sábado, 7 de dezembro de 2013

Nesta noite de sábado desterrada do infinito



A questão é que na black friday comprei o aparelho de som dos meus sonhos. A loja anunciou que parcelava em dez vezes sem juros, e lá estava eu, que há muito tempo passava de frente a loja e ficava namorando o produto. Sempre tive aparelhos passáveis, de marcas intermediárias no quesito qualidade, e que duravam em média três anos. Meu último era da LG, com um som que de imediato me soava deficiente, como se em mono, e que eu tive que resignadamente aceitar. E daí que, de uma hora para outra, ele começou a rejeitar cds, travar em arquivos de mp3, etc. Foi a deixa para que eu olhasse com uma dose mais perigosa de suspiros ao imponente Sony que parecia um carro alegórico, com caixas piscando luzes de led de todas as cores, seguindo o ritmo da música. Um mimo bem boyzinho, como tudo na indústria costuma ser (em sua atitude de acreditar que após os 20 anos todo consumidor morre disciplinadamente). Meu sonho mesmo seria um aparelho como os das antigas, que eram excelentes (tive um da Aiko, marca extinta há anos, que ainda é imbatível), com radiola e rádio com visor de uma aconchegante luz verde analógica. Mas desses não se acham mais. Pois eu pensei na possível bronca da minha esposa, tive a vozinha do paradoxal demônio prudente me dizendo "calma, pense na poupança das crianças"; mas a Dani, consultada, disse que, por esse preço e pelas prestações, seria um ótimo negócio; e meus filhos chegam a gostar mais de música do que eu, o que é algo impossível. (Todos aqui de casa são abençoados por amarem demasiadamente música; o Miles Davis, meu cachorro, invade a sala de fininho, se instala no canto da porta, e viaja em uma abdução tão profunda ao som do que rola no stereo que sendo artimanha ou não de sua parte, acaba vencendo a Dani, que tem dó de mandá-lo para fora; minha filha ganhou um peixinho beta lindíssimo de aniversário, que de imediato batizou de Miada_ ou Myada, como alterno_ e que esses dias a Dani descobriu encabulada que ao som de Bach que ouvíamos ele parecia ficar em inércia magnetizada.) Dai que comprei o aparelho. Tem teclas de DJ, uma bazuca de baixo, e o manual vem em uma linguagem que por pouco não me chama de "meu peixe" ou "meu chegado", e vem instruções de como distorcer o som para "tornar suas festas mais apimentadas". Sinto um misto de prazer subversivo e culpa quando coloco para tocar nele meus cds de jazz, o que parece que as luzes adquirem uma intensidade sobrancelhinha de fúria e me olham com uma sinestesia diabólica que mais cedo ou mais tarde acabarei acordando suado de madrugada após um sonho em que as caixas de 15 quilos me afundarão para sempre terra adentro. Penso em suavizar a coisa usando um boné do avesso enquanto ouço Anne-Sophie Mutter, cruzando os braços no estilo rap, mas me faltam, por enquanto, essas bijuterias, morais e materiais. Pois bem, agora mesmo, enquanto escrevo, minha esposa e meus filhos se preparam para ir a uma festa de aniversário, e eu estarei, adrenergicamente, sozinho em casa. Eu e meu som adolescente de não sei quantos mil watts. Rebaixei e discografia do Milton Nascimento, em 320 kbps_ dá uma diferença denegridora ouvir mp3 nesse som, mas fazer o quê?_, e nela achei esse magnífico álbum de Wayne Shorter (mais uma influência do Luiz Ribeiro), que será o primeiro que colocarei para tocar. Depois, minha nostalgia londrina requer uma coletânea dupla dos Smiths, e vamos ver o que acontece.


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