sexta-feira, 8 de março de 2013

Algumas notas breves sobre leituras


Informo aos visitantes do blog que na semana que vem voltarei com novos textos. Não me sobra tempo por esses dias; demasiado envolvido com assuntos veterinários. Mas as leituras continuam nas horas livres, e minha luta é para garantir o máximo de tempo ocioso possível. O Matheus citara o História do Medo no Ocidente em uma das caixas de comentário; foi o suficiente para acionar o estopim para a leitura desse livro, que há alguns meses aguardava na estante. Terminei-o ontem. Leitura prazerosa, espantosa, e amplamente informativa. Uma das coisas que me impressionou_ eu que viro uma criança deslumbrada com o conhecimento a cada livro_, foi a descoberta do real sentido das lápides de cemitério e a razão do luto. O medo dos mortos era tão grande, que já no início da Idade Média as pessoas colocavam blocos de pedra por sobre as sepulturas, para que o morto não conseguisse se evadir de dentro das sepulturas. E o negro usado no luto, na verdade não traz em suas origens nenhum respeito, sendo sim uma atitude de antipatia contra o defunto, novamente para que ele desconsidere qualquer ideia torta de não aceitar sua condição de finado. Os capítulos sobre a peste na Alta Idade Média e no começo da Idade Moderna são esclarecedores sobre o egoísmo elementar do ser humano. Um tanto chocante ver que era comum pais se voltarem contra filhos, no desespero de se protegerem contra a doença.

Iniciei ontem O Professor do Desejo, do Philip Roth. Fiz uma anotação mental de jamais ficar tanto tempo sem ler Roth. Um show de inteligência e de qualidade de escrita; um deleite para os sentidos. Comentávamos o Luiz Ribeiro e eu que Bellow é superior a Roth, mas a leitura desse romance tem me mostrado que a caudalosidade de Roth, seus longos parágrafos, sua fixação por si mesmo e sua enorme vaidade e sua enorme paixão pela literatura, formam um contraponto com o autor de Herzog que ensina muito sobre a estatura de literatura norte-americana. Isso me faz lembrar uma frase não muito feliz do Sérgio Rodrigues, afirmando que a terceira pessoa equivale ao doutoramento do escritor. Roth escreveu cerca de 95% de sua obra na primeira pessoa _embora seu inigualável O Teatro de Sabbath tenha sido na terceira pessoa_, mas existem casos mais desmistificadores à máxima de Rodrigues: Javier Marías, que compôs todos seus romances na primeira pessoa, nunca teria saído dos bancos escolares, e o que dizer de Proust?

Por final, hoje após o almoço tive o prazer de ler o maravilhoso ensaio de Alejandro Chacoff, intitulado A Viúva e a Vanguarda, sobre Maria Kodama, o espólio de Borges, e querelas judiciais envolvendo a viúva do grande autor e um escritor experimentalista argentino bastante curioso. Um texto de encher os olhos, publicado na Piauí 78, de março, um dos melhores textos publicados pela história dessa revista.

27 comentários:

  1. A lembrança do Pecado e o Medo no Ocidente do Delumeau na nota do Matheus me deu um estalo também. Trouxe aqui comigo para o Canadá, um dos cinquenta e poucos livros que eu fiz questão de trazer comigo, a edição belíssima em dois volumes da EDUSC. Eu tenho não só um grande comichão por ler esse Delumeau, ainda mais se tratando de um dos vultos dos Annales, como o tema dele me interessa mais diretamente profissionalmente também.
    Mas diabos, como e o que você faz para conseguir ler as mais ou menos caudalosas mil páginas do Delumeau em uma semana?

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    1. Esse o x da questão, Luiz. A minha edição de bolso da Cia tem 625 páginas de texto (mais 130 de notas restritas na ampla maioria a informações bibliográficas); vem daí então minha pergunta: Delumeau vira e mexe anuncia que tratará de tais temas no volume 2 da obra, "a ser escrita", como a questão do alívio que vem após períodos excruciantes de medo (ele resvala nesse tema no final do capítulo 3, o que atiçou ao máximo minha curiosidade, ao ressaltar a onde de casamentos que sempre vem após a peste, com exemplos de noivos ainda com bulbões não de todo fechados nas pernas se casando com princesas do povo). O livro é de 1978. Ele escreveu um segundo volume?

      Faz duas semanas, mais ou menos, que Matheus mencionou o livro. 600 páginas neste período me parece um prodígio bastante humano, ainda mais para uma leitura tão formidável.

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    2. Luiz, esse nosso amigo já teve a ousadia de dizer que leu o "Ulisses" em 4 dias! (Eu levei um ano...)
      Mas, é obscuro, claro, sem o vinho do Porto...

      Aliás, Charlles, você poderia me ensinar esse seu "método do charuto" de bebericar o Porto, enquanto lê?

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  2. Pois é, não me leve a mal... sou a favor da emancipação dos métodos tradicionais de leitura... gematria, a leitura em zigue-zague por padrões meta-narrativos da kaballah, a leitura embriagada de tantos ilustres leitores cachaceiros... sou inclusive um entusiasta da tese de Umberto Eco de que se pode (não, se deve, como imperativo) falsear a leitura de certas obras às quais não se terá tempo nem disposição para ler. Eu por exemplo já li tantas vezes MacBeth sem lê-lo...
    Delumeau tem dois volumes. São de fato mil e poucas páginas com notas e cositas mas.

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    1. Tá bom, tá bom! Eu só li as páginas múltiplas de três.

      Então essa obra não deve ter sido traduzida na íntegra por aqui.

      Ah, e contêm um achado tardio: se eu estivesse lá pelos meus vinte anos teria a chave mestra que me faltou para o estrelato do rock, um nome genial para uma banda. Mestre Persin. E agora, com vocês, Mestre Persin. Quem é? Ora bolas, é o tinhoso.

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  3. E porra! Agora deu vontade de terminar logo o do McEwan e partir pro Teatro de Sabbath, ou o Dia de Finados do Nooteboom, ou finalmente ler (ler mesmo, não fingir) o Herzog do Bellow, ou o último do...

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  4. A edição da EDUSC, como falei aí em cima, é feita de 2 volumes, num montante de mais ou menos mil páginas. É a edição que eu tenho.

    A Folha fala de mais de um livro do autor sobre o Medo

    http://livraria.folha.com.br/catalogo/1071848/o-pecado-e-o-medo#prodLinksInfo

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    1. Não conhecia este o Pecado e o Medo, Luiz. Na Livraria Cultura ele está pelo preço de 165 reais, mas são os dois volumes, o que soma 1066 páginas.

      http://www.livrariacultura.com.br/Produto/LIVRO/PECADO-E-O-MEDO-O-2V/5007703

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    2. Ahhh, são livros diferentes...

      Nessa livraria da Folha comprei o "Cartas a um jovem escritor" do Llosa, que não achava em lugam nenhum. Aliás, melhor não dizer "comprei", pois ainda não chegou aqui e tenho medo de que na segunda-feira receba um e-mail no tipo "desculpe, mas o seu pedido..."

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  5. Também acho que essa questão da terceira pessoa não tem nada a ver. A lista de grandes livros em primeira pessoa simplesmente não acaba (acho que por causa dos comentários, lembrei logo do Augie March, que talvez eu goste mais que de Herzog). Também leio o blog do Sérgio, e acho que ele tenta se referir à literatura umbiguista que vemos por aí imaculados, às pilhas, entulhando os sebos e saldões.

    Falando no assunto, acho que você ia gostar de Teatro, de Bernardo Carvalho, em que a paranoia é apresentada de maneira um tanto verborrágica - ainda não terminei, mas está me lembrando muito o estilo de Bernhard e o conteúdo de Pynchon (só li O Leilão). O Guina Médici escreveu sobre ele.

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    1. Teatro, do Carvalho? Estou um tanto por fora de literatura pátria, Paulo. Vou atrás. E ainda mais depois de você tê-lo colocado em tão excepcional companhia.

      (Pretendo escrever um texto sobre o Virgens Suicidas para essa semana. O livro que você me instigou a ler. Excelente! Mas, discordo com sua ótica sobre o Soldados de Salamina [já ia escrever Cavalos de Salamina, valha-me Deus, que intersecção estranha de ideias])

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    2. Terminei o Teatro. É bom, mas recomendo o Nove Noites com mais entusiasmo.

      Eu leio a literatura brasileira como leio a internacional - escolhendo cada livro isoladamente. Se me interessou, não importa de onde ou de quem é. Penso que faria bem para o mercado interno se os livros de brasileiros não ficassem amontoados nas livrarias como um gênero único, livro de vampiro junto com as narrativas de Carvalho, que por sua vez está do lado de Augusto Cury. Em vez disso, poderiam ficar separados como seus pares internacionais (como fazem com os quadrinhos). Mas é bem estranho um defensor da leitura traduzida não ler os livros nacionais, hehehehe.

      Ah, provavelmente você leria o Eugenides, que está sendo relançado. Eu também já li muitos livros por causa desse blog e o do Milton, inclusive o Escuta Só, mencionado lá embaixo.

      Assim do nada, recomendo também dois livros muito prazerosos que li ano passado: Segundos Fora, de Martin Kohan, e A Medida do Mundo, de Daniel Kehlman. Tem trechos no site da Companhia. Vale dar uma olhada.

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    3. Paulo, tem uma gigantesca diferença entre "literatura traduzida" (como você diz), e literatura brasileira. Como dá para perceber, sou muito ligado em literatura, e digo que se não me comovo com a literatura dos daniels galeras e terrons é por motivo muito claro. Eu jamais vou ler esses caras, pelo simples motivo sem álibis e sem patriotismos toscos de que eles são muito ruins. Tirando Rosa, faz vinte a trinta anos que não leio nada de minimamente interessante no cenário nacional.

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    4. Foi uma provocação. Hehehehe. Pelos Galeras e Terrons, é perfeitamente compreensível. Eu também não curto muito
      a legião de seguidores de Lispector e Fonseca. Mas insisto que dê uma olhada em Nove Noites, além de Dois Irmãos, do Hatoum, ou em alguns contos do Sérgio Santanna.

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  6. Ouvindo aqui o Intermodulation com o Bill Evans e o Jim Hall na guitarra. É certo que tudo o que o Evans toca vira ouro, mas que parceria sensacional entre os dois...
    Há apenas, me consta, apenas uns três ou quatro encontros entre os dois. A versão dos dois de My Funny Valentine é coisa assim da ordem do indizível.
    I've got you under my skin, a primeira faixa do Intermodulation, é também de uma delicadeza certamente incompatível com a truculência de hoje.

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    1. Não tive como responder ontem. Não conheço esse álbum. Vou atrás imediatamente.

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  7. Só me corrigindo. O My Funny Valentine está no album Undercurrent, que também traz a parceria entre o Hall e o Bill Evans.
    Os dois albuns estão hoje entre os xodós da minha coleção. O Penguin Guide of Jazz Recordings coloca o Undercurrent como um pouco superior ao Intermodulation. Eu concordo! Mas recomendo os dois!

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  8. O Garry Giddins escreveu aquele ensaio notável sobre os ciquenta anos de "Body and Soul" onde ele passa em revista as mais memoráveis interpretações da música favorita de Coleman Hanwkins.
    Ainda vou escrever algo compatível ao ensaio do Giddins, mas sobre My Funny Valentine. Estou colecionando, de pouquinho em pouquinho, minha antologia pessoal de interpretações dessa peça magistral do cancioneiro americano. Além das belíssimas e introspectivas interpretações de My Funny Valentine pelo Chet Baker (com ou sem vocal), tem também aquela famosa no Cookin with the Miles Davis Quintet, com Coltrane e Miles, que você certamente deve conhecer. Agora, as duas versões que Evans e Hall fazem em Undercurrent são de doer o coração.
    Já te contei que entrei no meu casamento com My Funny Valentine, não?
    Ficava rindo sozinho por dentro, um pouco de intoxicada felicidade do momento, um pouco da felicidade interior que essa música me traz, mas também da ironia que era entrar na igreja com uma canção que diz, My funny valentine/Sweet comic valentine/You make me smile with my heart/Your looks are laughable/Unphotographable/Yet you're my favourite work of art...

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    1. Cara, ler um ensaio de jazz escrito por você seria um deleite. Quando escrever, me mande.

      Tem todo um álbum do Miles, ao vivo, chamado My Funny Valentine. Claro que você conhece. George Coleman, o jovem Herbie Hancock, Ron Carter e Tony Williams. Um de meus álbuns ao vivo preferido do Miles.

      Estranho os puristas terem criticado tanto o Miles por ter reinterpretado aquela belíssima canção da Cindy Lauper. Time after time é uma das canções pop mais perfeitas e geniais, e o jazz sempre cultivou essa vertente fundamental de releituras de clássicos populares. Mas as minhas prediletas ainda são My Favorite Things, pelo Coltrane (algo que poço falar literalmente e sem exagero que me arrebatou para a vida toda), e Star Eyes, pelo Parker.

      Há poucos tempo minha esposa e eu nos casamos no religioso. Minha esposa escolheu a música (os nomes de nossos filhos fui eu, e em compensação não muito honesta da minha parte, ela ficou com o mérito dessa incumbência), a belíssima parte 1 do The Köln Concert, do Keith Jarret. Essa música transforma nossa casa em uma catedral translúcida quando a tocamos aqui.

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    2. lindo esse som mesmo, o do keith jarret
      fiquei imaginando o charlles entrando na igreja com uma linda mulher

      uma amiga minha casou e um cara cantou isso aqui a capela, na igreja (desde lá de cima, junto ao órgão)
      foi a coisa mais linda q já vi, a voz do cara era belíssima. chorei né.
      http://www.youtube.com/watch?v=C-PNun-Pfb4

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  9. Puta, os primeiros acordes, os mais ou menos 30 segundos, da parte 1 do The Köln Concert são de arrepiar!
    A Dani, que já tinha ganhado o meu respeito através de referências refratadas nos seus textos, ganhou a minha admiração agora.

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    1. Ela adora essa música. Já penso que os primeiros 8 minutos são maravilhosos, até um pouco além da parte em que Jarret pontua com aquelas batidas contra a madeira do piano. Esse batuque solitário e cosmicamente insinuante é a catarse dessa música.

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    2. Grato pelo interesse no texto, Charlles. Há quem considere a crítica de arte e de música nada mais que a reverberação do gosto. Claro que é a celebração do gosto. Mas há toda uma rica tradição por detrás dessa celebração, com regras próprias e personagens memoráveis. Você que é bastante inteirado do ensaio crítico do Rock, de coisinhas que gravitam em torno da revista Rolling Stones e tal, deve concordar.
      Já li construções perfeitamente literárias sobre temas do jazz no Penguin Guide of Jazz Recordings. Tem também o equivocadíssimo texto que o Sartre escreveu sobre o Jazz americano, sob influência, me pareceu, daquele texto de Adorno, depois de uma visita meio etnológica sua a um club de Jazz americano. O texto é muito bem escrito, como disse, mas equivocadíssimo na idéia do jazz como construto do capitalismo norte-americano, aquela coisa toda da guerra cultural típica entre a França dos intelectuais do Partido Comunista Francês e os Estados Unidos no pós-guerra.
      Quando eu crescer eu quero escrever igual ao Richard Cook. Que habilidade formidável em transformar em literatura as suas experiência sensoriais com a música.

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    3. Na verdade eu não tenho um interesse formalizado pela crítica do rock, Luiz. Não leio a Rolling Stone e não tenho, ao menos conscientemente, nenhuma inclinação por essa revista. Gosto muito do Alex Ross, porque li o Resto É Ruído e esse livro me levou ao Escuta Só. Para falar a verdade, gostei muito das análises misantrópicas do Allan Bloom sobre rock e Mick Jagger em O Declínio da Cultura Ocidental, e suas ideias propaladas pelo Bellow na biografia que escreveu sobre o amigo_ seus salmos para que os alunos deixassem de ouvir Grateful Dead e passassem a ouvir Mozart. Mas adoro rock e tenho muitas teorias sobre a sublimidade dessa música, etc.

      Já a crítica de jazz é outra coisa. Li o livro de Kahn sobre Kind of blue, o do Hobsbawn sobre as origens do jazz e sua importância revolucionária para a sociedade americana. Ainda não li nada sobre música escrita pelo Adorno.

      Gostaria mesmo de ler seu futuro ensaio sobre o assunto.

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  10. Sobre algumas vidas breves…
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    GEOGRAFIA
    by Ramiro Conceição
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    Na bacia hidrográfica da arte,
    oS rIoS sÃo AvEsSoS à ReAlidAdE:
    os grandes alimentam os pequenos
    que se tornam grandes... Alimentos.

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