domingo, 24 de março de 2013

Yukio Mishima na morte



(Texto de Javier Marías; tradução do espanhol por Charlles Campos)

A morte de Yukio Mishima foi tão espetacular que quase fez com que fossem esquecidos os numerosos absurdos em que ele incorreu ao longo da vida, como se seu constante exibicionismo prévio tivesse sido apenas a maneira de assegurar atenção no momento culminante, o único que provavelmente lhe interessava de fato. Assim deve ser entendido, ao menos, a raiz de sua inveterada fascinação pela morte violenta, que _ se o morto era jovem e tinha bom corpo_ considerava o cume da beleza. É verdade que esta ideia não era inteiramente original, e menos ainda em seu país, o Japão, onde, como é notório, sempre existiu uma apreciada e consistente tradição em apunhalar dramaticamente as próprias entranhas e perder a cabeça com um talho executado por um amigo ou um subordinado. Em épocas não muito distantes, ao término da Segunda Guerra Mundial, foram não menos que quinhentos os oficiais que se suicidaram (assim como um bom punhado de civis) para "responsabilizarem-se" da derrota e "apresentarem desculpas ao imperador". Entre eles se encontrava um amigo de Mishima, Zenmei Hasuda, que antes de honrar "a cultura da minha nação, que é a de morrer jovem" e fazer estourar o cérebro, teve tempo ainda de assassinar a seu imediato superior por este ter criticado o imperador divino. Talvez se compreenda então porque 25 anos depois o exército japonês seguisse deprimido, vendido e sem capacidade de reação, segundo as acusações do próprio Mishima.

Seu desejo de morte, nascido em tenra idade, não era indiscriminado, e se bem pode-se entender seu terror em ser envenenado, já que o finar-se por este procedimento dificilmente poderia ser "belo", é, porém, menos explicável que quando com 20 anos, tendo sido convocado para as fileiras, em 1945, aproveitou da momentânea febre de um surto de gripe para mentir ao médico militar que lhe fez os exames, e apresentar-lhe um tal histórico de sintomas fictícios que propiciaram um errôneo diagnóstico de tuberculose incipiente que o livrou do serviço. Não que Mishima não estivesse consciente do que isso incorreria para a veracidade de seus ideais: pelo contrário, em sua famosa novela autobiográfica Confissões de uma máscara, questiona-se em vão e longamente a respeito. Como não poderia ser menos em um homem de considerável astúcia, por fim encontrou uma justificativa estética por ter evitado o que em princípio desejava tanto (a saber, "o que queria era morrer entre desconhecidos, sem intromissões, debaixo de um céu sem nuvens..."), e concluiu que "em vez disso, preferia pensar em si mesmo como alguém que havia sido abandonado pela Morte... Me deleitava imaginando as curiosas dores de alguém que queria morrer mas a quem a Morte havia rejeitado. O grau de prazer mental que assim obtinha parecia quase imortal". Seja como for, o certo é que Mishima não padeceu de grandes nem curiosas dores até o dia de sua verdadeira morte, o que significa que quando a prova se lhe chegou tinha suas forças e sua determinação intactas graças à ignorância. Em vez disso, seu pavor anteriormente de ser envenenado era tão obsessivo que quando ia a um restaurante só pedia pratos inadequados para venenos e depressa lavava os dentes freneticamente com refrigerante ou soda.

Tudo isso não lhe impediu de fantasiar o quanto quis, não apenas sobre sua própria supressão erótica (a saber, violenta), mas sobre a de muitos outros personagens de ficção, todos eles muito parecidos: "A arma da minha imaginação matou a muitos soldados gregos, a muitos escravos brancos da Arábia, príncipes de tribos selvagens, ascensoristas de hotéis, garçons, jovens valentões,  oficiais do exército, saltimbancos circenses... Beijava os lábios dos que tinham caído e ainda se moviam espasmodicamente". Como é natural, tampouco se privou de devaneios canibais, dos quais fez como objeto predileto um companheiro atlético do colégio: "Ele cavou seu garfo diretamente no coração. Um jato de sangue o golpeava por completo no rosto. Com a faca na mão direita, começava por cortar a carne do peito, suavemente, ligeiramente no início...". Certamente tais fantasias alimentícias faziam desaparecer o temor de ser envenenado, o que sem dúvida era uma vantagem.

Essa fascinação erótica por corpos viris torturados, rasgados, esfolados, trinchados ou  feridos por setas, marcou Mishima desde a adolescência. Foi um escritor impudico o suficiente para colocar a posteridade a par de suas ejaculações, pelas quais se infere que lhes outorgava extrema importância; assim, não nos sobra outro remédio que o de estarmos inteirados de que sua primeira ejaculação ele a teve contemplando uma reprodução do torso de são Sebastião perfurado por flechas, pintado por Guido Reni. Não é de se estranhar, portanto, que quando já adulto, cometendo algumas fotografias artísticas-fisiculturistas, Mishima representava-se em algumas delas com o mesmo vestuário, ou seja, um xale atado à cintura e um par de flechas fincado dos lados, os braços para o alto e as mãos atadas por cordas. Este último detalhe não carece de transcendência, tendo-se em conta que a imagem preferida de sua masturbações (entre as que deixou em bom número de registros) era de axilas cheias e_ temivelmente__ malcheirosas. Assim, essa célebre fotografia devia prestar consideráveis serviços a seu narcisismo.

Não menos cósmicos resultam outros retratos que chegaram aos entusiastas mais infantis por sexo de calendário: Mishima observando seu esquálido peito diante um espelho, Mishima com um olhar piromaníaco com uma rosa branca entre os dentes, Mishima levantando pesos para obter bíceps decentes; Mishima semi-desnudo com o estômago à mostra, uma fita nos cabelos e uma espada de samurai nas mãos, a cara de quem beira uma falsa apoplexia; Mishima com uniforme paramilitar, surpreendentemente discreto para tratar-se de um modelo idealizado por ele mesmo para seu exército privado, o Tatenokai. Também fez alguns papéis no cinema em filmes amadores de baixa produção, sobre a yakuza ou gângster japoneses; gravou canções, e um disco em que interpreta os quarenta personagens de uma de suas obras para teatro. Sua imagem lhe preocupava tanto a ponto de passar a impressão nas fotos em que aparecia junto a homens mais altos que ele, de que ele era quem pareceria um gigante.

Não se deve inferir, entretanto, que Yukio Mishima passara sua vida ocupado com esses folclorismos e ninharias. Tinha necessariamente que escrever sem parar, já que em sua morte deixou mais de cem títulos, e se sabe que um deles, de oitenta páginas, o escreveu durante uma reclusão de apenas três dias em um hotel de Tóquio. A esta atividade há que adicionar a de suas promoções no estrangeiro, que o levou a fazer numerosas viagens à Europa e à América e a preparar uma cuidadosa e frustrante encenação quando em 1967 se rumorejava que o Prêmio Nobel iria recair pela primeira vez em um autor japonês. Fez coincidir seu regresso de um périplo  internacional com a data em que deveria ser anunciado o ganhador e reservou um luxuoso apartamento em um hotel no centro da cidade. Mas quando o avião aterrizou e ele saiu antes de todos os passageiros com um enorme sorriso, encontrou-se com um aeroporto cabisbaixo, já que o galardoado foi um irritante escritor guatemalteco. Um ano depois sua depressão aumentou: o Nobel foi por fim ao Japão, mas para as mãos de seu amigo e mestre Yasunari Kawabata. Mishima não se fez de rogado: saiu correndo à casa de Kawabata para ser o primeiro a felicitá-lo e pelo menos aparecer nas fotos. Não é necessário dizer que Mishima se considerava não só digno do Nobel, mas_ sem mais delongas_ um gênio. "Quero identificar minha própria obra literária com Deus", disse uma vez a um fanático de extrema direita, possivelmente acostumado aos delírios de grandeza.

Segundo contam os que tiveram-lhe trato, Mishima era um homem de grande simpatia e com afinado sentido do humor, ainda que seu riso soasse bestial e estridente e o prodigasse em excesso. Suas relações com as mulheres foram mais escassas, exceção feita à sua avó (que praticamente o sequestrou na infância, para desespero de sua filha), sua mãe, sua irmã, sua mulher e sua filha, o elemento feminino imprescindível até para os mais misóginos. Se se casou foi por um falso alarme: acreditou que sua mãe morreria em breve de câncer, e Mishima pensou em fazer-lhe como último agrado seu matrimônio: ela morreria mais tranquila supondo assegurado sua descendência. O câncer resultou em uma fantasmagoria e a mãe sobreviveu ao filho, mas quando ainda se supunha o primeiro Mishima já havia desposado Yoko Sugiyama, jovem de boa família que, é de se supor, cumpriu com os 6 requisitos prévios impostos pelo noivo aos casamenteiros, a saber: a noiva não deveria ser nem uma sabichona nem uma mosca morta; deveria querer casar-se com o cidadão particular Kimitake Hiraoka (seu verdadeiro nome), não com o escritor Yukio Mishima; não devia ser mais alta que o marido, nem usando salto alto; devia ser bonita e com o rosto arredondado; devia prestar-se a cuidar de seus sogros e ser capaz de administrar a casa; por último, não devia incomodar a Mishina enquanto este trabalhasse. A verdade é que pouco se sabe dela depois das bodas, ainda que os hagiógrafos do escritor (entre eles a tão tiete como também tietada Marguerite Yourcenar) contam com fervor de como Mishima levava frequentemente a Yoko em suas viagens ao estrangeiro, o que não era costume entre os japoneses de seu tempo. Com isso, na opinião de Yourcenar e outros, parece ter cumprido: ao final das contas, poderia perfeitamente tê-la deixado em casa.

Foi no último período de sua vida que Mishima criou a organização paramilitar Tatenokai, da qual gostava de referir-se por suas siglas em inglês, SS (Shield Society ou Sociedade do Escudo). Tratava-se de um pequeno exército de cem homens, tolerado e fomentado pelas Forças Armadas japonesas. Os cem eram, sobretudo, estudantes e admiradores incondicionais, todos devotos do imperador e de um Japão mais retrógrado. Durante um tempo limitaram-se em fazer acampamentos, exercícios táticos, manobras pseudo-militares e abrirem a pele para misturar e beber seus sangues. Sua primeira e última ação verdadeira teve lugar em 25 de novembro de 1970, quando Mishima e quatro acólitos se apresentaram com seus uniformes amarelados na base de Ichigaya, em Tóquio. Ali teriam audiência com o general Mashita, ao qual iriam cumprimentar e apresentariam uma valiosa espada antiga de samurai, em posse de Mishima e sem dúvida muito digna de ser vista. Uma vez na presença do general, os cinco falsos soldados o algemaram, fizeram piquete com suas armas brancas e exigiram que as tropas se concentrassem diante a varanda para ouvir um pronunciamento de Mishima. Alguns oficiais desarmados (era proibido ao exército japonês usar armas contra civis) tentaram rendê-los e levaram uns tantos golpes de espada (Mishima quase cortou a mão de um sargento). Quando por fim pôde dirigir-se às tropas, o discurso de Mishima não foi bem recebido: os soldados o interrompiam continuamente gritando barbaridades como "Beijo-te a bunda!", ou Bakayaro!, de difícil tradução, embora o mais aproximado seria "Foda-se sua mãe!" (há quem, contudo, lhe dá um significado equivalente a "cadeirudo").

As coisas não saíram como havia planejado. Retornou para dentro do escritório e se preparou para o harakiri. Ao seu homem de confiança e possível amante, Masakatsu Morita, pediu que o decapitasse com sua valiosa espada depois que ele abrisse suas tripas, sem deixá-lo sofrer muito. Mas Morita (que em seguida também faria o harakiri), falhou o golpe nada menos que três vezes, atingindo-lhe os ombros, as costas, o pescoço, mas sem acertar-lhe a cabeça. Outro dos acólitos, Furu Koga, mais versado ou menos nervoso, arrebatou-lhe a espada e se encarregou da decapitação. Logo fez o mesmo com Morita, quem, faltando-lhe forças desde o princípio, só conseguiu fazer um arranhão em sua barriga com a adaga. As cabeças caíram sobre o tapete. Mishima tinha 45 anos, e dizem que, sempre teatral, nessa mesma manhã havia entregue sua última novela a seu editor. Em certa ocasião havia dito sobre o harakiri que era "a masturbação definitiva". Seu pai se inteirou do ocorrido pela televisão: ao ouvir a notícia do assalto a Ichigaya pensou: "Agora terá que ir pedir desculpas à polícia e tudo o mais". "Pois que vá!". Logo escutou sobre o restante, harakiri e decapitação, e confessou mais tarde: "Não me senti muito surpreendido: meu cérebro rejeitava a informação".

(Javier Marías, Yukio Mishima en la muerte; Vidas Escritas)

30 comentários:

  1. É uma tradução livre do texto de Marías ou um ensaio seu entremeado de passagens to ensaio do espanhol?
    Não estou assim decepcionado com a entonação e ênfase do texto, dito, que ele toma antes a vida de Mishima do que a sua obra como reflexão.
    Porque se houve um escritor que intentou fazer da sua própria vida uma obra de arte, a estetização mais absoluta da sua biografia, esse foi o mestre Mishima.
    Sabe que o segundo livro da Tetralogia Mar da Fertilidade, o Runaway Horses, o qual ele publicou se bem me recordo não mais que uns dois anos antes de sua morte ritual, o herói da novela e jovem idealista morre pelas suas próprias mãos quase exatamente como Mishima.
    E ele de fato concluiu o último romance da tetralogia, sua obra prima, o The Decay of an Angel, na manhã em que ele partiu para a sua triunfal oeuvre bio-estética.

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    1. É um ensaio puramente do Javier Marías. Faz parte de seu livro Vidas Escritas, cujo mote é a aproximação a escritores por seus cotidianos e seus assombros e peculiaridades humanas. Fiquei muito instigado a ler Mishima depois desse texto.

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    2. O texto é tão perpassado não só pelo seu estilo (você sendo o tradutor isso se explica, claro) como por aproximações pessoais suas sobre a pessoa do Mishima que por um instante titubeei.
      Que o Marías depende de intermediários nesse retrato tá bem explicitado na sua menção à biografia literária ("a hagiografia") escrita pela Yourcenar. Mas eu iria mais além. O tom do texto pareceu-me uma paráfrase daquele livrinho dos oitenta escrito por Henry Scott Stokes, o Life and Death of Yokio Mishima.
      Kuddos pela iniciativa de traduzir o ensaio. Mas não me passou a impressão de que o texto simpatiza pelo Mishima.
      Ficou um gosto um pouco amargo, um after-taste alcalino. Uma empáfia eurocêntrica, não sei.
      O Javier Marías tem afiliações políticas mais a esquerda?
      Não acho que a aproximação do binômio esquerda/direita faz justiça ao sistema de valores tradicional japonês.

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    3. Talvez porque eu li esse livrinho depois de ler os livrões de Marías, e já entenda um tanto da forma de reflexão do autor. Já reparou que grandes romancistas ao escreverem sobre os mestres escritores passam a impressão de empáfia? Coetzee escrevendo sobre Faulkner ressaltou seu alcoolismo, suas deficiências paternas; sobre Whitman, limitou-se a dar um retrato prosaico do poeta, eivado de freudianismos novecentistas, que é difícil engolir a pobre interpretação dos desejos escusos de um homossexual trabalhando voluntariamente no hospital de guerra para ficar próximo dos rapazes bonitos. Marías é bem menos antipático que Coetzee: o texto dele sobre Faulkner nesse referido livro é glamoroso, mas não laudatório. Sobre Rimbaud, ele diz que era um moleque que conservava vestido a mesma roupa por toda a semana, tinha piolhos, se sentava nas palestras públicas de outros escritores para ficar gritando palavrões após cada retomada de fôlego do palestrante (uma ocasião puxou a faca para um assistente que veio-lhe chamar a atenção), e gastava sua enorme inteligência inutilmente, aprendendo sete idiomas que não lhe serviam para nada. Assim sobre Nabokov, sobre Rilke.

      Marías de esquerda? Também pensei nisso ao ler a parte aí do texto em que fala de um fanático direitista. Sua posição política não fica evidente nos livros, ainda que esses falem em traições sobre o regime de Franco, e um (Coração Tão Branco), tenha cenas importantes em Cuba. Acho que ele é conradiano, no sentido de desencanto com posições falidas antagônicas, que não servem para nada e são fachadas da inércia. Como você disse, sou um leitor muito peculiar e determinado, e que um dia chegarei a Mishima; penso o mesmo de você, e sobre Marías em relação às suas leituras.

      Eu já acho que esse texto é de um aficcionado.

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    4. Não é DESSE JEITO que você vai conseguir ganhar a minha atenção em relação ao Marías!
      O espanhol pinta Mishima como um ególatra vaidoso. Um fisioculturista com inclinações mórbidas a corpos mascerados.
      Não é que a mediocridade não possa compartilhar do sublime. Mas achei bem preguiçosa a análise de caráter do espanhol. Como disse, tudo o que ele escreveu já estava no Life and Death of Yukio Mishima.
      No mais, qual o sentido dessa olhada de cima, eurocêntrica, da cultural tradicional japonesa? O Ocidente cristão também não foi construído sob o alicerce do culto ao mártire, corpos cristão macerados, em estacas, leões, o Martírio de Perpétua, etc? Essa estetização do corpo massacrado não é japonesa, você sabe. Isso aí o Mishima tirou do seu encontro com o Ocidente. Talvez seja isso mesmo que o Marías esteja dizendo. Que Mishima desejou o Ocidente errado. Ocidentalizou-se como um desses nativos de Papua Guiné, com camisa florida e chapéu de aba.
      O Mishima não estava a fazer pose com suas espadas samurais e seus tratadinhos políticos sobre o Bushido. O escritor era efetivamente de origem Samurai. A derrocada do Japão ante aos Aliados, o amolecimento do backbone da cultura de honra japonesa, todas essas coisas foram determinantes ao fatídico 25 de novembro de 1970.
      Você que é um cara que entende bem a noção de honra, típico de culturas tradicionais - ainda que a nossa cultura de honra não seja exatamente simétrica à japonesa - eu esperaria que fizesse um esforço antropológico, político para compreender o fim de Mishima.

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    5. Mas eu compreendo, Luiz! Por isso que o texto me agradou. Note: é uma análise de fofoca, com qualidade. Fofoca sobre grandes escritores, por isso o livro se chama Vidas Escritas. O que eu leio nesse texto é a magnitude de um escritor que se interseccionava com aspectos que, vistos separadamente, são excêntricos. Marías está falando: o cara era ótimo, mas também, e talvez em decorrência, absurdamente humano, com seu homossexualismo, sua vaidade, sua honra um tanto dispare aos processos desenvolvidos de sua inteligência. Um Lord Jim japonês. O dia vindouro e que você ler, por exemplo, Os Enamoramentos, verá o quanto Marías é avesso às superfícies fáceis.

      E, meu amigo, não desconecto o que tem de vaidosamente risível em Mishima com sua grandiosidade moral. Lembro do Bernard Shaw dizendo que aprendeu a pensar por si mesmo após enfrentar e desprezar o ridículo; o irlandês se submetia ao ridículo voluntariamente, e sobre isso existem várias e várias histórias. Há sim algo de sumamente cafona em Mishima com uma rosa branca na boca em uma foto (google-it), enrolado em uma flor trepadeira, fazendo pose quase nu, usando apenas um paninho artificialmente acentuado para ressaltar a fantasia de uma genitália monstruosa (há até umas caricaturas de mangás com Mishima com um protuberante pênis colossal para fora).

      Você não pode desconsiderar o outro lado: a visão de um ocidental ultra-intelectualizado e aristocrata como Marías vendo esses arroubos de barbarismos tardios por parte de um Yukio Mishima, que, como você mesmo disse, é um Dostoiévski japonês.

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    6. "esses arroubos de barbarismos tardios"
      Então, eu efetivamente sou ainda um tanto desensibilizado a algumas manifestações de relativismo cultural.
      Por exemplo, tive que enfrentar olhares furiosos dos meus colegas aqui em Toronto quando disse certa feita não ter problemas com a pecha "selvagem" num livrinho da Mary Douglas sobre noções pré-científicas de pureza e limpeza.
      Eu portanto, ainda que descompassado, curto o dualismo de cultura X barbarismo proveniente de Aristóteles (ou pelo menos exponenciado por ele). Malgrado ter descoberto por essas plagas que eu mesmo represento esse barbarismo.
      Só que eu não dou conta de postar a plaquinha de barbarismo à cultura tradicional japonesa do Mishima.

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    7. Felizes nós, os leitores passionais!
      Foi meu lado humorista que te respondeu acima, Luiz. Eu não consigo ver seriedade em nenhuma instituição, criação, tradição ou pensamento humano. Respeito o Mishima em seu primitivismo orgulhoso e o Marías em seu elitismo aristocrático oxoniano, mas acho os dois demasiadamente ridículos por isso, ainda que ame cada vez de forma mais incondicional à obra de Marías. Fico a imaginar se Faulkner pousasse para o Cartier-Bresson de tapa-sexo em cima de um cavalo, com o corpo lubrificado de óleo, ou Faulkner com uma rosa na boca olhando lubricamente para a câmera; (Saul Bellow com o maiô do Borat?). Há fotos de personagens da cultura ocidental nessas poses, como uma de Stravinski pelado observando uma paisagem lacustre com um cavalo. Mas minha função aqui é aquela professada pelo pai do Martin Amis: "do que adiante escrever se não for para irritar alguèm?"

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    8. Enfim a gente concordou em algo hoje.
      Felizes nós os leitores passionais.
      Não vou tentar racionalizar a foto do Mishima citada por você, onde ele aparece com um botão de rosa entre a boca.
      Mas gosto daquela que ilustra o post, aquela em que ele posa de imberbe São Sebastião.

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    9. Eu gosto de ambas as fotos. Racionalizar o desperdício da vida de Mishima, seu talento, em prol de uma bandeira, de um estado ou, pior, de um imperador, eu consigo fazer, mas não tenho um entendimento pela aceitação. Seriedade excessiva, e nisso, o sterneano Marías leva vantagem a Mishima, pois é um comediante sutil. Não me imagino me suicidando pelo Brasil, ou seja pelo pedaço de terra comunal ou pela ideia política que fosse.

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    10. Luiz,
      li algo sobre Mischima faz uns 25 anos… Era um texto em português. Não sei, nesse instante, se foi uma tradução de Life and Death of Yukio Mishima, contudo, lembro-me que o texto tratava em detalhes do fatídico dia… À época da referida leitura, estava sobre profunda influência de W. Reich (havia lido praticamente todas as suas obras, inclusive, as duas mais técnicas que abordavam o seu método: a “Análise do Caráter” e a “Biopatia do Câncer”(não publicada ainda em português e que tratava da metodologia experimental que, de acordo com Reich, comprovava uma desconhecida forma de energia, descoberta por ele, denominada de orgone, a energia vital). Quero deixar claro que, a partir da leitura da “Biopatia”, comecei a ter uma profunda decepção com Reich, pois, por ser engenheiro, esperava uma abordagem termodinâmica sobre o orgone, ou seja, como ficariam as leis da termodinâmica sob a ótica dessa “nova” forma de energia. Reich não publicou nada a respeito… Como cientista, considero tal fato gravíssimo!!!… Foi em função de tal inconsistência teórica que ocorreu, a partir da década de 50, a geração de incontáveis picaretas no seio dessa alienada cultura de massa.
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      Por outro lado, na “Psicologia de Massas do Fascismo”, Reich, em determinada parte da obra, efetuou uma análise da cultura japonesa, pré-guerra, com o objetivo de tentar explicar a razão cultural do porquê, justamente naquela cultura, ocorreu aquela trágica ideologia expansionista. Reich chegou a apresentar, na referida obra, um documento oficial da Academia de Ciências do Japão no qual provas históricas, inquestionáveis, apontavam o Império e, lógico, o Imperador, como único destino sadio à felicidade da família humana. Coisas risíveis podem ser encontradas em tal texto pseudocientífico: por exemplo, não havia dúvidas para os linguistas japoneses que o chinês fora oriundo do japonês; todavia, historicamente, sabe-se que aconteceu justamente o contrário: os chineses ensinaram os japoneses a escrita. E por aí vai…
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      Agora, indo direto ao assunto: Mischima e a sua arte cruel, misógina, misantropa e de colossal rigidez estética, só poderia ter sido gerado lá, naquela mórbida visão hierarquizada de mundo. Por isso, para mim, não há qualquer ruptura estética, por exemplo, na obra do flechado, mostrada no presente post. Tal estética é velha… muito velha… Causa-me sonolência e gargalhadas, tais quais aquelas que foram geradas por mim e por minha mãe (uma católica de 80 anos) quando, juntos, assistimos àquele pastelão, que foi levado a sério por muitos intelectuais brasileiros, isto é, aquela excrescência do Gibson de codinome “Paixão”… Certamente, Mischima foi mais inteligente que o invertebrado mencionado… Porém o que fica é a obra… O artista? Que se foda!
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      Bem, Luiz, essa é a minha opinião…

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    11. Certamente é melhor e mais preciso:
      ao invés de "...geração de incontáveis picaretas..."
      "...geração de incontáveis picaretas REICHEANOS...".

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    12. Se possível fosse encontrar
      Mishima, um beijo lhe daria…
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      POEMA QUÂNTICO
      by Ramiro Conceição
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      Ser um assassino;
      um gênio; uma besta cúbica;
      milhões de átomos; um animal;
      um “serhumano”; um planeta;
      uma galáxia;
      esta ou aquela verdade:
      tudo - é probabilidade!
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      Se da lama foi possível a alma
      num jogo aleatório de traumas,
      então por que da incerteza bruta
      não ser uma inteligência culta?
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      Nunca se está doente enquanto se sonha.
      Sonhar é ser a beleza abrupta da acácia
      que nasceu na feia cidade, com audácia.
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      Agora que penso-sinto tudo
      viverei lúcido até o possível
      porque se aproxima a queda
      do fruto maduro: o segundo
      segundo - mais curto.

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    13. Se a impressão que ficou foi a de que eu fazia apologia ao imperialismo nipônico, deixa eu desmanchar esse engano. Como é intrínsico do imperialismo, a política expansionista, o triunfalismo, o uso de mitos de origem para fabricar versões históricas hegemônicas, isso aí é repetido na história em Cézar Augusto, no Imperialismo Britânico, na China desde a dinastia Han (circa 202 BCE- 9 CE)...
      O engraçado é você usar justo a China para fazer contraponto com o expansionismo e austeridade japosena. A China? Jura? Justo a China que logo após a guerra Sino-Japonesa engendraria essa Hidra de sete cabeças, essa confluência entre Imperialismo milenar e militarismo soviético?
      Reich, com o perdão da palavra, fazia análises socio-políticas tão rasteiras quanto a propaganda oficial Stalinista e o revisionismo histórico soviético. Você tem dúvida, se,escrevendo e reeditando sua obra nos sessenta, o Reich não ía vender o conflito Sino-Japonês em termos simplórios de mocinho e bandido?
      Não é esse o mesmo cara que escreveu disparates como esse sobre a União Soviética dos 30? Cito,
      "A visit to the Soviet Union quickly revealed not only that there was no decline in culture, but strangely enough, the moral atmosphere seemed, at first, ascetic: no sexual importuning in the street; reserve and seriousness everywhere; prostitution still in existence, true, but not seriously affecting the character of the towns; lovers here and there, but not nearly as many as in Viena or Berlin; at social gatherings an absence of the sexual allusions and smutty conversation characteristic of our circles... If a man dared slap a woman's backside or pinch her cheek, as sometimes happens in our part of the world, he might well be prosecuted before the tribunal if he was a party member. But the question whether one wanted to become a sexual partner was being asked more and more openly and unhesitatingly: sexual companionship without any underhandedness, women's genitality a matter of course... It was a clear change, not in any way final yet, but showing the economic outlines of a future sex hygiene of the masses in the impressive efforts to raise all members of society to a high cultural level through higher wages and shorter working hours as well as cultural mass education and a stand against religion"

      Bravo! Bolcheviques de moral adâmica, uma sociedade onde asceticismo não é sinônimo da repressão da "velha moral burguesa", sexo livre da austeridade Vitoriana, enfim a confluência entre a moral bolchevique e o vitalismo adâmico dos selvagens Trobianders da Papua Nova Guiné. Se Reich é capaz de reescrever essa bobagem no seu quarto, quinto prefácio ao livro Invasão da Moralidade do Sexo Compulsório nos sessenta, depois que todo o revisionismo Stalinista começava a se desfazer através de centenas de versões da distopia soviética nos relatos de dissidentes, que malabarismos ele não seria capaz de fazer com a Revolução Cultural Chinesa, "o Salto para Frente", "o milagre Chinês" a despeito da tirania japonesa, etc.

      Mas acho que além desses misticismos, essa aproximação ao Japão pelo viés do materialismo histórico é bastante simplificador.

      Por fim e ao que interessa, isso aqui é simplesmente falso,
      "Mischima (sic) e a sua arte cruel, misógina, misantropa e de colossal rigidez estética"
      A despeito do homoerotismo, da exaltação do corpo e do vigor masculinos do homem Mishima, os romances do autor não tem nada de misoginia, muito menos qualquer traço de misantropia. As heroínas de Mishima tem inclusive um papel longe do periférico nas novelas do autor. Elas normalmente são munidas de uma moral e senso de honra superior ao masculino, a beleza de algumas das heroínas célebres (vide a Tetralogia do Mar da Fertilidade) é constantemente descrita, eulogizada, celebrada, etc.

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    14. SOBRE O FASCÍNIO FASCISTA DE MISHIMA
      by Ramiro Conceição
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      Bem, Luiz, vou tentar responder seu comentário de maneira mais clara possível. Algumas informações, que apareceram, não pude checá-las, como gostaria, simplesmente por falta de tempo: estou a escrever às pressas… Assim é bem possível que apareçam imprecisões. Vamos lá…
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      1ª PARTE.
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      “Se a impressão que ficou foi a de que eu fazia apologia ao imperialismo nipônico, deixa eu desmanchar esse engano”. Bem, Luiz, em nenhum instante afirmei que você fez apologia ao imperialismo nipônico, contudo, você considera Mischima, ops, Mishima um mestre. A questão aqui é que o próprio Mishima através de atos reais fez apologia ao imperialismo supra, pois: a) durante a Segunda Guerra o escritor alistou-se no exército, porém não foi admitido por questões físicas; tal fato causou em Mishima uma CULPA por não ter tido, à época, uma morte honrosa tal qual as dos seus contemporâneos no campo de batalha. Logo, o futuro dramaturgo cria, sem qualquer dúvida ideológica, nos objetivos expansionistas do Império sob tutela do Imperador; b) entre as décadas de 40 e 60, Mishima elabora praticamente a sua obra, porém não se deve esquecer que, paulatina e concomitantemente, começa também a praticar artes marciais que, sob seu carisma intelectual, resultará no Tatenokai (Sociedade da Armadura), um grupo de extrema direita que defende o que de mais reacionário foi criado na cultura japonesa, isto é, crer que o povo japonês, por designação divina, deve liderar os destinos do restante da humanidade que não poderia passar de um conjunto de vassalos felizes por possuirem tais senhores iluminados; obviamente, vale ressaltar aqui, novamente, sob a tutela do Imperador que, sem qualquer questioamento, é a encarnação do sagrado. Ou seja, definamos logo a ideologia que corrói nosso herói: é racista, escravocrata, misógina, misantropa, sadomasoquista, assassina, demente, uma degeneração cultural da espécie humana. Será que falta mais algum predicativo? Creio que não…
      Admitindo que Mishima fosse um super-dotado, um brilhante artista… Mas surge, então, uma questão sociológica (a seu pedido, Luiz, num comentário ao Charlles): qual é a origem de tal ideologia que, certamente nosso japonês sob análise jamais poderia tê-la criado. Ora, ideologias não são elaboradas por indivíduos isolados, mas, pelo contrário, por uma social classe política (no mais fundamental conceito dessa última palavra) que, num complexo processo histórico, torna a sua visão de classe hegemônica, intrínsica, subjetiva, pseudonatural, ao restante constituído de subalternos sem qualquer autonomia ou sem qualquer conceito, mesmo que nebuloso, inacabado, sobre a LIBERDADE HUMANA (por favor, estou aqui a anos-luz do famigerado livre-arbítrio cristão!...); estou a discutir o conceito efetivo de DEMOCRACIA!

      (cont..)

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    15. 2ª PARTE
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      Passo a tratar a seguir da origem do fascismo nipônico associado à Segunda Grande Guerra e, consequentemente, daquele associado ao artista Mischima, ops, Mishima.
      Na “Psicologia de Massas do Fascismo”, Matins Fontes, 2ª edição, 1988, a partir da página 125 até a página128, Reich cita integralmente um artigo de Otto D Tolischus. Por condições efetivas desse comentário, tentarei fazer uma síntese do mencionado. a) Tliscchus, ops, Tolischus analisa um documento oficial que circulou abertamente em Tóquio (a data não consegui claramente saber mas certamente é anterior a 1933, consequentemente, antes do grande conflito). O autor do texto nipônico foi o professor Chikao Fujisawa, um dos expoentes do pensamento político do Japão. Vamos lá…: 1) De acordo com Fujisawa, o Japão, terra-mãe original da raça humana, está a realizar uma guerra santa (à epoca, na China, provavelmente), para congregar a humanidade numa famílias universal; 2) logo, cada nação deverá tomar o seu lugar, mas sob a divina soberania do imperador japonês, que é descendente direto da Deusa Sol, no centro cósmico absoluto; 3) tal destino está claramente descrito na mitologia Xinto, que é prova incontestável da justiça associada ao expansionismo japonês; 4) todos os conceitos, ideias associadas às emoções nacionais são originárias do povo japonês; 5) o Japão é poeticamente “Sumera Mikume”, que tudo integra e tudo abarca; 6) em 27 de Setembro de 1939, o nosso gracioso Tenno proclamou solenemente que a causa da grande justiça (liderada pelos japoneses) deveria ser estendida aos limites extremos da Terra; 7) cabe ao nosso Tenno restaurar o “centro cósmico absoluto” e reconstruir a fundamental ORDEM VERTICAL outrora prevalecente entre as nações da remota Antiguidade; 8) numa palavra, trata-se de impregnar toda a Terra com a vitalidade cósmica personificada no nosso divino Imperador; 9) este, diz o professor Fujisawa, é o caminhos dos deuses…; 10) o berço da humanidade é o Japão, pois há provas científicas incontestáveis que os habitantes das ilhas japonesas eram selvagens primitivos, alguns dos quais eram HOMENS COM CAUDA…
      CHEGA, CHEGA, CHEGA!!!!!!... Não consigo prosseguir mais… no relato de tais insanidades que alimentaram a morbidez de Mishima…

      (cont...)

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    16. 3ª PARTE
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      Luiz, você cita um texto de Reich. Presumo que tenha sido retirado do “A Revolução Sexual” ou do “A Função do Orgasmo”. Creio (estou a citar os títulos de memória…). Do que lembro de minhas leituras, entre as décadas de 70 – 80), Reich fez uma análise do comportamente sexual da revolução russa entre 1917 e 1934; de 1917 a 1924 (morte de Lenin), o médico alemão concluiu que efetivamente houve um esforço de ruptura, principalmente associado ao papel da mulher na respectiva cultura; todavia, entre 1924 e 34, aproximadamente, com a ascensão hegemônica de Stálin no partido, Reich constatou que houve um retrocesso, relativamente às relações amorosas, aos costumes dos tempos pré-revolucionários, principalmente no que concerne ao papel da mulher na sociedade soviética; até onde lembro o médico alemão publicou críticas severas ao partido e, consequentemente, foi expulso do mesmo.
      Sobre o seu “Bravo! Bolcheviques de moral adâmica, uma sociedade onde asceticismo não é sinônimo da repressão da "velha moral burguesa", sexo livre da austeridade Vitoriana, enfim a confluência entre a moral bolchevique e o vitalismo adâmico dos selvagens Trobianders da Papua Nova Guiné.” o considerei sem pé e nem cabeça, pois a sociedade dos trobiandeses, para começo de conversa, era uma sociedade matriarcal e, portanto, não tendo nada a ver com qualquer moral adâmica e muito menos bolchevique(li com muito cuidado, pelos menos duas vezes, “ A vida sexual dos Selvagens” de Malinowski).
      Quanto a sua observação de que Reich efetuou análises sociológicas superficiais, gostaria de lembrá-lo que a “Psicologia de Massas do Fascismo” é de 1933 e “Escuta, Zé Ninguém” é de 1946 e, nessas obras, Reich desnuda a ferocidade de Hitler e Stálin respectivamente. Quando ao ladrão de galinhas soviético, Reich em “O Assassinado de Cristo” (aqui neste momento, não tenho a data precisa da primeira publicação, mas creio que se deu entre 46-50) dedica um capítulo inteiro ao referido bandido. Aqui é bom lembrar que ostensivamente, à mesma época, Camus e Sábato também se colocam publicamente contra o bandido georgiano.
      Quanto à sua afirmação “Se Reich é capaz de reescrever essa bobagem no seu quarto, quinto prefácio ao livro Invasão da Moralidade do Sexo Compulsório nos sessenta (sic)” não entendi, pois Reich morreu em 1957. Por outro lado, quanto à sua questão sobre o porquê das esquerdas desprezarem Mishima, creio que parece evidente:
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      À MORTE - JÁ BASTA A MORTE!

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    17. Ramiro,
      Fico lisonjeado que um simples e distraído comentário meu tenha resultado em tão eloquente e volumosa defesa da misantropia, misoginia e racismo da arte do Mishima. Réplicas assim, ainda que feitas às pressas, entre as suas atividades nos laboratórios de física e o fatigante trabalho de pesquisar os verbetes Shinto, Mishima,Tatenokai, etc, no Wikipedia, me instam a tentar devolver toda a atenção disposta a minha, de novo, simples glossa. De modo que eu te absolvo por completo de não ter gastado outras boas horas lendo (argh) os verbetes Bushido, Mar da Fertilidade, etc noutra fornada de artigos do Wikipedia.
      Acho um pouco gozado ter que voltar ao assunto do Reich. Já tinha achado desde a primeira intervenção sua que o psicanalista não tinha bulhufas a ver com o ponto do post ou dos meus comentários, malgrado o seu expertise na análise política de TODA FORMA de fascismo (como aliás era bem o caso dessas ferramentas Marxistas de muito abandonadas por causa do seu afã totalizante). O texto citado por mim, e o qual você aparentemente lê como uma análise política e moral arguta não dos anos de Stalin, mas dos ídos exatamente posteriores à revolução, foi tirado de lá mesmo onde falei, o Der einbruch der sexualmoral (em português ele vai aparecer também no Sex Pol, acho). Digo isso não em caráter de corrigir você. Eu li muito pouco de Reich (e afinal, quem ainda lê Reich?); Até que você me apresentasse as credenciais e desse carteirada da para mim extinta sociedade brasileira Reicheana, eu achava assim, meio ingenuamente, que não se lia mais Psicanalistas Marxistas que defendem idéias tacanhas como as de que a relação sexual vaginal-peniana é a única relação saudável ou profissões de fé na idéia de uma pandemia de histeria feminina, etc, etc. Isso para não ficar no embaraçoso excerto, o qual não repito aqui por razão de espaço, citado aí em cima, que prefacia os comentários do Reich sobre a moral sexual edêmica (o edêmica fica por conta do Reich) dos selvagens de Papua Guiné do estudo do Malinowski, moral essa segundo Reich incontaminada pela moral de repressão pequeno-burguesa.
      Deixa eu então desfazer um mal-entedido, que certamente deve ser colocado na conta do seu cansaço (o Wikipedia pode bem ser um labirinto de Minos!). Não seu eu o autor da lambança de comparar a moral pré-burguesa dos selvagens de Malinowski com a liberdade e sexualidade genital (ascética, ainda por cima) e não-reprimida dos Bolcheviques nos anos que seguem a revolução. É o próprio Reich que faz essa descabida analogia. É claro que não me passa desapercebido que os selvagens de Malinowski são tão bolcheviques quanto o recurso a Reich para essa discussão é produtivo, adequado, etc, etc. É que eu precisava demonstrar o quão inadequado, quadrado e datado era o seu expert no Japão, malgrado o meu equívoco em datar a morte do Reich para depois dos sessenta (essa é a data da reedição do Der einbruch que eu tenho em mãos!), afinal, de novo, quem ainda lê Reich? (excetuado quem deseja fazer um apanhado da tortuosa história da Psicanálise). O meu ponto continua sem qualquer resposta, qual seja, a sua leitura parcialíssima do Imperialismo Japonês e tão marcado pelo canastranismo de um ideólogo como Reich, o qual lê o confronto Sino-Japonês em termos de mocinho e bandido porque a ele, me parece óbvio, interessa mater de pé o mito de pureza do Comunismo chinês. Por isso o meu assombro na perfeita harmonia entre a sua opinião sobre o Japão (expansionista, racista, místico, mágico) e a pobre e vitimada China.

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    18. Olha, de novo por razão de espaço e piedade pelos ocasionais leitores terceiros que estejam seguindo isso aqui, eu não vou me demorar longamente sobre o seu comentário que conecta, quase magicamente, imperialismo japonês, o mito de criação Shinto e a ideologia pessoal do Mishima. Posso estar enganado, piso aqui em terreno movediço dada a extensa pesquisa biográfica no romancista japonês feita por você no google, mas creio que a lógica do seu raciocínio, do seu sofisticado historicismo Reicheano era alguma da ordem: Mishima alistou-se sob o Imperador Hirohito >> a propaganda imperial de então fez uso de uma famosa cosmogonia Shinto que você atribuí racista, hegemônica, misógina (???) no conflito Sino-Japonês >> ERGO Mishima é racista, expansionista, xenofóbico, misógino. Meu Aristóteles anda muito empoeirado, mas eu vou arriscar um juízo talvez apressado, "isso aqui padece de pelo menos umas três formas de falácia lógica clássica." Tirante o fato, claro, de que a mais famosa cosmogonia Shinto-Estado (a qual nem de longe engloba in totum a cultura japonesa), aquela que explica a origem de Amateratsu e da ilha do Japão a partir do casal de deuses primevos Izanami e Izanagi, até onde eu sei só de forma bem canhestra e através da mais rasante análise cultural pode ser submetida ao taxativo de misógino.

      Eu gostaria de continuar essa conversa. Interessaria também entender o procedimento mágico que te faz raciocinar Mishima é misógino, racista (??), expansionista, misantropo (? será que a gente partilha da mesma língua?) >> ERGO a arte de Mishima é misógina, misantropa, racista, expansionista. Antes porém vale confirmar uma suspeita. Seria mesmo o caso (me faço de incrédulo) que alguém que nutre opiniões tão taxativas e enfáticas em relação à literatura do Mishima, se quer leu UMA obra do romancista? Pergunto isso só em caráter de curiosidade. Com fins de tomar medida desse estranho poeta-ideólogo, que atiça as brasas de fogueiras, e carrega nas mãos volumes não-lidos da mais baixa e reacionária literatura, de Celines, Mishimas, etc.

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    19. SONHOS
      by Ramiro Conceição

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      Luiz, acredite se quiser, redigi o meu comentário pelo motivo que, no fundo, percebo que você possui muito conteúdo, embora discorde de sua visão associada ao Mishima. Creio que, quando se debate conceitos, visões de mundo diferentes, mas em alto nível, todos, debatedores e leitores, fundamentalmente, ganham. Nossa doente época necessita urgentemente de tais discussões em todas as esferas do conhecimento. As ironias, suas e/ou minhas, na realidade, fazem parte do molho, do jogo dialético que adentramos. Se o considerasse um estúpido - sequer responderia! Basta ver que me calei sobre o último comentário, lá, no post sobre o Liminski… Creia-me, se você levantar um ponto que efetivamente me leve a uma autocrítica, prontamente concordarei e tentarei rever meu engano. Não tenho medo de qualquer discussão, pois essa é a maneira de se amadurecer em qualquer campo do conhecimento. Por ser pesquisador, cansei de rever minhas posições associadas a um determinado problema que se apresentava numa dada fenomenologia sob análise. Cometi sempre muitos erros, e pouquíssimos foram os meus acertos. Contudo, quando isso acontece é uma dádiva, pois se sobe mais um pequenino degrau do nosso conhecimento que, essencialmente, é inacabado. Ainda bem que seja assim…
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      Não cometi nenhum raciocínio mágico ao associar, não a arte de Mishima, mas, sua postura vital ao fascismo. Mishima só poderia se ter concretizado lá, no seio daquelas insanidades defendidas pelo professor Fujisawa que, à época, no papel de respeitável membro da Academia de Ciências do Japão, camuflou ideologicamente a questão central, ou seja: a Segunda Grande Guerra, no fundo, no fundo, foi uma disputa no teatro mundial pela hegemonia capitalista…
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      Por favor, Luiz, faça uma leitura semiótica da face de Mishima com o passar do tempo…: aquela rigidez; aquela couraça muscular que paulatinamente cresceu no entorno de seu sorriso; aquele olhar frio e obstinado; aquele corpo esculpido à estética grega, mas não à saúde e sim para desferir o golpe verdadeiro num pseudoinimigo; Mishima teve filhos, amou homens e mulheres, mas onde, onde restou algum traço de delicadeza pelo amor vivenciado?; os trajes impecáveis, mas onde as rugas naturais de qualquer movimento vivo?; por que construir na face um orgulho cruel ao vazio?; por que o sangue teria que ser o manto à última cena à vida, se é também de sangue o primeiro manto que abriga com afeto o primeiro grito de movimento? por que associar a morte à violência, se esta é uma questão ético-moral, isto é, a violência culturamente se aprende, mas naturalmente, por outro lado, a ternura se revela num ato de amor em TODAS AS CULTURAS?
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      Você tem razão em afirmar que Mishima levou até as últimas consequências a sua arte… E o resultado final, na minha visão, só poderia ser aquele que conhecemos… Será que Mishima, no último instante, não quis se desfazer do peso da angústia associada à máscara cruel que, infelizmente, havia se transfigurado finalmente em carne e osso?
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      Aqui, aflora uma pergunta terrível que, sinceramente, não tenho qualquer resposta: será que esse é o destino de todo verdadeiro artista? Para minha nebulosa felicidade pequenina, um contemporâneo de Mishima parece ter respondido à tal questão: bendito seja Kurosawa com seus “Sonhos”!…

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    20. Ramiro,

      Louvável a descida de tom. Mas pode esse debate gerar uma improvável dialética, uma feliz síntese do que dissemos? Acho que não.
      Você começou essa discussão querendo ligar a literatura do Mishima com uma pretensa biografia negra do autor (a despeito de ter voltado atrás, abjurando querer discutir o homem e não a sua literatura). Vou interpretar o seu silêncio em relação a minha pergunta, se leu sequer um romance do japonês, como consentimento de que nunca teve contato com a sua obra. Trago isso não para execrar você. Contudo suspeito que foi aquela lógica, lógica com a qual não posso concordar, que lhe previniu de ter qualquer acesso à arte do Mishima. O index librorum prohibitorum do partido, essa atitude de querer curvar a literatura diante da ideologia, da ética.

      Não proponho que a biografia do Mishima seja irretocável. Proponho que se tente entender o Mishima, se o interesse pelo homem hoje escala para além do interesse na sua excelente arte, para antes do seu suicídio em novembro de 1970. Afinal, veja só, o Tatenokai, seu exército particular (como quer Marías) data só dos dois últimos anos da sua vida. Até hoje se debate se a idéia do exército deve ser levada a sério, como medida dos comprometimentos políticos do Mishima, ou se ele na verdade nunca foi nada além de um grande hoax. Aliás, essa é a tese do Henry Scott-Stokes, de que o Tatenokai nunca teve função política nenhuma a não ser a de possibilitar a sua última encenação, o seu último ato estético.
      Sabe que foi particularmente depois do Tatenokai que o Ocidente passou a taxar o Mishima de direitista? Antes de mais ou menos 1967 Mishima era conhecido no Japão como um escritor apolítico (e isso sobremais se comprova na sua total indiferença às questões políticas ligadas à Segunda Guerra e ao imediato pós-guerra).
      O que você propõe não é uma semiologia do Mishima, mas o retorno ao arcáico saber fisionômico, traçar o perfil, moral, ético e psicológico a partir do rigidez tonal do rosto, do desenho da sombrancelha, o movimento da pupila, etc. Esse tipo de linearidade não me persuade nem um pouco. Ainda mais se essa fisionomia vai barrar o meu acesso à grande literatura de homens julgados como não tão grandes assim.

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    21. Bem Luiz, sinceramente tentei...
      Por necessitar sempre do conhecimento, li "Minha Luta" do cabo Hitler... Creio que não preciso ler mais qualquer discurso do dito-cujo...
      Fico a imaginar se Mishima, ou a sua ideologia, efetivamente atingisse o poder no Japão em 1970...(com tudo que estava aconter naquele momento no mundo... Estamos a falar de 68!).
      Luiz, para mim é surpreendente que, em pleno XXI(à 4 ou 5 décadas de se descer efetivamente em Marte...), alguém, com tal nível cultural que você possui, querer ainda resgatar ou, pior, preservar alguma coisa da assassina loucura narcísica de Mishima.

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    22. errata: ESTAVA A ACONTECER...

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    23. Olha, com todo o respeito (e não coloquei um pingo de ironia no meu último comentário), não é possível que você esteja falando a sério quando compara Hitler a Mishima.
      Ah, vá. Eu mesmo já li coisas suas aqui um pouquinho mais sofisticadas.
      Pode me chamar de louco e se quiser continuar nesse seu sonho acordado onde eu estou defendendo o fascismo de Mishima (Wtf?), vai em frente.
      Mas opiniões taxativas e enfáticas como as suas normalmente são acompanhadas de um mínimo de contato primário (contato direto) com o objeto da minha crítica.

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    24. “Aliás, essa é a tese do Henry Scott-Stokes, de que o Tatenokai nunca teve função política nenhuma a não ser a de possibilitar a sua última encenação, o seu último ato estético”.
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      Bem, Luiz, então a ignorância colossal de Mishima desconhecia o TEATRO da época: as teorias de Stanislavski, Brecht e, aqui, no Brasil, os espetáculos dignos do teatro de Flávio Rangel.

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    25. Sei que você, Luiz, não comparou; porém, a morte de Cacilda Becker, que morreu no palco de um teatro brasileiro de 3º mundo, pode e deve ser comparada com aquela de Mishima, que se matou estupidamente num palco de 1º mundo…: é o mesmo que comparar e aprender a diferença da arte do Teatro imortal com àquela oriunda dum piolho rígido que sobrevive em qualquer plateia…
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      Atos dignos geram dignos…Frangalhos, franguinhos!

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    26. "...opiniões taxativas e enfáticas" sempre representaram o louco Mishima!!!!!!!!!!!!!

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  2. Porra, Mishima?! Porra, Javier Marias?! Amanhã eu leio essa trolha.

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  3. Eu heim.
    Não sou nenhum especialista em Japão não. Mas começo a entender um pouco o desinteresse do leitor Brasileiro pelo Mishima. Execrado pela esquerda. Esquecido pela direita.
    Quem perde é o leitor brasileiro.

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    1. Estou em 2020, e após ler dois livros do Mishima (Cores Proibidas e Mar Inquieto) fiquei admirada pelo debate acima. Parece que hoje em dia a dialética madura morreu para dar espaço à ignorância histérica. Li os livros antes de procurar saber da vida do autor, e agora vejo muito dele dentro de sua obra. Penso que independente das ideologias, pensando na arte pela arte, ele possui uma escrita envolvente, descreve as relações humanas de forma crua, o ambiente de maneira coerente e maravilhada pelos detalhes, e com desfechos surpreendentes. O prazer e o deleite da literatura devem preceder as análises.

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