sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Comentários com Os Pés na Mesa

Que diabo! Mais um vez vou usar um comentário meu no blog do Milton Ribeiro como post aqui no blog.



Já disse antes que gosto muito de Calvino, mas ele não chega a ser um dos meus preferidos. Dos italianos: Svevo e Pirandelo.

Borges é um dilema. Já vejo professores se decepcionarem ao tentarem adotar seus contos mas os alunos reagindo negativamente. Que coisa cacete! Borges se tornará “cacete” para a futura geração Kindle. E isso é curioso, pois a versatilidade da obra do argentino, num primeiro momento, parece se prestar ao mundo portátil. Seus contos são curtos (muitos, aliás, não vão além de três páginas), e são movimentados como um romance de Dumas Pai; e falam de magia, de absurdos (não à toa a capacidade mercadológica inconsciente dos temas de Borges tornou a disparar as vendas do Paulo Coelho nos EUA, o seu romance do Aleph).

Mas… aí vem o x da questão, na qual divirjo (essa palavra tá certa?) de você e do Luiz Ribeiro e do Idelber: o ponto em que trata da influência de Macedôneo sobre a escrita de Borges. Vocês veem como uma influência de fato, estilística e temática. Eu já penso que Macedôneo exerce um poder notável no humor borgeano. Macedôneo e a geração de escritores argentinos da qual fez parte Borges, praticamente criaram um “humor argentino”. Assim como se identifica os méritos do humor inglês na sutileza e na auto-crítica firmada no absurdo e no non-sense do esnobismo britânico, e a auto-depreciação do humor judáico, o humor argentino nascido com Macedôneo bebe das fontes inglesas e se adentra numa revelação do absurdo do prosaísmo cotidiano, e o texto argentino, daí para frente, se tornou cuidadosamente metaliterário, mais cheio de mensagens subliminares do que as capas dos discos dos Beatles e a cabala_ a maior parte, só entendida pelo grupo de escritores argentinos. O humor de Macedôneo perfila a obra de Borges e se expande em Cortázar. Macedôneo criou o Monty Python da Argentina, e só nisso (o que já é uma contribuição gigantesca) é que ele é transparente na obra de Borges. Borges mesmo, num texto sobre Macedôneo, diz que era a antítese de Macedôneo em todos os sentidos da criação literária: Macedôneo era desregrado, pouco se importando com a beleza da escrita, e Borges um estilista rigoroso.

Então… as sutilezas da escrita de Borges é que são indigeríveis para a geração Kindle. Borges disse que conheceu a obra de Whitman em alemão (olha só o montypythianismo de Borges mesmo aqui), e só depois de lê-lo em inglês que viu o quanto era absurdo ler O Canto da Estrada Aberta na lingua de Schopenhauer. É da mesma forma absurda ler Borges no Kindle, e os leitores do Kiindle já nascem predestinados à incapacidade de ler Borges. Mas isso é outro assunto, que nos remete ao mimeógrafo adorniano (Adorno profetizou que as únicas obras relevantes desse nosso século seriam as mimeografadas): e Borges é o legítimo mimeógrafo.

Particularmente gosto mais da seleção de contos do Aleph. E adoro os ensaios, e adoro os prólogos (releio-os todos os dias na privada). Borges é um dilema por ter sido um grande escritor que se articulava dentro de um espaço limitado. A escrita de Borges revela que por pouco ele não se tornara um autor fracassado. Ele não era exuberante (Calvino era). Nota-se que o único meio de Borges era desenvolver esse estilo conciso ao extremo. Daí que tal coisa tem seus efeitos colaterais: Ficções e O Aleph são maravilhosos, revolucionários, bombásticos, imortais; já os contos tardios, como os de A Memória de Shakespeare, a mim soam cansados, repetitivos, sem talento, já sendo o mecanicismo da criação agindo por si mesmo com pouco espírito. Garcia Márquez já havia anunciado isso antes_ logo quem, que se tornou o macaco do realejo da emulação da própria técnica_, de que Borges se afundou no desgaste da incapacidade de ir além de seu estilo.

São muitos os “filhos” de Borges. Claudio Magris é um dos maiores deles ainda vivos.

20 comentários:

  1. Opa, faço meu agora o teu comentário no meu blog. Borges em inglês?

    ResponderExcluir
  2. Hahahahaahhaha. Perfeito, Cassioney! Acabastes comigo nessa.

    ResponderExcluir
  3. Tu tens o gatilho mais rápido da blogosfera...

    ResponderExcluir
  4. Charlles, muito obrigado. Estou mesmo buscando ampliar minha "base de conhecimento e de opiniões". Borges é tão grande que dá medo...

    ResponderExcluir
  5. Charlles,
    Mas não são os críticos literários que alardeam os empréstimos de Macedonio em Borges. É o próprio Borges que afirma isso.
    Daí é claro que você tem todo o direito conferido pelo Reader Response Criticism de trair o próprio Borges e afirmar que não há muito de Macedonio nele. Minha discordância contigo ía no sentido de que você teimava em dizer que Borges não havia feito nenhuma vênia à influência de Macedonio sobre a sua literatura. Não é o caso. A correspondência entre os dois e principalmente o discurso elegíaco no funeral do amigo são definitivos nesse ponto.
    Não vejo nada do humor do Macedonio em Borges. Não que Borges seja um autor taciturno. A sátira no autor de Ficciones é elitizada como talvez em nenhum outro autor do século XX. É preciso ter entendido todas as ironias de Quixote para sacar como as alusões em Borges funcionam também como humor.
    O humor de Macedonio transitava pelo nonsense do movimento surrealista. O cara lia Maurice Blanchot (talvez até Bataille) e tentava a transposição do surrealismo Europeu para os Pampas. Lia coisas como o L'Arrêt de mort do Blanchot, com todas as ironias que o título do livro demanda - "L'Arrêt de" deve ser entendido como genitivo de pertencimento, daí a interpretação "o fim que a morte representa", ou como acusativo, "o fim da morte", i.e. a ressurreição, a imortalidade? - e emulava essa coisa do ambíguo e da metalinguagem surrealistas no contexto do renascimento argentino de inícios do século XX (uso aqui Renascimento Argentino com toda a pompa e seriedade, o desenvolvimento das letras na Argentina de inícios do século XX até a Guerra e o imediato pós-Guerra é tão significativo ou mais que o Renascimento Jeffersoniano na América). O Museo de la Novela de la Eterna e suas várias versões, o inacabado da obra, a tentativa de transpor o leitor para dentro dela no sentido de que o leitor termine a obra para o autor, tudo isso que representa a quintessência do humor de Macedonio, remete a Blanchot, Bataille, et al.
    Por exemplo, a coisa dos livros do Blanchot terem mais de um título simultaneamente (para o desespero da United States Library of Congress)
    Não consigo enxergar nada disso em Borges.

    ResponderExcluir
  6. Luiz, mas a coisa está aí! Li o discurso de Borges no funeral de Macedônio que você me enviou, e nada nele me disse que eu estava errado. Não li as cartas entre eles, e em toda a obra (in)completa de Borges, que li na sequência os 4 volumes, há qualquer outra referência à influência literária de Macedônio sobre Borges. Um único ensaio delicioso trata de Macedônio, e nele, Borges cita literalmente ser um antagonista da escrita de Macedônio. Faz referência a seu romance, mas não menciona o título, o fazendo de forma muito passageira. Mas enaltece a personalidade de Macedônio, como se a obra fosse as atitudes e os cacoetes que Macedônio presenteava seus amigos no dia a dia. Cita todas aquelas esquisitices das quais o Idelber falou, em seu post sobre o Romance da Eterna: sua candidatura política, que não fez campanha alguma, além de esquecer livros por sobre balcões de bar com santinhos enfiados no meio das páginas; sua incapacidade total de reconhecer que estava errado em uma assunto (mesmo quando lhe provavam taxativamente a assertiva da opinião contrária, ele se saía calmamente com esta: "pois é como lhe falei"; o seu descaso quanto a palavra escrita, de forma que largava o que escrevia em quartos de hotéis e muito se perdeu. Macedônio foi um amigo maluco, hilário_ com a devida liberdade, um Dean Moriaty para Borges_, e nisso houve a influência, que foi puramente conceitual, e não formal. Percebo influências de Macedônio, p. ex., no Pierre Menard, que pra mim é um dos mais hilários contos de Borges, de deixar qualquer um com uma impressão de deslocamento: um conto seriíssiom, que atordoa leitores desavisados ao contrapor trechos do Quixote original e do Quixote de Menard, o que configura a absoluta semelhança. Isso não é um non-sense digno da turma do Terry Gilliam?

    Não vejo influências dos surrealistas e dadaístas em Borges (não foi o que você disse. Mas refere a isso em Macedônio).

    ResponderExcluir
  7. Acabo de ler o texto do Milton e começo a pensar sobre possíveis infusões do surrealismo Macedoniano em Borges.
    Pierre Menard, el autor del Quijote seria aí a contraprova de tudo o que eu disse sobre a ausência do humor surrealista em Borges - o uso da metalinguagem, a confusão proposital entre leitor e autor, etc, etc.
    Pode ser. Mas teimo que isso remeta antes a coisas muito anteriores, a saberes e técnicas que precedem em muito ao movimento surrealista.
    Acho que há evidências significativas na obra de Borges para dizer que uma de suas escolas foi o Midrash Judáico. A irreverência reverente dos comentários midrashínicos, onde o texto do Canon é citado, aludido, referenciado, afim de ser subvertido, ultrapassado. A confusão entre comentário e texto, o emaranhado indissolúvel alusão-expansão. Que loucura literária! Vade Retro secularista à parte (já me antecipo ao Milton aqui), o Midrash é uma puta revolução literária. Subverter a estória do sacrifício de Isaac no livro de Bereshit - aquela estorinha que usa do típico sadismo Hebráico na prova em que Yahweh determina a fidelidade de Abraham testando-o a sacrificar o próprio filho - fazendo Isaac ser ipso facto sacrificado (como acontece em alguns midrashim medievos do livro de Gênesis ou no Apocalipse Judáico de Isaac) é um accomplishment literário que precisa ser reconhecido.
    Você encontra tudo isso em Borges, e principalmente em contos como o Pierre Menard. Eu defenderia então antes um Borges Talmudista que um Borges que mergulhara a ponta dos pés nas aguas do surrealismo.
    Isso porque Borges parece ignorar completamente a literatura de vanguarda Européia dos vinte - a despeito de sua amizade com Xul Solar e Macedonio e de ter circulado, ainda que não pertencido no sentido pleno, do vanguardismo Argentino.

    ResponderExcluir
  8. Aí sim estou em condições de concordar com você, Luiz. Há muita referência ao Talmude, à cabala, o Midrash Judáico, assim como uma rica recorrência ao Alcorão (o deserto como prisão) na obra de Borges. Mas Borges utiliza esses recursos pelo que eles oferecem de possibilidades retóricas, poéticas, e de estranhismo fantástico. Dessa mesma forma, Borges usa Tomás de Aquino (que ele considerava como um excepcional ficcionisrta_olha aí a ironia macedôneo-borgeana) e símbolos da filosofia católica medieval. Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, toma de assalto as diversas referências cabalísticas no verbete perdido que se encontra em um_ e apenas um_ volume da Enciclopédia Britãnica; e em diversas visões poéticas de Borges encontramos o Cristo evangelista dos grandes filósofos católicos, principalmente nos poemas, muitos dos quais tem como títulos os capítulos e versículos das escrituras. Há um particularmente lindo que eu amo, em Elogio da Sombra, o enigmático "João 1,14". A grande quantidade de textos de Borges sobre Dante, mostram o fascínio do argentino pelo universo religioso (entenda isso da maneira certa).

    O misticismo religioso parte do judaísmo, por isso, é inevitável a ascensão da literatura judáica sobre Borges. (Daí mais uma semelhança truncada entre Bellow e Borges que poderia ser um dia usada nesses torneios do Milton Ribeiro.)

    Mas outras influências em Borges são da literatura inglesa, os mitos escandinavos,e entre os contemporâneos, Chesterton, Kipling, e não me recordo mais...

    ResponderExcluir
  9. Charlles,

    Continuo a conversa mesmo sob o risco (aqui) sempre contínuo de ilustre penetra.

    Gosto mais da comparação que fez em algum lugar entre Borges e Bashevis Singer. Essa entre Bellow e o Argentino é muito idiossincrática. O que o Bashevis Singer faz com a apocalíptica e mitologia Ashkenazi - apegar-se ao literário do religioso norte-europeu e resgatar todo o seu potencial mas agora emancipado do paroquialismo - é exatamente isso o que Borges faz ao encarar a tradição teológica judaico-cristã como literatura fantástica, colocando-a no mesmo patamar etnológico da mitologia escandinava e anglo-saxã (remeto-o ao livrinho de crítica do Todorov traduzido pela editora Perspectiva, "Introdução à Literatura Fantástica")
    Se há nisso a ironia do Macedonio, não sei. Não entendo bem porque isso teria de vir de Macedonio. Seu comentário aliás pontua bem que Borges teve vários mestres.
    Acho que o jovem Borges escolhe por esconder as referências a Macedonio na sua literatura. A elegia ao amigo morto vai mais ou menos nessa direção. De que emulara Macedonio assintosa e declaradamente e de que fora uma influência consciente, um exercício deliberado. Como Borges imitando Wells em alguns dos contos de Ficciones. Ou os exercícios de Historia Universal de La Infamia, nos quais vejo esboços de R. L. Stevenson. É preciso ler o jovem Borges com cuidado para perceber esses sinais e traços deliberados. Leitura essa que nunca me propus a fazer.
    Não sei bem se entendeu o paralelo que tracei entre Borges e o Midrash. Ele ía muito além do fato consumado de que Borges lera e bebera também do mundo rabínico e do folclore Ashkenazi. Parece-me que Borges toma esse universo como técnica e procedimento literário. Se ele o faz a partir de sua fonte - ou seja, a partir de Rabbi Akiba, do Príncipe Judah, dos sábios Amoraítas ou, mais tardiamente, do Zohar, ou se ele o faz a partir da releitura decantada desses no universo cristão de Orígines, Tertuliano, Agostinho, não sei.
    Questiúnculas a parte (a querela Borges-Macedonio já deve estar cansando os demais), acho que entendi agora o embate Cidades Invisíveis e Ficciones (embora não tenha lido o primeiro). A julgar pelos comentários do Milton e do Farinatti, ambos tratam de abolir o aborrecido cotidiano no acesso a essas terras longínguas nas quais as leis próprias do mundo são interrompidas ainda que temporariamente.
    A partir de determinada ótica essa última afirmação parece banal, posto que a literatura como um todo é esse espaço fantástico onde o aborrecido cotidiano é colocado em suspense. Mas existe um abismo enorme entre refugiar-se no universo de um Zohar, ou nas saletas e antesalas especulares da Biblioteca de Babel, e na África do Sul de um Coetzee.

    ResponderExcluir
  10. Luiz,

    sempre muito bom ler suas palavras, de modos que até perdoamos o mimo em se sentir um "penetra".

    É bom alimentarmos esse antagonismo sobre Macedôneo. Eu cultuo um cordel de ideias disparatadas que vem de leituras muito idiossincráticas. Aportar em um horizonte longuínquo da nossa realidade, e ver que ele tem os limites bem definidos e a geografia bem traçada, me desanima. Algo parecido quase aconteceu quando li o excepcional ensaio de Canetti sobre as cartas de Kafka a Felice. Canetti mesmo, reconhecedor primeiro do potencial desestimulante do que havia escrito sobre a relação anômala entre o autor checo e uma de suas pretensas noivas, avisa, na segunda página, que as informações das cartas não devem servir para restringir as ricas interpretações de O Castelo e O Processo, a apenas uma: da rejeição banal que Kafka sentia diante as negativas trocadas com Felice. Reli O Processo depois disso, para provar, temeroso, de que não havia perdido Kafka para sempre.

    Defendi uma monografia sobre Garcia Márquez x V.S. Naipaul, em que fui bastante degladiado pela banca de doutores pela minha taxativa afirmação de que GGM era um autor apolítico. Meu orientador mesmo, esquerdista aguerrido, desses que traçavam de forma infalível o Cem Anos de Solidão com a crítica social dos filmes do Glauber Rocha, pediu insistentes vezes para que eu repensasse o que ele tinha como única falha do texto. Mas eu lia GGM desde os 17, e tinha um arsenal de referências, a meu ver, muito sólida. Quanto mais eu via a babaquice do partido instalada como tradição conceitual no universo acadêmico, mais me certificava de que eu deveria manter firme meus pés nesse erro. E eis que, somente mês passado (após cinco anos!), me chega um texto do Perry Anderson, através da revista Piauí (tá no site da dita), em que ipsis verbis, se diz que GGM é o nosso autor menos político, contrapondo-o a Llosa. Não sei se isso valeria para Macedôneo/Borges.

    ResponderExcluir
  11. Sobre as influências de Borges, nada mais didático que ler suas resenhas literárias e seus prólogos. É com surpresa que se descobre que lhe agradava muito a pulp fiction de romances policiais. Há um texto do Teron, no site da Companhia das Letras, em que ele quer passar a imagem de um Borges que desde menino só se inteirava em eruditos ingleses e germânicos. Há muita informação na literatura "de segunda classe" do argentino: ele traduziu alguns dos principais romances de Faulkner; gostava do Hemingway de antes do "Ter e Não Ter"; compôs um livro inteiro de milongas, assim como escreveu diversos tangos; foi Borges que restituiu a estatura literária de Chesterton, que então se encontrava esquecido; escreveu críticas de cinema; julgava Simenon um romancista policial ruim, mas um grande estilista da lingua; etc, etc.

    Ou seja, Borges não era uma múmia de biblioteca, como se percebe numa primeira impressão.

    No mais, não tenho nada a acrescentar a seu rico comentário, Luiz.

    ResponderExcluir
  12. É claro que já me sinto em casa o suficiente para falar de boca cheia e tirar os sapatos e as meias na sala de estar.
    Mas há outros lugares onde só me foi concedido o falar da soleira da porta.
    Nada demais. Diagnosticaste direitinho. Não passa de mimo.

    Sobre minhas opiniões sempre muito sentenciais acerca de Borges cabe uma nota de rodapé.
    Meu ciúmes por Borges só não ultrapassa o sentimento de posse que tenho pela minha esposa.
    Para você ter uma idéia, só mesmo a alma generosa da minha mulher teria permitido que, em plena lua-de-mel, eu transformasse parte do nosso passeio romântico em Buenos Aires - o Tigre, os cafés lesa-parisienses, Recoleta, San Telmo, etc - na mais despudorado turismo de relíquias do escritor. Sentei-me na plaza San Martin por duas horas a ler o poema de mesmo nome que o jovem Borges escreve em Fervor de Buenos Aires; fui ao último apartamento que o escritor habitou na Calle Maipu com a mãe Leonor Acevedo; subi e desci a Florida e a Calle Corrientes atrás da primeira ou segunda edições dos livretos de Borges que meu parco peso podia adquirir - me orgulho de ter conseguido garimpar a edição 75 da revista Sur de Victoria Ocampo, de dezembro de 1940, donde a primeira aparição do Las Ruinas Circulares de Borges e, com não menos orgulho, a primeira edição de El Libro de Arena; só não aportei na Calle Mexico, na biblioteca onde Borges trabalhou como curador por algumas décadas, porque, como se sabe, a biblioteca não existe mais.
    Enfim, Borges é a minha igreja do Santo Sepulcro, eu, um cruzado, e Buenos Aires, minha Jerusalém.
    Perdoe então os excessos e o desenho da cruz que estampa o meu escudo.

    ResponderExcluir
  13. No meio desse seu relato, pareceu-me, de súbito, ler as palavras de Vila Matas. Dá para ver que se sente à vontade, pois é o primeiro comentário seu o qual pode se usar a definição de pessoal.

    Ao menos uma coisa tenho em comum com Faulkner: não sair, e não desejar sair, de meu canto interiorano por nada desse mundo. Sou o tipo que se dá muito bem consigo mesmo e seus baluaques. Mas, antevejo para daqui dois anos a necessidade de ceder às exigências até agora discretas de minha esposa em sairmos, os quatro, para passeios distantes. Como nem sei como se começa a fazer isso em conjunto(conheço grande parte do Brasil, da época de solteirice), vou deixar que a Dani toque no assunto e ofereça as possibilidades. Buenos Aires, só agora me vem essa constatação, seria realmente ótimo. Quanto a primeiras edições, o maior orgulho de minha biblioteca é ter a primeiríssima edição de The Adventures of Augie March, The Viking Press in September 1953. Comprei-a pela Estante Virtual por 8 reais, e quase caí para trás da cadeira quando vi o que me mandaram. Tenho também a terceira edição de Across The River, Into the Trees (meu Hemingway preferido).

    Por falar em Bellow, nunca sentistes a mesma vontade de visitar os pontos biográficos dele por aí?

    ResponderExcluir
  14. Nesses dias mesmo vi a referida edição do The Adventures of Augie March num sebo da St. George com a Bloor vendendo por cento e poucos dólares. Serendipitous esse seu achado, meu amigo.
    Precisei ir a Wikipedia para descobrir que Bellow nascera na província de Quebec. Ele trabalhara por algum tempo em Toronto? Sei muito pouco sobre a biografia de Bellow. Ainda não conseguiu me animar a ser iniciado no escritor Judeu. Começo a chegar a conclusão que prefiro o Pulitzer Bernard Malamud ao primeiro.

    Em Toronto fiz um arremedo de roteiro espiritual no Hemingway. Vez ou outra frequento o bar em que o jovem Hemingway (o Hemingway antes do Hemingway) frequentara no Bellair. Cheguei a passar na porta do Toronto Star com alguma emoção e imaginei a janela de onde o jornalista via a cidade, talvez o Lake Ontario e sonhava já com Paris, Pamplona, África.
    Uma coisa que precisa ser dita sobre Toronto é que ela não inspira a escrita. Que o diga M Atwood...
    Você vislumbra o shore do Lago Ontario e tem saudade de lugares onde nunca esteve.

    Qualquer dia desses faço um roteiro espiritual do Oscar Petterson! Quem disse que nada de excepcional pode sair de Ontario. O universo às vezes apronta das suas.

    ResponderExcluir
  15. Pô! Cento e poucos dólares? Apesar de que nunca me disporei desse livro, mas acho que subvalorizaram bastante a edição (já tive informações bem melhores).

    Não tenho poucas palavras quanto a Bellow, como o blog todo acusa. O Maior autor do século, em lingua inglesa, de 60 anos pra cá. Esqueci de te responder sobre as similitudes entre ele e Borges: trata-se de uma ironia com o meu amigo Milton Ribeiro, já que Calvino também não casa bem com o argentino. Mas, por mais improvável que seja, Bellow e Borges possuem muito em comum. Cito a erudição imbatível (ambos mostram terem lido de tudo), e o aspecto comezinho de que Bellow "roubou" o Nobel que todos spostavam ser de Borges.

    Ah, é! Hemingway escreveu para o Toronto Star. Tenho aqui os dois volumes da obra jornalística dele.

    (Parece que o deserto intelectual em que vivo se aprofunda mais por eu perceber que só eu gosto da Atwood. Passei horas muito divertidas com A Noiva Ladra, e Madame Oráculo.)

    ResponderExcluir
  16. Será que não era então a primeira edição? Esse print da Vicking Press tem formato de bolso parecido com os da Penguim?
    Vou passar lá para conferir de novo. Vai que se trata da terceira print da primeira edição ou algo que o valha...

    ResponderExcluir
  17. Não. É um baita de um calhamaço de capa dura amarela, sem nada escrito a não ser o nome do autor na capa, e o título na lombada. Parece que não suspeitavam que o romance seria considerado o Moby Dick do século, o que tinham razão para tal, visto que Bellow não havia publicado até então nada de substancial.

    ResponderExcluir
  18. Caro Charlles,
    vou fazer um desabafo em seu espaço.
    Por favor, sinceramente, me perdoe(sobre o que penso-sinto de Borges, deixei lá, no Milton; seria uma imprecisão repeti-lo, aqui)...


    AOS BANDOLEIROS DA USP
    by Ramiro Conceição


    Talvez fosse isso, que poderia ter sido:
    estudantes livres avaliando o ensino… não tido;
    mas não a baderna por três maconheiros detidos
    no horário de aula pago… pelo imposto do povo!
    Chega dessa farra de mimados, covardes!
    Chega dessa gentalha média, que dá nojo!
    Que vê o público qual a merda de seu bojo.
    Sem dó, sem qualquer piedade: Lei neles!

    ResponderExcluir
  19. Sobre tal assunto, Ramiro, minha vergonha e constrangimento me impedem de dizer qualquer coisa.

    ResponderExcluir