A biografia de Van Gogh lançada pela Cia das Letras, escrita por Steven Naifeh e Gregory White Smith, é um regalo em todos os sentidos. Tem capa dura, e a reprodução em cores (claro!, seria um pecado com Van Gogh se fosse em preto e branco) da obra desse brilhante artista. Tem também as reproduções em preto e branco dos rascunhos do pintor neerlandês, no corpo do texto, além de muitas fotos de época. Chegou-me quinta-feira última e o volume é desses que se fica pegando da estante e folheando, enamorado, a todo instante. A crítica mundial ressalta ser uma biografia ímpar, em alcance e excelência, sendo inclusive revolucionária ao propor, após 10 anos de investigação pelos autores, que Van Gogh não suicidara. Felizmente, nenhuma das resenhas que li oferece spoilers sobre a causa de sua morte, ficando reservado a descoberta para quem queira ler as mais de 1000 páginas do livro. Vou me lançar na leitura a partir do feriado do natal.
Mais um presente da Cia das Letras?
ResponderExcluirTô com um calhamaço do William C Carter, uma das biografias "definitivas" do Proust para ler também. Tenho que parar de ser frívolo e deixar essas leituras de prazer em suspenso...
Às vezes a relação com a leitura está mais na ordem da opressão que a do libido...
Ah, eu li uma outra do Prosut, de George D. Painter. Me pareceu tão boa que acho difícil que este de William C Carter a supere; muitos documentos originais, rascunhos d'A busca do tempo perdido, cartas, depoimentos, trechos autobiográficos, compromissos sociais, coisa demais até para um cara que ficou boa parte da vida recluso em um ambiente inóspito servido apenas de uma camareira. E tome correspondências entre personagens do livro e figuras reais, experiências de Proust recombinadas em passagens do livro, discussões estéticas acerca da obra de Ruskin e outros. Livro interessantíssimo.
ExcluirMarcos,
ExcluirO "definitivo" fica por conta da contracapa da biografia, que, se não pelas 950 páginas, impressiona pelo extenso arquivo de fotos. Há uma inclusive que impressiona. Nunca a tinha visto nos arquivos de imagens do google. Proust, sem o pitoresco bigode, fartamente barbado, de cara esquálida, deitado placidamente sobre o caixão.
Grato pela referência a G. D. Painter. Os rascunhos do La Recherche me interessam muito. Há inclusive edições de luxo do La Recherche acompanhadas dos rascunhos, não?
Sim, Luiz. Pedi esse pois sempre me interessei pelo pintor. Engraçado que no índice remissivo não consta a palavra "daltonismo" nem nada referido a essa anomalia, como assegurou o Milton Ribeiro. Mas havemos de ver.
ExcluirProust é realmente um escritor que oferece um imã para a obsessão. Li nos diários da Sontag uma reflexão interessante (o link está no post anterior), em que ela diz que Proust não sabia que estava escrevendo o maior romance de todos os tempos, e nem o público da época suspeitou isso (já que desconsideraram a obra). Realmente, cada vez que penso neste romance, fico cogitado a aceirar intimamente a possibilidade de ser o maior de todos, em qualquer linha temporal. Li-o num estado de lisergia concentrada (Oliver Sacks disse que devorou um livro sobre enxaqueca de 600 páginas em uma noite, sob o efeito da mescalina, e a viagem minha pelo livro do Swann foi equivalente [recordo que uma vez, num encontro entre minha esposa e eu e um casal de amigos, cada casal levou uma garrafa de vinho do Porto, mas fizeram a armadilha inconsciente de beberem meio cálice e deixarem que eu tomasse as duas garrafas praticamente sozinho_ foi o estado mais próximo ao peiote dos experimentos de Huxley em Portas de Percepção; a leitura de Swann exerceu a mesma reação em mim, e me lembro maravilhadamente de tudo do livro]).
Não vejo por que a diferenciação da sua parte entre leitura de obrigação e leitura de prazer. Segundo apreendi de seus trabalhos acadêmicos aí, e sua empolgação, eu mesmo teria muito prazer com esses livros que você lê.
Sem querer te chatear, mas já te chateando, relatos sobre a morte de Van Gogh, segundo a hipótese formulada neste livro, já foram massivamente difundidas em cadernos literários impressos e virtuais. Não acho que "saber as circunstâncias da morte", neste caso, tiraria qualquer interesse do livro, que é uma biografia e não um romance policial. Mais que a tese acerca dessas circunstâncias, o que realmente deve interessar são as circunstâncias de produção do artista, em suas idiossincrasias (com o alcoolismo a contribuir em muito para certo grau de insanidade ou tendência ao delírio do artista) e em seu meio artístico e social, ambos muito importantes na construção do "discurso" plástico de Van Gogh. De fato, tratar-se-ia de uma biografia definitiva, se as controvérsias acerca de qualquer vida não fossem eternas, ou ao menos tão indefinitivas quanto é a própria duração da espécie humana.
ResponderExcluirILHA DAS ÁGUIAS
ResponderExcluirby Ramiro Conceição
Cantam cantos antigos
que o mal é ardiloso
e que, sedutor, ilude a plateia
que, por ter os caninos escuros
com sangue de assassinatos cometidos,
não percebe - por medo - a insensatez.
Cantam sonhos longínquos
que o mal é a raiz da culpa
que impede esta monada,
desde a tenra idade,
à iluminação, à humanidade,
ao cuidado desta Terra única.
Cantam que tudo em nós é fruto
duma moral hipócrita e repressora
e que tudo sempre termina
num medíocre e terrível engano
colossal de templos e religiões:
uma manada de anões primatas,
bambos, prontos pra assassinar
quem ouse à alegria de duvidar.
Cantam cantos modernos
que a nossa civilização
judaico-cristã-muçulmana,
por ser estupidamente desumana,
possui a face dum quadro de Picasso:
o lado esquerdo em cisalhamento ao direito
tal qual o desespero em gritos dos ciprestes
destorcidos das telas de Van Gogh.
Cabe aqui uma pergunta.
Fomos, somos e seremos somente
caretas, caricaturas e canalhas
dum bando de micos amestrados?
Cabe aqui uma resposta.
Por herança da evolução,
somos um milagre repleto
de coragem.
Mas coragem pra quê?
Para cantar e permitir
a continuidade da vida
nesta casa bendita.
Portanto canto e declaro
claramente que somos parte
das consciências do futuro,
do passado e do presente
em processos de passagem;
canto e declaro
claramente que a diferença
entre um bem-te-vi e Einstein
é simplesmente a maneira
diferente do bater de asas.
O amor é o senhor da Terra.
E não há diferença qualquer
entre a mulher, que nos braços
seus filhos queridos abraça,
e o Sol, que com nove braços
seus filhos queridos entrelaça
(Plutão não é um bastardo).
Dizem que sou de aquário
pois ao sonhar às vezes rio,
a crer que do nosso aguadeiro
florescerá a sinfonia do amor
que será cantada e amada
em estelares línguas claras.
Porém, confesso: sou um contumaz
devorador de astrólogos à milanesa
regados - é claro - à muita cerveja.
Contudo, lúcido, continuo a declarar
que o amor não necessita de templos
e que nunca será de pouquíssimos,
pois Beethoven canta - no Uirapuru.
À frente
das minhas asas,
dança com graça
a Ilha das Águias.
Lá,
elas procriam.
De lá,
elas vigiam.
De lá,
vêm
o início
e o fim.
Eu vim de lá
pra profetizar, instaurar e mediar
toda a forma de amar que está ali,
na estelar sala de estar e, aí,
dentro do teu amor, caro Leitor.
Quem se interessar, verdadeiramente!, pela arte de Van Gogh deve amar a sua pintura(mesmo que numa simplória cópia) e ler e reler, e reler as "Cartas a Theo". Só assim comprenderá uma ínfima parte da revelação da Arte: o resto, minhas senhoras e meus senhores, são apenas peidos dos fantoches da plateia da história. Van Gogh é a revelação do sagrado diante desse desgraçado, dito, mundinho.
ResponderExcluirHahahahahaha. Estava sentindo sua falta por aqui, Ramiro. Sinceramente!
ExcluirAmigo Charlles,
ResponderExcluirPasso aqui para me despedir ao final de mais este ano, que finalmente acabou, o que não deve significar muita coisa, com as promessas que tenho para Janeiro. Aborrecimentos só acabam com a vida, todo mundo sabe. Vejo que o Marcos escreveu uma mensagem aqui e não trouxe um poema que ele escreveu há muito tempo, inspirado em um quadro de Van Gogh, "Os comedores de batatas". Uma pena, eu gosto dele. Publiquei hoje nossas despedidas, aliás, com outro poema dele também, que não deverá voçltar aqui antes do ano que vem - estava louco para deixar de usar computadores. Bons feriados, para você, familiares e demais leitores.
PLANTADOR DE BATATAS
Excluirby Ramiro Conceição
.
.
O ato de criação é plantar batatas
porém ensinando aos pequeninos
a alegria da batatinha quando nasce
e a dor - d’Os Comedores de Batatas.
Por isso o poeta deve cavar e colher o óbvio
que plantou e, qual Dante com o seu Mentor,
deve ir até o inferno em busca da luz porque
é no interior do ser que rebenta o esplendor.
Charlles,
Excluiruma perguntinha que não quer calar: nesse final de ano, o peru vai ou fica?
Rachel, aguardo o retorno do blog ano que vem. Deixei um recado lá no seu blog.
ExcluirVocê sempre confundiu essa história do pero achando que o peru era meu, Ramiro. Eu não crio o peru, é o meu vizinho quem cria. Infelizmente, faz meses que eu não vejo o Archimboldo (o peru).
ExcluirQuer dizer que você andou a cuidar do peru do vizinho? É, as coisas são confusas, muito confusas... (Cala-te boquinha!).
ExcluirOlha, a Rachel falou comigo e me senti obrigado; de quebra, ainda dei de cara com o poema do Ramiro sobre o mesmo quadro, e fiquei sem saber se ele escreveu antes d'hoje ou hoje mesmo, mas ficarei sem saber porque, tão logo postar o meu poeminha aqui, desligarei essa joça e adeus, só em janeiro, e foda-se a profecia Maia. Lá vai:
ExcluirLonge do McDonald’s
Depois da imagem sombria, cinza, cobre
Ocre, de um azul escuro, de uma luz triste
Fui às favas, nunca mais
Às batatas.
O holandês não era bom poeta; na época
Apenas um obscuro pintor
Investido no desejo de sofrer
Comum a todos fundamentalistas
Mas por causa daqueles olhos inchados
Do vapor pestilento de tubérculos descorados
Fiz da gastronomia minha divisa
Do tempero minha munição
E do vinho o sangue deste
Único general de si mesmo
Passo ao largo das lanchonetes, no temor
De encontrar, em alguma delas
O fantasma do holandês
Vestido com a tétrica
Fantasia de palhaço
Na multicolorida festa de uma feira
Exploro os cheiros de uma manhã
Alegre; nas ruas, a fome das pessoas
Ganha uma expressão luminosa
ñ passo ainda pra me despedir, q voltarei. estive um tempo fora, estava finalizando meu trabalho de conclusao, q apresentei ontem (fui aprovado!).
ResponderExcluirmas, desculpe por postar isso:
http://www.youtube.com/watch?v=qaW9GzNts-A
arbo, meu velho, que excelente notícia. Parabéns!
ExcluirVou lá ver o link, que coisa deixada por você aqui sempre é indispensável.
fiquei até com vergonha agora, "indispensável". hauhauha não é não; coisa de amigo ver uma coisa dessas, esdrúxula, e compartilhar, pelo "susto" da coisa. é absurdo, mas não indispensável.
Excluirem breve te mando algo indispensável.
arbo, correndo o risco de ser um plágio nelsonrodrigueano: mas o trivial não é indispensável?
ExcluirAh, mas este eu quero ler! Tenho a opção de comprá-lo em formato ebook, através do Kobo, mas não o farei, naturalmente. Seria um pecado. Vou logo providenciar o meu pedido.
ResponderExcluirEm tempo: aos amantes de livros, não tenham medo dos e-readers. Eles serão grandes auxiliares escolares, mas o papel ainda tem longa vida.
Charlles, eu li "Mecanismos internos - ensaios sobre a literatura" no Kobo. Num piscar de olhos. Fiz questão de fichamento. Mas, para ficção, não serve. Em absoluto. Se um dia faltar papel, o homem terá de inventar algo de semelhante. Eu conheço essa emoção de segurar um livro, enamorado, à espera deliciosa (porque sabemos de antemão do prazer que experimentaremos) da hora de lê-lo.