pelo Tolkien

      Walser é um mestre. Só li o van Gunten para ter certeza disso. Os outros livros dele, acho eu, são difíceis de encontrar.

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  4. Charlles, só hoje vi a mensagem de natal. Fico feliz de estar incluso na sua lista de (como diria Milton) sete leitores. Obrigado e feliz natal atrasado, ou ano novo adiantado. Ou simplesmente que mantenha o passo, o que for mais adequado. Keep walking.

    Se seus livros chegarem, coloco desde já meu nome na lista para concorrer aos da Munro ou o Naipaul.

    Vi esse episódio de TBBT e pensei na grande sacanagem de Amy, hehehehe. Gosto muito mais do Hobbit que do Senhor dos Aneis; não vi esses filmes que lançaram por agora, mas não compreendo como podem ser tão longos, já que o livro só tem umas 200 páginas (creio que se leva mais tempo para ler o livro que para assistir o filme). Sobre literatura fantástica, pra mim um dos melhores livros da década é um viciante romance histórico misturado com fantasia chamado Jonathan Strange e Mr. Norrell, de Suzanna Clarke. Conhece esse?

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    1. Li muitas críticas boas sobre Jonathan Strange, à época em que o livro foi lançado por aqui (com duas capas diferentes), mas não o li.

      E não é que os livros chegaram hoje! Não veio o Fugitiva_ pelo visto tive sorte de comprar um dos últimos exemplares editados pela Cia, pois o título não consta mais nem no catálogo da editora (parece que foi comprado pela Biblioteca Azul, pelo que vem em uma propaganda na revista Piauí).

      Não tem sorteios, Paulo, senão a coisa pode atrapalhar a tele-sena da virada. Manda seu endereço por e-mail que te mando o outro da Munro.

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  5. Olá, vamos aumentar essa lista de leitores, por favor me incluam!Todo santo dia por aqui, batendo ponto. Ô VÍCIO!
    E agora com o brinquedinho novo (ipad) que ganhei do bom velhinho ficou ainda mais divertido...
    Um excelente 2014 para todos!

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    1. Você é sempre bem vindo, meu chapa!

      Só peço que não dê prioridade para os livros piratas, Ricardo. Veja isso aqui:

      http://javiermariasblog.wordpress.com/2013/12/22/la-zona-fantasma-22-de-diciembre-de-2013-las-bandas-de-la-banda-ancha/

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    2. Pirata, JAMAIS!

      Apenas sofri um pouco para converter os 30 epubs que tinha comprado anteriormente na cultura para mobi, porque afinal também não sou parvo o suficiente para ficar perambulando por aí com dois leitores de ebook (sendo que o antigo é bem precário). Precisei agrupá-los num único local.
      No mais, não descarto jamais os livros impressos.

      Por exemplo: O legado de Humboldt e Ulisses tenho tanto impresso como ebook.

      Quem gosta mesmo, de verdade, de livros não vai querer ter seu autor (es) predileto (s) pirateado.

      Quem não se lembra da fase dos livros xerocados.

      Eu me recusava terminantemente a sujar minhas mãos com exemplares deste tipo.

      Pra mim, ler um livro é uma forma de reverenciar o escritor.

      E a pirataria é uma rasteira no criador. Um golpe muito duro. Não é a melhor forma de reverenciar.





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    3. O livro é um objeto sagrado. Não vou chatear ninguém hoje com esse discurso de novo.

      Hahaha. Me lembrei das famigeradas xerox. Eu também nunca conseguia ler um livro xerocopiado. Eu tinha o Orientalismo em xerox, quando a edição estava esgotada e só se achava alguns exemplares por 300 reais em sebos, mas nunca me animava a ler, por mais que eu tivesse fetiche por esse livro. Só fui o ler três anos depois, quando o reeditaram.

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  6. E o Num estado livre? (na real, seria só por receber algo vindo de ti, desde Goiás).

    Ri muito nesse episódio de The Big Bang... e agora no almoço falava com meu colega justamente sobre algumas coisas sem sentido nesse último Hobbit (que, na real, poderia ser bem resumido em 20 minutos). Gosto muito de Senhor dos Anéis, e não é q tenha achado ruim esse filme q ora está em cartaz, mas os outros são melhores. Do primeiro Hobbit gostei bastante, sobretudo a grande cena com Gollum, a melhor do filme.
    (em TBBT, a cena do Sheldon querendo estragar a película da Amy é impagável. Mas o cara q sempre me faz dar gargalhadas mesmo é o Howard)

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  7. e, claro, um feliz ano novo a ti, Charlles, e a todos por aqui (a cada dia, melhores companhias, sem trocadilho)

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    1. Fico te devendo o próximo livro, arbo. É sério. O Mia Couto aqui é um regalo nas minhas estantes.

      Eu tinha um grande amigo, chamado Marlon, no colegial, que era igualzinho ao Howard. Sempre que vejo o TBBT fico com uma baita saudade do cara.

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    2. a única coisa q tu me deve é um abraço, num dia hipotético de um encontro improvável. vá tomar banho, eu só disse para o caso de q estivesse sobrando e tu esperando VOLUNTÁRIOS, como o Paulo acima.
      qto ao regalo, não poderia ter usado melhor palavra, é o q é. aquilo q não tem volta.

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    3. Improvável? Vivemos num continente, mas num mesmo país.

      Eu adoro dar livros, cara. Já disse isso aqui antes. Dei uma vez o Enquanto agonizo, do Faulkner, para a Fernanda, sem que eu tivesse um outro exemplar. E o livro não se acha mais, está esgotado. E não há nenhum arrependimento nisso, É ótimo presentear.

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