quinta-feira, 31 de março de 2011

Berman, Brasília, Niemeyer _ e Marc




 Há alguns meses nós frequentadores do blog do Milton Ribeiro, tivemos uma pequena querela por lá. Dividimo-nos entre os que admiram Niemeyer, e os que, trocando em miúdos e sem firulas, o abominam.  Faço parte dessa última categoria. Citei Marshall Berman , o antológico prefácio e o capítulo referente de Tudo que É Sólido Desmancha no ar, e, como assustadoramente parece estar sendo frequente, não agi com muita cortesia ao defender meu ponto de vista (preciso me tratar!). Talvez porque Brasília faça parte dos meus pesadelos, e tudo relacionado a ela, das formas mais materiais às puras abstrações mais horríveis. Eu jamais conseguiria morar lá, assim como quando tenho que visitá-la (uma vez por semestre), o faço o mais rápido possível. É uma representação associada por demais à história monocórdia e inerte do país, carregada por demais de peso metafórico, para que consiga respirar com alívio. O texto abaixo foi recortado da parte final do último de dois artigos do Luiz Schwarcz, publicados no Blog da Companhia das Letras. Vale a pena lê-los na íntegra.

" Berman dialogou com intelectuais como Marilena Chaui, Nicolau Sevcenko, Francisco Foot Hardman, entre outros. As críticas, no entanto, não tardaram a aparecer. Lina Bo Bardi foi uma das primeiras a se manifestar, defendendo Niemeyer. Numa palestra super lotada no auditório da USP, o pensador norte-americano foi aplaudido e apupado, enquanto a arquiteta Regina Meyer, professora da FAU, pedia respeito em relação à obra do grande arquiteto brasileiro, sugerindo que Berman se aprofundasse mais antes de opinar.


Fiquei muito impressionado com a forma com que Marshall falava, sempre de olhos fechados, e com sua expressão sempre triste e soturna. Sua presença física lembrava um hippie dos anos sessenta. Um amigo meu, com ironia, disse que Berman parecia estar voltando a pé de Woodstook. Ele ia a todos os eventos com jeans surrados, sandália franciscana, a mesma camiseta e os cabelos desgrenhados. Trouxera poucas mudas de roupa para o Brasil e pouco se importava com isso. Sua presença, enorme, era antes de mais nada triste. Eu depreendera, a partir da leitura da apresentação de Tudo que é sólido desmancha no ar, que Berman passara por um enorme trauma familiar, mas até então não tivera a coragem de perguntar sobre o assunto.

Aqui no Brasil, e depois em uma longa visita que eu fiz ao escritor em Nova York, Marshall contou-me o seu terrível drama pessoal. Quando Tudo que é solido estava prestes a ser publicado nos Estados Unidos, a então esposa do autor, sofrendo de psicose aguda, atirou Marc, o filho de cinco anos do casal, pela janela, tentando em seguida se suicidar, sem sucesso. Berman se referia a Marc como um anjo. Não chorava ao falar, mas nem era preciso. Seu choro estava presente o tempo todo, ao cerrar os olhos para responder as perguntas do público brasileiro, que o recebeu como um verdadeiro ídolo, e na constante expressão de silêncio que entregava ao mundo. Para Berman, a vida se desmanchara no ar com a morte de Marc."

Parte 1:http://www.blogdacompanhia.com.br/2011/03/brasilia-se-desmancha-no-ar/

Parte 2:http://www.blogdacompanhia.com.br/2011/03/marc-o-anjo/

9 comentários:

  1. Que história horrível de se conhecer, Charles. E eu achando que você iria falar do Niemeyer. Deixo meu comentário sobre este último, enquanto digiro a história do Berman.

    Vivo hoje uma sensação de estranhamento com Niemeyer. Já fui sua fiel detratora. Acho Brasília impraticável e muitas das coisas que vi dele no RJ e, especialmente em Niterói, terríveis. Mas, algumas de suas linhas limpas, tem me parecido muito atraentes nos últimos anos, especialmente as que se curvam e se elevam no espaço. Deve ser a idade.
    Contudo, não consigo aceitar a paixão pelo concreto, a eliminação das árvores e todas aquelas coisas que parecem, no fundo, uma grande garagem.
    Como vê, estou no meio dos dois grupos e quase sem forças para lutar por qualquer lado. Meu respeito à Niemeyer - que agora até existe - matem-se à segura distância.

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  2. Que história tristíssima! Existem coisas que o destino não me coloca à prova, pois sabe que eu jamais suportaria. Como mãe, a história do Marc te tocou da mesma maneira que em mim. Não sabia dessa passagem na vida de Berman (também li o texto do Schwarcz hoje).

    Eu já havia me decidido desde quando aos 8 anos fui à Brasília pela primeira vez. Não gostei da estética, do propósito, da atmosfera ( a igreja católica é uma aberração matemática e o exemplo maior do "não significar nada": se serve ao ateísmo socialista, pra que então fazer uma igreja. Será que o Cristo em blocos repartidos, os santos de abstração stalinista, foi uma concessão à necessidade política de agradar ao povo, ou uma ironia? Não creio que foi ironia, mas apenas e pobremente um abaixar a cabeça à imposição do preço pago pelos políticos a um arquiteto que nunca esteve comprometido com alguma liberdade criativa.) Niemeyer é vazio ideologicamente. Isso, para um artista ou intelectual, equivale ao suicídio.

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  3. Essa história me lembrou algo que ocorreu aqui em Curitiba, acho que no ano passado. Uma moça atirou seu bebê pela janela, porque ele chorava muito. Foi aquela comoção, até que conheci um colega de trabalho dela. Ele disse estar arrasado. De acordo com ele, ela adorava a criança, vivia para ela. A moça tinha algum transtorno psicótico e se cuidava com a medicação. Mas naquela época ela estava trocando de remédio... Meu amigo disse que assim que a moça se deu conta do que fez, sem dúvida deve ter sentido um remorso muito maior do que qualquer condenação que pudesse receber.

    O máximo que já vi de Brasília foi o aeroporto, quando criança. Aqui, durantes décadas, tinha uma grande construção branca, longa e inútil. Acho que igual àquela do Ibirapuera. Construiram o Museu do Olho bem na frente, a construção branca passou a ter loja e café, a população adotou a grande área verde ao lado para levar seus cães (o Par-cão) e ela foi revitalizada. Foi um investimento imenso. As construções de Niemeyer parecer ter vocação de florestas de eucalipto - grandes, silenciosas e vazias.

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  4. Caminhante, por isso fica mais absurdo. Um igreja que não tem nenhuma atmosfera de religiosidade. Não estou me referindo a crença, mas a religiosidade. A igreja de Niemeyer contraria a sensação de paz e antiguidade reconfortante a que o Bernard shaw se referia nos passeios pela Inglerra rural à caça das igrejinhas medievais.

    Uma cidade construída por H.R. Giger teria muito mais espírito.

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  5. Concordo com vocês dois. Sobre ateus não deverem fazer igrejas e sobre o vazio das construções e até mesmo sobre sua inulidade. Se salvo algo, são alguns conceitos. O que, provavelmente, não é bastante para me livrar de ser apedrejada pelos arquitetos que o defendem.
    Em tempo, na França, morei na Casa do Brasil, coisa criada pelo mestre de Niemeyer, Le Corbusier. Nossos amigos arquitetos achavam o máximo viver em uma experiência estética. Sempre achei uma garagem. Pior, pelas fotos que vi da reforma, o dito arquiteto não a projetou para o conforto de pessoas, mas de robôs. Ou isso, ou seu desprezo pelos corpos dos estudantes era notável.

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  6. BRASÍLIA
    by Ramiro Conceição


    A curva de concreto - é fria.
    Aprisionada a luz não irradia.
    Floresceu a forma, não a alma.

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  7. Não li o livro inteiro do Berman; quando foi lançado, décadas atrás, eu estava num período neandertal e, fora a inspiração marxista, as análises literárias me pareceram, conforme me lembro, algo obscuras. O mundo e as pessoas são assim, e não se vence nem a efemeridade da vida nem a solidão com simpatia, principalmente a do século XXI, que é virtual. Contar coma solidariedade no caso de seu filho, talvez, para Berman, seria fácil demais, óbvio demais, emocionalmente dependente demais. Na época, novamente talvez, Berman embrenhava-se em rendas várias para construir uma teoria sobre a questão, sem desconsiderar a dor que não conseguia exprimir nem com gritos nem com choros, só com seu jeito atônito, absorto, como a ouvir ao longe um lento solo de guitarra de Hendrix.

    Não se conta o que foi feito da esposa dela, que sobreviveu. Ele permaneceu ao lado dela? Internou-a em um manicômio? Casou novamente? Raspou barba e cabelo e hoje é um dos seguidores do Dalai Lama?

    História humanas são terríveis, mas em qualquer uma a gente pode vislumbrar a nesguinha de humor que nos permite encarar um dia após o outro; senão com otimismo, pelo menos com a resignação ativa de que, no final das contas, tem que trabalhar para comer. As obrigações nos carregam na maior parte de nossa vida, como na história do Edifício master, de uma senhora que só não se matou porque se lembrou que tinha uma fatura para pagar da C&A, e se achava responsável pela dívida a ponto de postergar o suicídio que, não perpetrado, foi posto de lado indefinidamente. Logo, enquanto houver dívida, há esperança.

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  8. O livro de Berman é muito bom. Tem prosa elegante, amplamente pesquisado e, ao contrário do que deu a parecer no artigo do Schwarzc, felizmente não tem uma linha militante. Talvez a sua única inconveniência _ que, também, é uma das sua qualidades_ seja a devoção de Berman em abarcar uma extensa gama de assuntos relacionados ao tema (a estética modernista e sua inerente obsolescência); assim, as partes em que dedica à análise dos bulevares de Paris, e ao urbanismo de Nova York e da União Soviética, são extenuantes, mas, com a devida dedicação: proveitosos (ou vc vai me dizer que nunca recorreu a esses assuntos para enterter garotas em boate?).

    E, o filé da coisa toda, é a maravilhosa análise que Berman faz de Notas do Subsolo.

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  9. ela disse
    do not enter
    mas ele queria muito entretê-la
    adentrou mesmo assim
    e se entretiveram

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