No jornal Sul 21, vejo que uma escritora ganhou uma causa judicial contra uma escola maternal que fica do lado de sua casa, para que o volume de som que transcende desta escola não vá além do limite permitido por lei e não perturbe a ela e a outros vizinhos reclamantes. Escrevendo a coisa assim, como fiz nesta primeira frase, a tendência do leitor é colocar a escritora na fogueira das inimigas recalcadas da infância, o que não é bem o caso. Sou inteiramente a favor da escritora, nesse caso. Para maiores informações, o post do Milton Ribeiro, em que há uma réplica bastante convincente da escritora. Mas, a título de gracinha, escrevi esse aconselhamento à administração da escola e a seus alunos. Segue:
Proponho à administração e aos professores da escolinha que realizem performances diárias no pátio da instituição, para que uma furtiva (e progressivamente assustada) escritora assista pela janela de sua casa. Algumas ideias (lembrando que tudo deve ser ensaiado exaustivamente para que pareça o mais natural e não programado possível):
Segunda-feira: todas as crianças brincando, pulando, correndo pega-pega, as meninas com os uni-du-ni-tês, os meninos com os jogos de futebol, os professores sentados nos bancos conversando e rindo entre si alegre e despreocupadamente. Apenas um detalhe: tudo NO MAIS ABSOLUTO SILÊNCIO, na mais inexorável mudez. Assim o dia inteiro, até ouvirem um grito vindo da casa ao lado e a ambulância chegando para atender a escritora notada subitamente surda.
Terça-feira: Todas as crianças vestidas de negro, deitadas no pátio, simulando estarem mortas. No meio dos corpos, ter o cuidado de selecionar aquele entre os fedelhos que seja indiscutivelmente, por conhecimento geral, o que mais retirava a adesão das musas da inventiva cabecinha da escritora, o que mais gritava e tinha a vozinha de lâmina de vidro; pois este menino, ou menina_ esse diabo vestido de uniforme_ em determinada hora milimetricamente sincronizada com a hora que a reclamante judicial olhar pela janela mais uma vez, irá esticar o braço e apontar um dedo acusador para o vulto na janela, durante cinco minutos (ou até ouvirem mais uma vez o grito e as sirenes do manicômio dobrando a esquina).
Quarta-feira: Instalar-se-á um grande pano por sobre o muro que divide a casa da querelante e o prédio da creche, que será descortinado em horário próprio em que a escritora, temporariamente restituída de seus juízos cerebrais, estará de frente à janela, o que, então, esta poderá ver a fila de meninos e meninas vestidos de estigmatizados uniformes listrados seguindo em marcha para uma câmara improvisada no pátio, aonde todos desaparecerão no interior sombrio, enquanto uma fumaça sobe pelo ar e do outro lado cai no chão um dos livros da escritora, no qual as crianças, com todos seus silêncios e ausência de felicidades, se transformaram.
Quinta-feira: a escritora respira fundo, faz o nome do pai, se benze, toma um diazepan com suco concentrado de alface e maracujá, e, enfim, tem uma trêmula coragem de olhar pela janela…
…ao que encontra todo o pátio da creche transformado em fumódromo de crack, com todos aqueles zumbis semi-nus envolvidos com trapos que um dia foram os uniformes das crianças…
…EM ABSOLUTO, SAGRADO E IMPONENTE SILÊNCIO…
"Sou inteiramente a favor da escritora, nesse caso."
ResponderExcluirTaí, me surpreendi com esta declaração tua. Tinha certeza que tu zoarias a escritora (o que não deixaste de fazer, né) e "defenderias" as pobres crianças barulhentas enquanto que eu argumentaria que ela estava certa, que crianças não tem o direito de fazer barulho que quiserem só POR SEREM CRIANÇAS (sempre que falo sobre isso com outra pessoa tenho a impressão que viro um monstro aos seus olhos, quase um PEDÓFILO, ainda mais aqui no condomínio onde os pais deixam os anjinhos soltos até MEIA-NOITE).
Tenho dois filhos pequenos, a felicidade de um emprego que me dá muito tempo livre para ficar com eles, e sou um completo palhaço com eles. E fui pai aos 35 anos (relativamente tarde), por sempre levar a paternidade como a coisa mais importante da vida. Relutei até em um dia ter a capacidade de criar filhos. Minha mãe foi extremamente severa na minha criação, o que não guardo rancor.
ExcluirMas, vejo com orgulho, que estou sabendo bem criar meus filhos, com brincadeiras, carinho, mas muita disciplina. Jamais bati neles e nem nunca vou bater (o tal tapinha educativo), mas não sou contra os tais tapinhas por pais amorosos que queiram educar seus filhos assim. Coloco-os de castigo, sentados no sofá, e boto muito rigor em minha voz, de forma que eles tremem de medo destas circunstâncias e as evitam ao máximo. "Papai tá brabo", dizem, com os olhos arregalados. No começo, eu virava o rosto para eles não verem que eu morria de rir por dentro dessa reação. Mas o castigo é algo importantíssimo. Minha esposa e eu vemos a possibilidade bastante inerente de que uma criança se transforme num pária social, que vai desde o drogado, o mimado inútil, até o parricida (sempre fui dramático e tendente à teoria da conspiração, como podem ver em meus textos). Por isso, a educação dos filhos não é brincadeira. Eu os mimo, mas no limite do carinho dos pais, mas nada que os destruam futuramente, nada que os tornem moles, por culpa dos pais, em fazê-los se acharem superiores aos outros em algum sentido.
Ajuda muito que eles estejam rodeados de livros e cultura de modo geral (eu não sou destes idiotizados que acham que cultura é a mesma coisa em qualquer lugar: creio no elitismo do gosto).
Então é isso. O mundo tá se tornando perigoso mais a mais a cada dia, e relaxar com os filhos não é nada saudável. Sou, inquestionavelmente, a favor do rigor na educação.
Viu lá que ficamos em penúltimo lugar em sistema educacional: 39º. só à frente da Indonésia (coitados!). Pegue os modelos dos primeiros lugares, a Finlândia e a Coréia do Sul. Será que há espaço para esse tipo de problema de perturbação por lá? Tenho absoluta certeza que não.
Veja que os índices de excelência no ensino público brasileiro estão todos centrados nas escolas militares. Tenho sobrinhos que estudam lá. As escolas militares estão à frente das escolas particulares. E... a dita escolinha é, ainda por cima, vinculada a um clube de futebol...
Ah... Vi um dia aquele programa "soletrando". Os competidores eram alunos de 13 anos de escolas militares. Soletraram palavras que eu jamais ouvira antes. Uma menina foi capaz de soletrar a palavra "heideggeriano". Com os dois gs! Os dois gs!!! (Isso demonstra que ela já havia lido o nome de Heidegger em algum lugar.)
ExcluirPois é, concordo com praticamente tudo. Não por acaso dizem que tenho 22 mas minha alma é de 40(ns). No que meus pais eram rigorosos, meu colégio católico particular foi meio brando. E fico assustado com os colégios públicos que visito, com os relatos de colegas que dão aulas, poucos deles - ao menos na capital - tem boas condições, direção rigorosa e alunos que querem algo, sem falar nos pais...
ExcluirAcho que o clube em questão é formador de atletas olímpicos, como a Daiane dos Santos etc. Não importa, se é grêmio é do MAL.
se eu lembro bem da matéria era junto ao grêmio náutico união. é um clube, mas não de futebol.
ExcluirConsta que as monitoras teriam incentivado as crianças a provocar a escritora. O que só prova que elas não estão sendo bem educadas. Nesse assunto eu só levei porrada ao tentar debater, principalmente no Facebook. Parece que a criança gritar sem limites é sinal de que está sendo criança. Futuros vizinhos barulhentos para quem deseja sossego.
ResponderExcluirTeve um comentário lá no Milton que foi bem nessa linha, do Igor Natusch, dei risada de tão caricato.
Excluir"E quem se ergue contra o barulho da criançada (ainda que de forma indireta) está errado perante a VIDA, no mínimo."
HAHAHAHA
Aliás, o Milton publicou este seu texto nos comentários da postagem dele no Facebook, o que deu a entender, aos detratores da escritora, que você está contra ela.
ResponderExcluirNão tenho Facebook e não vi o que você diz. Pra falar a verdade, esse assunto dessa escritora é, para mim, tão destituído de importância_ ou deveria ser_, que por isso brinquei. É claro, insofismável, evidente, inquestionável, que ELA está certa. Quem diz o contrário, e a condena, ainda, é, no mínimo, para dizer pouco, um egoísta inconsequente. Egoísta por não ser ele a suportar o que ela suporta. Inconsequente por desenhar a criança como um personagem unidimensional de Disney.
ExcluirO Milton postou no pé do post a ótima resposta da escritora.
Aquela resposta não era dela, mas de outro vizinho, que ela apenas compartilhou. A questão foi tão discutida aqui, que chegou a ser tema de um programa de debates na Rádio Gaúcha, sendo que nos comentários na página do facebook do programa ela e o marido, também escritor, foram severamente ofendidos. Foi também chamada de capa da Zero Hora. Tua "brincadeira" só serviu como mais uma munição para os defensores do barulho e do clube que só pensa em dinheiro. Mas, enfim, o mundo civilizado, para essa gente, é de quem fala mais alto e grita.
ResponderExcluirEm última instância, essa minha brincadeira convida a não estacionar na superfície do discurso. Se essa brincadeira tiver alguma importância no caso, com certeza levará a essa página do meu blog. E verão os comentários e o posicionamento claro do autor do blog.
ExcluirMas é lamentável saber disso. Como o brasileiro ainda é inclinado a ser levado de cabresto pela opinião midiática; como é inclinado, para citar mais uma vez Arendt, a pensar através de clichês.
O caso ficou conhecido como "A escritora contra as criancinhas".
ResponderExcluirEu comecei a discussão contra a escritora, mas pessoa convicta e de opiniões firmes que sou, mudei de idéia com o teu argumento de que deveria haver normas regulamentando o barulho gerado por escolas. É verdade. Senão escolinhas são como presídios, que cada vez que vão para um bairro a vizinhança se sente desgraçada.
ResponderExcluirCaminhante, esse é o típico debate que a pessoa tem que se policiar contra a indução do óbvio e se questionar: mas peraí, será que eu sou mesmo contra? Também, por um brevíssimo segundo, fiquei tentado a abraçar as massas e gritar: vamos depredar!
ExcluirO Milton, pândego que é, propõe a coisa, mas no fundo sabe o que é o certo.
(Mas olhe essa foto sensacional do post. Não dá vontade de apertar as bochechas do demoniozinho com o dedo em riste? Estou pensando em fazer uma camiseta com essa foto. Achei na net, não me lembro aonde, e não sei o autor.)
Charlles,
ResponderExcluirnão sei se você já viu:
http://www.youtube.com/watch?v=sezYgT3PQIc
Dei boas risadas,
Abraço,
Rodrigo
Rodrigo, como é que cê faz uma coisa dessas comigo, meu chapa! Estou quase não aguentando de tanto rir!!!
ExcluirMaravilhoso!
Não sabia que eu era fã do Lobão. Aquilo do Chico ser o mais singelo objeto de direita da época da Moral e Cívica nunca tinha me passado pela cabeça. Eu conheci o Chico graças a essas professoras octogenárias que o Lobão fala, passando "A Banda" pra tocar na sala de aula.
E aquela do Gil... Genial!!
Obrigado, cara! Vou lá rever.
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1194742-o-sistema-literario-brasileiro-esta-doente-afirma-jurado-c-do-jabuti.shtml
ResponderExcluirEle também falou do sistema literário brasileiro que além de "doente" está "dominado pelos departamentos de letras das universidades", e de sua formação.
Então esse é o tal "jurado C". Achei ele bastante coerente. O ruim é ver que na literatura brasileira atual tudo é tão previsivelmente decepcionante quanto se tinha imaginado.
ExcluirNada a ver diretamente com o assunto aí, mas imndiretamente; hoje tava preso npo emngarrafamento de manhã e tive que aturar, no táxi, a televisão ligada no telejornal matutino da TV Globo, para quem a Profecia Maia já se cumpriu e o apocalipse já aconteceu, estamos mortos e não sabemos, enquanto as catástrofes se multiplicam, de tal forma que... bem, o que me parece é que estamos com uma mania esquisita de superdimensionar casos desimportantes como se eles fossem importantíssimos, modelares de um estado de coisas demencial e apocalíptico. Tudo tem servido à nossa fúria avessa às realidades circundantes, não correspondentes às nossas visões exemplares, certezas sábias e horrores em cada esquina. Vou numa festa onde todos estão bem, corados, até gordos, todos a chegar com seus carros novos, roupas legais, cabelos cortados, e ouço essa gente falar do fim do mundo como desconhecemos. Psarecem crianças estimuladas, por uma subcultura de massas, subproduto de relações de poder que resultaram em insatisfatória construção de relações políticas, a fazer barulho. Ainda bem que tô saindo de férias um dia antes do fim do mundo.
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