Certo fetiche pela contradição entre as ações e opiniões do homem que está por detrás do escritor, e a obra escrita do escritor, parece fazer parte das zonas de interesse que o leitor médio nutre em relação à literatura. O leitor médio, que abrange desde o ocasional seduzido pelas listas dos mais vendidos das revistas semanais, até o professor de universidade altamente titularizado, percebe com uma passionalidade cristalina o fino limite existente entre literatura e as colunas de fofoca. E esse último tipo de leitor médio, que ingressa nas universidades e vai obtendo todo mérito mensurável que os diplomas de letras douradas conseguem legitimar, é o que mais serve a abranger o fetiche pelo lado das fotos em que tal escritor, às vezes barbado, às vezes de terno social sóbrio ou casaco descolado por sobre camisa de gola aberta, aparece, ao lado de ministros de estado, ditadores, papas, presidentes, altos dignatários do partido, sempre com sorriso do mais concentrado alheiamento quanto ao que os holofotes e os grandes jantares requintados podem trazer de disparidade à raiva, à revolta, e à condenação intelectual a essas situações que fizeram artisticamente interessantes seus romances, ensaios e contos. É como se o homem por detrás do escritor detivesse, com a prática social obtida pela fama, uma percepção mais realista e adulta do que a verdade política tem a oferecer, que o escritor, afundado em sua solidão onírica e juvenil, não consegue visualizar. E é esse escritor que costuma obter o aval da perpetuidade junto à cátedra universitária estabelecida, pois o leitor médio que se elevou às alturas do doutorado se delicia na mesma medida com a propensão que tem o homem das letras ao glamor emprestado dos jogadores de futebol e dos cantores de música pop.
Tudo o que foi dito no parágrafo acima adquire uma qualidade sui generis quando se trata da América Latina e, especificamente, do Brasil. Por aqui, o leitor médio universitário, que passaremos a chamar de agora em diante como especialista acadêmico, tem a imensa incapacidade de separar a literatura da política. De forma que mesmo a literatura política, para o especialista acadêmico, tem necessariamente que vir carimbada com o selo de garantia da ortodoxia de esquerda. E, como a esquerda latino-americana é mais uma região temporal estática do que um conjunto de posicionamentos ideológicos quanto à política e ao Capital, o escritor de valor para o especialista acadêmico é aquele que defende acirradamente a canção ouvida com o coração enfebrecido no conteiner do passado em que, facilmente, se distinguia os bons dos maus, os opressores dos oprimidos. Quando se fala romancista de esquerda latino-americano, o especialista acadêmico, que viveu naqueles anos dourados, ou é filho ou neto do portador da experiência, já vê o ícone da sagração à sua frente, uma espécie de velho soldado que retornou glorioso de uma batalha de resgate da alma patriótica e merece a aposentadoria digna da genialidade incontestável. Por isso é compreensível que nada haja de pior e mais desprezível para o especialista acadêmico do que um desses escritores resolver trair o eclesiastismo do passado, a causa e os jargões do discurso de esquerda intensamente solidificados. O escritor ou intelectual ou artista ou ativista político que, por uma ou outra razão, se diz emancipado dos baluaques da tradição esquerdista, é taxado sem piedade e sem nenhum nuance como adepto da ultra-direita, neoliberal reaganiano, cachorro do imperialismo norte-americano, inimigo dos pobres, promotor de todas as mazelas multitudinárias do subdesenvolvimento latino-americano, das crianças famélicas das favelas, às prostitutas das periferias.
O exemplo do escritor esquerdista respeitado é Gabriel Garcia Márquez, que Roberto Bolaño bem definiu a um entrevistador o que o colombiano lhe representava: alguém que gosta muito de ser visto ao lado de ditadores e padres. O exemplo do escritor que deve ser desprezado e relegado mais cedo ao esquecimento, é Mario Vargas Llosa, que, já que citamos Bolaño, era seu escritor hispano-americano preferido. Mas esqueçamos Bolaño. García Márquez há 28 anos que não escreve nada de interessante, porém, sempre que é citado pelas revistas e intelectuais de esquerda, sublinha-se as qualidades geniais da última obra em questão que esse senhor hoje octogenário manda ao prelo. Assim, quando a tradução de sua novela de menor calibre, Memórias de Minhas Putas Tristes, foi lançada por aqui, a Carta Capital, sob a pena de Miguel Sanches Neto, disse com todas as letras que esse livro, que não se sustenta nem mesmo entre a produção mediana do escritor, era "obra prima da literatura universal". Já Llosa, ao ganhar o Nobel do ano passado, recebeu uma série tão pesada de críticas depreciativas, não por uma publicação recente ou algum volume específico, mas por toda a sua obra e, acrescenta-se, por sua figura humana. Aliás, em alguns blogs, a própria humanidade do peruano foi colocada em dúvida. Os mais cordiais comentários sobre o autor de Conversa na Catedral lamentam que alguém que escreve tão bem seja um "monstro moral", que seja o "Céline das letras latino-americanas". Ernani Ssó, num texto re-publicado neste blog, relata o quanto foi penalizado pelos amigos ao ser flagrado relendo Llosa, "o que você está fazendo lendo esse lixo!", uma repreensão tão carregada de carimbo de mácula como se lhe pegassem com um álbum de fotos de pedofilia.
E isso porque Llosa, já no final da década de 1960, renegou a versão marxista-leninista-maoista praticada em diversos países da América Latina. Isso porque Llosa encabeçou uma famosa Carta a Fidel Castro, co-assinada por dezenas de intelectuais (entre eles Juan Rulfo, Jean-Paul Sartre [!!], Alberto Moravia, Jorge Semprum e Italo Calvino), que repudiava as confissões de culpa forjadas por Fidel, e assinadas sob o cano da baioneta por dissidentes do regime cubano, carta que foi o estopim para que Llosa deixasse peremptoriamente os sonhos da esquerda congelada nos cantos de glória temporal, e se tornasse um crítico incansável do quanto esses regimes ditos democráticos e derrubadores de tiranos repaginam as situações de extermínio, censura ideológica, estagnação social e atraso econômico cruentos, que eles pregam terem derrubado dos governos de direita do passado. Esse Llosa que resolveu, durante um longo período de crise ideológica, olhar a fundo e sem eufemismos a classe insurgente de patriarcas populistas dos regimes de esquerda conquistados pelas arma, nos vários países da América Central e do Sul, e ampliar essa visão no embasamento teórico de críticos do marxismo como Jean-François Revel, Isaiah Berlin e Raymond Aron. Esse é, enfim, o escritor maldito da esquerda latino-americana, o pensador taxado com a marca denigritória na testa, o anti-herói da mentalidade formada pelas camisetas do Che e pelos bonés de estrela vermelha, o boneco malhado nas salas de aula dos cursos de letras, onde os líderes do gosto e da assimilação da verdade impõem do alto da cátedra que deva ser diminuído, desprezado, combatido como uma piada de péssimo gosto e fraqueza moral.
E ninguém dessa esquerda se dispõe a ler o compêndio da reviravolta ideológica de Llosa, publicado no Brasil pela editora Objetiva, intitulado Sabres e Utopias, para colocar à prova a real perniciosidade do morto. O volume, uma compilação de ensaios políticos e literários do peruano, selecionados por Carlos Granés, traz, em didática ordem cronológica, o posicionamento de Llosa, desde de um otimismo cauteloso _ nunca exultante_ quando da célebre noite em que Fidel Castro o recebe em seu palacete em Havana, pouco depois da revolução cubana, junto a uma turma de jornalistas e escritores, para anunciar que nenhum jornal seria fechado ou censurado em Cuba, até a sua virada para o liberalismo em que se alavanca a acusador das ditaduras repressivas de Cuba, Haiti, Peru e Venezuela. Ler Sabres e Utopias é se submeter ao risco de ter que abrir mão do rótulo que anula o problema, e se prestar a entender a história da América Latina por um ângulo em que não se antepõe o filtro ótico da utopia política da esquerda, se vulnerabilizando a descobrir que o Llosa demonizado é, talvez, o pensador mais equilibrado e lúcido da América Latina, o único que se ombreia às formas de reflexão desatreladas dos moldes ideológicos impostos pela correção acadêmica e vínculo partidário, com outros intelectuais que "dizem a verdade" ao poder (na frase cunhada por Edward Said), em qualquer extremo do prisma político, como Coetzee, Naipaul, Ohram Pamuk (que lhe escreveu um belo ensaio em Outras Cores), Chomsky. Como bem diz Carlos Granés, no prefácio do livro, a sucessão de declarações de Llosa revela o quanto seu interesse é "a luta instintiva pela liberdade", e nenhuma palavra cabe tão bem aqui que "instintiva", pois Llosa mostra nessas 400 páginas o quanto foi guiado por uma observação decantada de veneração dos homens que estavam ou estão à frente das nações latino-americanas.
Cada um desses ensaios tem uma riqueza própria, uma pedra de toque que reafirma o talento de prosador e analista humano de Llosa. No ensaio que abre o volume, O País das Mil Faces, publicado em 1983, Llosa traça um panorama sentimental do Peru, desde Arequipa, sua cidade natal _ confrontando os alicerces mentais do litoral com o centro/periferia_ até Cuzco, dizendo o quanto essa capital do império inca lhe parecia horrivel, e o quanto "já tenha odiado o Peru, esse ódio, como no verso de César Vallejo, foi sempre impregnado de ternura". Llosa utiliza sua memorialística subjetiva da infância para tornar esse ódio terno uma oposição sensível à mazelas morais e políticas do país, indo contra a tradição do subdesenvolvimento de as investir de um caráter sagrado e patriótico. Nega-se a adotar o vínculo espiritual à terra, e assim se anular intelectualmente, e a condena em tudo aquilo que o eco do enquadramento da dominação ideológica afirma ser o dever do amor à bandeira e à co-sanguinidade nacional. Consegue um nível de acidez quase tão apurada nesse ódio quanto Thomas Bernhard em relação à Àustria, e Roberto Bolaño em relação à toda América Latina.
Em um ensaio sobre Omar Torrijos, reconhece o empenho sério desse general carismático em converter o prêmio do canal em benefício da diminuição da desigualdade social do Panamá, nessa que é a última entrevista dada por Torrijos antes que a sua determinada oposição à dominação norte-americana o levasse à morte. Não era seu tipo de político, Llosa diz, mas o apartidarismo de Torrijos, sua facilidade despreconceituosa de fazer amigos, o permitia angariar o melhor a seu projeto tanto de "Fidel Castro, o Xá, Carlos Andrés Pérez, Jimmy Carter, os sandinistas e Nelson Rockfeller (que o presenteou com dois helicópteros no dia em que o conheceu)".
Mas a parte mais esclarecedora de Sabres e Utopias, se compõe dos nove ensaios do capítulo 4, intitulado Em Defesa da Democracia e do Liberalismo. Só o ensaio Confissões de um Liberal, já serviria a propôr um diálogo construtivo com quem se opõe às ideias de Llosa. Só esse ensaio já vale o preço do livro _ e olha que a carga de atenção política na verdade esconde os textos deliciosos sobre literatura que o organizador reserva para o capítulo final_, mostrando o quanto a maior parte dos especialistas acadêmicos está despreparada para um eventual debate sério com o autor. Aqui, Llosa expõe com todas as palavras que liberal é um conceito impossível de ser entendido independentemente das tensões geográficas e históricas de cada ponto do conflito político.
"Aqui, nos Estados Unidos", ele escreve, "e em geral no mundo anglo-saxão, a palavra liberal tem conotações de esquerda e se identifica, às vezes, com socialista e radical. Em compensação, na América Latina e na Espanha, onde a palavra liberal nasceu, no século XIX, para designar os rebeldes que lutavam contra as tropas de ocupação napoleônicas, chamam-me de liberal _ ou, o que é mais grave, de neoliberal_ para me demonizar ou para me desqualificar, pois a perversão política de nossa semântica transformou o significado original do vocábulo _ amante da liberdade, pessoa que se levanta contra a opressão_, substituindo-o por conservador e reacionário, ou seja, algo que, na boca de um progressista, significa cúmplice de toda a exploração e das injustiças de que são vítimas os pobres do mundo."
Nas próximas páginas desse ensaio, Llosa desconstrói os aguilhões conceituais que matam a discussão sobre o liberalismo, mostrando-o não só como a opção mais válida para os problemas da democracia de faxada da América Latina, em que restringe a possibilidade da demência dos governos ditatorias, como mostrando também que os países por aqui que estão tendo um verdadeiro progresso político e econômico são os que se desvincularam da praxe dos dogmas da esquerda e abraçaram uma posição francamente reformista e alinhada à política mundial (o que se entende imediatamente como globalização). E o duro é que, mesmo tendo-se várias reservas a se antepôr a Llosa, o que seria a promoção do debate, há pouquíssimos caminhos de argumentação contrária. "Embora a palavra liberal seja um termo negativo que todo latino-americano politicamente correto tem a obrigação de abominar, o fato é que, de algum tempo para cá, ideias e atitudes basicamente liberais começaram também a contaminar tanto à direita quanto à esquerda nesse continente das ilusões perdidas", ele escreve. Mais à frente, lemos: "Mas esses dois casos (Chaves e Castro) são exceções em um continente no qual, vale a pena destacar, nunca no passado houve tantos governos civis, surgidos de eleições mais ou menos livres, como agora. E há casos interessantes e alentadores, como o de Lula, no Brasil, que, antes de ser eleito presidente, apregoava uma doutrina populista, o nacionalismo econômico e a tradicional hostilidade da esquerda em relação ao mercado, e agora é um aplicador da disciplina fiscal, promotor de investimentos externos, da empresa privada e da globalização". Alguma dessas palavras não se encaixa no retrato da verdade?
Pode-se não concordar com diversas partes do discurso de Llosa, como o autor deste post não concorda _ salientando que nenhum escritor almeja a concordância absoluta_, mas é uma ignorância extrema subjugá-lo por ordens que vem das sumidades ditas sofisticadamente cerebrais da opinião acadêmica especialista. É uma perda que só se volta contra a classe pensante não ouvir o que o Mario Vargas Llosa escreve, e não o que dizem que ele escreve, pois Llosa, apesar de não definir bem a importância da revolta social, envolvendo-a de certa ambiguidade desqualificadora, apesar de não mostrar os possíveis freios de uma democracia futuramente equilibrada na liberdade do liberalismo, ao avanço do império global (seja dos EUA ou de que país da hora fôr), é o intelectual desse continente mais coerente, sagaz, independente e corajoso, o mais abnegado politicamente, sem vínculos partidários ou de outros corpos de ofício. Ao contrário de Garcia Márquez, que se tornou peça de adorno de Fidel Castro (o mesmo Garcia Márquez que escreveu uma das radiografias mais certeiras da ditadura latino-americana, em O Outono do Patriarca), Llosa mantêm a solidão requerida para que o escritor crie, longe dos holofotes que tanto agrada aos especialistas acadêmicos. E foi uma das únicas vozes que antecipou o terror que seu oponente vitorioso, Alberto Fujimori, iria causar ao fechar o congresso e destruir o legislativo, impondo no Peru mais um passo repaginado do caminho lógico que adoça a boca da esquerda diante ditadores sacramentados. Na tradição de conivência e omissão que as letras desse continente possui, só isso já é muito mais que fez Pablo Neruda ao afirmar que não poderia criticar os assassinatos cometidos na União Soviética revelada, por ter amigos no sistema, e Garcia Márquez, ao fazer que não viu o paredón de execução de Fidel Castro aos poetas e escritores que o criticavam.
O exemplo do escritor esquerdista respeitado é Gabriel Garcia Márquez, que Roberto Bolaño bem definiu a um entrevistador o que o colombiano lhe representava: alguém que gosta muito de ser visto ao lado de ditadores e padres. O exemplo do escritor que deve ser desprezado e relegado mais cedo ao esquecimento, é Mario Vargas Llosa, que, já que citamos Bolaño, era seu escritor hispano-americano preferido. Mas esqueçamos Bolaño. García Márquez há 28 anos que não escreve nada de interessante, porém, sempre que é citado pelas revistas e intelectuais de esquerda, sublinha-se as qualidades geniais da última obra em questão que esse senhor hoje octogenário manda ao prelo. Assim, quando a tradução de sua novela de menor calibre, Memórias de Minhas Putas Tristes, foi lançada por aqui, a Carta Capital, sob a pena de Miguel Sanches Neto, disse com todas as letras que esse livro, que não se sustenta nem mesmo entre a produção mediana do escritor, era "obra prima da literatura universal". Já Llosa, ao ganhar o Nobel do ano passado, recebeu uma série tão pesada de críticas depreciativas, não por uma publicação recente ou algum volume específico, mas por toda a sua obra e, acrescenta-se, por sua figura humana. Aliás, em alguns blogs, a própria humanidade do peruano foi colocada em dúvida. Os mais cordiais comentários sobre o autor de Conversa na Catedral lamentam que alguém que escreve tão bem seja um "monstro moral", que seja o "Céline das letras latino-americanas". Ernani Ssó, num texto re-publicado neste blog, relata o quanto foi penalizado pelos amigos ao ser flagrado relendo Llosa, "o que você está fazendo lendo esse lixo!", uma repreensão tão carregada de carimbo de mácula como se lhe pegassem com um álbum de fotos de pedofilia.
E isso porque Llosa, já no final da década de 1960, renegou a versão marxista-leninista-maoista praticada em diversos países da América Latina. Isso porque Llosa encabeçou uma famosa Carta a Fidel Castro, co-assinada por dezenas de intelectuais (entre eles Juan Rulfo, Jean-Paul Sartre [!!], Alberto Moravia, Jorge Semprum e Italo Calvino), que repudiava as confissões de culpa forjadas por Fidel, e assinadas sob o cano da baioneta por dissidentes do regime cubano, carta que foi o estopim para que Llosa deixasse peremptoriamente os sonhos da esquerda congelada nos cantos de glória temporal, e se tornasse um crítico incansável do quanto esses regimes ditos democráticos e derrubadores de tiranos repaginam as situações de extermínio, censura ideológica, estagnação social e atraso econômico cruentos, que eles pregam terem derrubado dos governos de direita do passado. Esse Llosa que resolveu, durante um longo período de crise ideológica, olhar a fundo e sem eufemismos a classe insurgente de patriarcas populistas dos regimes de esquerda conquistados pelas arma, nos vários países da América Central e do Sul, e ampliar essa visão no embasamento teórico de críticos do marxismo como Jean-François Revel, Isaiah Berlin e Raymond Aron. Esse é, enfim, o escritor maldito da esquerda latino-americana, o pensador taxado com a marca denigritória na testa, o anti-herói da mentalidade formada pelas camisetas do Che e pelos bonés de estrela vermelha, o boneco malhado nas salas de aula dos cursos de letras, onde os líderes do gosto e da assimilação da verdade impõem do alto da cátedra que deva ser diminuído, desprezado, combatido como uma piada de péssimo gosto e fraqueza moral.
E ninguém dessa esquerda se dispõe a ler o compêndio da reviravolta ideológica de Llosa, publicado no Brasil pela editora Objetiva, intitulado Sabres e Utopias, para colocar à prova a real perniciosidade do morto. O volume, uma compilação de ensaios políticos e literários do peruano, selecionados por Carlos Granés, traz, em didática ordem cronológica, o posicionamento de Llosa, desde de um otimismo cauteloso _ nunca exultante_ quando da célebre noite em que Fidel Castro o recebe em seu palacete em Havana, pouco depois da revolução cubana, junto a uma turma de jornalistas e escritores, para anunciar que nenhum jornal seria fechado ou censurado em Cuba, até a sua virada para o liberalismo em que se alavanca a acusador das ditaduras repressivas de Cuba, Haiti, Peru e Venezuela. Ler Sabres e Utopias é se submeter ao risco de ter que abrir mão do rótulo que anula o problema, e se prestar a entender a história da América Latina por um ângulo em que não se antepõe o filtro ótico da utopia política da esquerda, se vulnerabilizando a descobrir que o Llosa demonizado é, talvez, o pensador mais equilibrado e lúcido da América Latina, o único que se ombreia às formas de reflexão desatreladas dos moldes ideológicos impostos pela correção acadêmica e vínculo partidário, com outros intelectuais que "dizem a verdade" ao poder (na frase cunhada por Edward Said), em qualquer extremo do prisma político, como Coetzee, Naipaul, Ohram Pamuk (que lhe escreveu um belo ensaio em Outras Cores), Chomsky. Como bem diz Carlos Granés, no prefácio do livro, a sucessão de declarações de Llosa revela o quanto seu interesse é "a luta instintiva pela liberdade", e nenhuma palavra cabe tão bem aqui que "instintiva", pois Llosa mostra nessas 400 páginas o quanto foi guiado por uma observação decantada de veneração dos homens que estavam ou estão à frente das nações latino-americanas.
Cada um desses ensaios tem uma riqueza própria, uma pedra de toque que reafirma o talento de prosador e analista humano de Llosa. No ensaio que abre o volume, O País das Mil Faces, publicado em 1983, Llosa traça um panorama sentimental do Peru, desde Arequipa, sua cidade natal _ confrontando os alicerces mentais do litoral com o centro/periferia_ até Cuzco, dizendo o quanto essa capital do império inca lhe parecia horrivel, e o quanto "já tenha odiado o Peru, esse ódio, como no verso de César Vallejo, foi sempre impregnado de ternura". Llosa utiliza sua memorialística subjetiva da infância para tornar esse ódio terno uma oposição sensível à mazelas morais e políticas do país, indo contra a tradição do subdesenvolvimento de as investir de um caráter sagrado e patriótico. Nega-se a adotar o vínculo espiritual à terra, e assim se anular intelectualmente, e a condena em tudo aquilo que o eco do enquadramento da dominação ideológica afirma ser o dever do amor à bandeira e à co-sanguinidade nacional. Consegue um nível de acidez quase tão apurada nesse ódio quanto Thomas Bernhard em relação à Àustria, e Roberto Bolaño em relação à toda América Latina.
Em um ensaio sobre Omar Torrijos, reconhece o empenho sério desse general carismático em converter o prêmio do canal em benefício da diminuição da desigualdade social do Panamá, nessa que é a última entrevista dada por Torrijos antes que a sua determinada oposição à dominação norte-americana o levasse à morte. Não era seu tipo de político, Llosa diz, mas o apartidarismo de Torrijos, sua facilidade despreconceituosa de fazer amigos, o permitia angariar o melhor a seu projeto tanto de "Fidel Castro, o Xá, Carlos Andrés Pérez, Jimmy Carter, os sandinistas e Nelson Rockfeller (que o presenteou com dois helicópteros no dia em que o conheceu)".
Mas a parte mais esclarecedora de Sabres e Utopias, se compõe dos nove ensaios do capítulo 4, intitulado Em Defesa da Democracia e do Liberalismo. Só o ensaio Confissões de um Liberal, já serviria a propôr um diálogo construtivo com quem se opõe às ideias de Llosa. Só esse ensaio já vale o preço do livro _ e olha que a carga de atenção política na verdade esconde os textos deliciosos sobre literatura que o organizador reserva para o capítulo final_, mostrando o quanto a maior parte dos especialistas acadêmicos está despreparada para um eventual debate sério com o autor. Aqui, Llosa expõe com todas as palavras que liberal é um conceito impossível de ser entendido independentemente das tensões geográficas e históricas de cada ponto do conflito político.
"Aqui, nos Estados Unidos", ele escreve, "e em geral no mundo anglo-saxão, a palavra liberal tem conotações de esquerda e se identifica, às vezes, com socialista e radical. Em compensação, na América Latina e na Espanha, onde a palavra liberal nasceu, no século XIX, para designar os rebeldes que lutavam contra as tropas de ocupação napoleônicas, chamam-me de liberal _ ou, o que é mais grave, de neoliberal_ para me demonizar ou para me desqualificar, pois a perversão política de nossa semântica transformou o significado original do vocábulo _ amante da liberdade, pessoa que se levanta contra a opressão_, substituindo-o por conservador e reacionário, ou seja, algo que, na boca de um progressista, significa cúmplice de toda a exploração e das injustiças de que são vítimas os pobres do mundo."
Nas próximas páginas desse ensaio, Llosa desconstrói os aguilhões conceituais que matam a discussão sobre o liberalismo, mostrando-o não só como a opção mais válida para os problemas da democracia de faxada da América Latina, em que restringe a possibilidade da demência dos governos ditatorias, como mostrando também que os países por aqui que estão tendo um verdadeiro progresso político e econômico são os que se desvincularam da praxe dos dogmas da esquerda e abraçaram uma posição francamente reformista e alinhada à política mundial (o que se entende imediatamente como globalização). E o duro é que, mesmo tendo-se várias reservas a se antepôr a Llosa, o que seria a promoção do debate, há pouquíssimos caminhos de argumentação contrária. "Embora a palavra liberal seja um termo negativo que todo latino-americano politicamente correto tem a obrigação de abominar, o fato é que, de algum tempo para cá, ideias e atitudes basicamente liberais começaram também a contaminar tanto à direita quanto à esquerda nesse continente das ilusões perdidas", ele escreve. Mais à frente, lemos: "Mas esses dois casos (Chaves e Castro) são exceções em um continente no qual, vale a pena destacar, nunca no passado houve tantos governos civis, surgidos de eleições mais ou menos livres, como agora. E há casos interessantes e alentadores, como o de Lula, no Brasil, que, antes de ser eleito presidente, apregoava uma doutrina populista, o nacionalismo econômico e a tradicional hostilidade da esquerda em relação ao mercado, e agora é um aplicador da disciplina fiscal, promotor de investimentos externos, da empresa privada e da globalização". Alguma dessas palavras não se encaixa no retrato da verdade?
Pode-se não concordar com diversas partes do discurso de Llosa, como o autor deste post não concorda _ salientando que nenhum escritor almeja a concordância absoluta_, mas é uma ignorância extrema subjugá-lo por ordens que vem das sumidades ditas sofisticadamente cerebrais da opinião acadêmica especialista. É uma perda que só se volta contra a classe pensante não ouvir o que o Mario Vargas Llosa escreve, e não o que dizem que ele escreve, pois Llosa, apesar de não definir bem a importância da revolta social, envolvendo-a de certa ambiguidade desqualificadora, apesar de não mostrar os possíveis freios de uma democracia futuramente equilibrada na liberdade do liberalismo, ao avanço do império global (seja dos EUA ou de que país da hora fôr), é o intelectual desse continente mais coerente, sagaz, independente e corajoso, o mais abnegado politicamente, sem vínculos partidários ou de outros corpos de ofício. Ao contrário de Garcia Márquez, que se tornou peça de adorno de Fidel Castro (o mesmo Garcia Márquez que escreveu uma das radiografias mais certeiras da ditadura latino-americana, em O Outono do Patriarca), Llosa mantêm a solidão requerida para que o escritor crie, longe dos holofotes que tanto agrada aos especialistas acadêmicos. E foi uma das únicas vozes que antecipou o terror que seu oponente vitorioso, Alberto Fujimori, iria causar ao fechar o congresso e destruir o legislativo, impondo no Peru mais um passo repaginado do caminho lógico que adoça a boca da esquerda diante ditadores sacramentados. Na tradição de conivência e omissão que as letras desse continente possui, só isso já é muito mais que fez Pablo Neruda ao afirmar que não poderia criticar os assassinatos cometidos na União Soviética revelada, por ter amigos no sistema, e Garcia Márquez, ao fazer que não viu o paredón de execução de Fidel Castro aos poetas e escritores que o criticavam.
Ah... Challes, eu tinha escrito um enorme comentário, quase um texto... Perdi tudo.
ResponderExcluirResumindo: não tenho concordado com a maioria das coisas que Vargas Llosa escreve sobre política. Mas sua resenha me deu interesse em ler Saberes e Utopias. Quanto mais material para pensar e melhorar nossa limitada capacidade de olhar o mundo, melhor.
Quando mais diversos forem, melhor ainda.
Charlles, são ensaios como esse que me fazem perguntar por que é que você ainda não cobra acesso aos seus textos.
ResponderExcluirVolto depois para comentar o conteúdo.
Em primeiro lugar, Charlles, parabéns pela lucidez fecunda. É claro que tal constatação não quer dizer que concordaremos com tudo sobre esse nosso frágil mundo solitário diante do Mistério do Universo…
ResponderExcluirPelo contrário, discordaremos, e muito, até onde nos seja possível, durante a continuidade de nossas sadias vidas efêmeras. Nunca seremos iguais – mas diferentes semelhantes… Ainda bem que foi, é e será assim; afinal somos SERES-HUMANOS, esses compostos-substantivos-complexos que se transformam, paulatinamente, no AMOR… de amigos!
Vou ler, não li. Mas, da sua argumentação lúcida, amado Charlles, Mario Vargas Llosa, MVL, demonstra que é impossível separar o autor de sua obra ou, dizendo ao contrário, é impossível dissociar a obra de seu autor, pois autor e obra são entes vivos e indissociáveis (esse é o meu argumento, contrário ao seu, Charlles)! “Sabres e Utopias” nasceu da necessidade insuportável de MVL rever o que havia escrito. Daí o SEU MÉRITO.
Rever os enganos políticos, os amores superados, os silêncios que ROUBARAM os históricos gritos injustiçados pela medíocre covardia de um escritor; rever uma filosofia do mundo - ser ter medo de ser achincalhado pela mediocridade dos covardes estáticos.
MVL, pelo que você descreve, Charlles, demonstrou a coragem de se por em movimento em busca da verdade que, na realidade, não se sabe qual é. MVL teve a coragem de expor sua face ao chicotear do vento da História.
Esse é o seu mérito!
Se acertou menos ou errou mais – pouco importa! “Sabres e Utopias”, pelo que você analisou, Charlles, é a prova da GRANDE DÚVIDA QUE DEVE PERSISTIR NA VIDA&OBRA DE UM POLÍTICO SER-HUMANO CRIATIVO.
Certa feita, num dado contexto histórico, Jorge Amado escreveu:
“Mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu. Sim, eles caluniam, insultam e rangem os dentes. Mas até Stalin se eleva o amor de milhões, de dezenas e centenas de milhões de seres humanos. Não há muito ele completou 70 anos. Foi uma festa mundial, seu nome foi saudado na China e no Líbano, na Romênia e no Equador, em Nicarágua e na África do Sul. Para o rumo do leste se voltaram nesse dia de dezembro os olhos e as esperanças de centenas de milhões de homens. E os operários brasileiros escreveram sobre a montanha o seu nome luminoso.” (Jorge Amado, O Mundo da Paz, 1951).
Desconheço qualquer texto importante de Jorge Amado revendo tal posição. Não quero aqui discutir se o baiano foi ou não foi um grande escritor. Mas, creio, que houve um silêncio… onde não poderia existir. Mas não tenho dúvidas, Jorge Amado se omitiu. MVL, não!
Uma possível conseqüência histórica: a literatura de MVL será mais fecunda à transformação da America Latina. Ou seja:
O AUTOR É A OBRA QUE É SEU AUTOR.
errata:
ResponderExcluironde se lê "ser ter medo de ser", por favor, leia-se " sem ter medo de ser".
Também publicas erratas de juízo, karíssimo?
ResponderExcluirNão,
ResponderExcluirvivo erratas de juizo, caríssimo!
Charlles, são 08:10 da manhã; a vida é breve, o texto é longo.
ResponderExcluirO último bom livro de Vargas Llosa foi Tia Júlia e o Escrevinhador, divertido, mordaz, erótico e... de propósitos modestos, além de autobiográficos.
Li A Festa do Bode, por exemplo, livro em que ele tenta comprovar que a "culpa" do atraso político latino-americano é do próprio povo latino-americano. A tese é a do "pandemônio étnico". Nenhuma palavra de censura à política externa dos EUA; Llosa ignora a existência da Doutrina Monroe.
Li Os Cadernos de Don Rigoberto, praticamente um panfleto na defesa do arbítrio "liberalizante", hedonista, que aponta para um futuro de doce sedução da verdade erótica, bem sustentada ela pelo privilégio do capital. Edificante.
Se existe um complô de uma certa esquerda contra Llosa, existe um complô de Llosa e seus queridos direitopatas contra todo e qualquer gênero de esquerda, não somente a stalinista; conta, para isso, com 98% de controle da mídia; tem, contra ele, meia dúzia de acadêmicos, sectários ou não, e sectário, é claro, é todo aquele que considera as lições democráticas de Llosa estruturadas sobre nuvens.
Suas definições de liberalismo servem para turvar as águas. O que se entende como tal é a velha doutrina que vem desde Adam Smith e David Ricardo: Estado mínimo, somente para cumprir funções restritas de administração da Justiça e manutenção da Unidade Federativa (na prática, servir como esteio das classes dominantes); hierarquia nas relações sociais (na prática, um regime de castas contra toda e qualquer mobilidade social); centralidade no valor monetário.
Esta doutrina mantém, até hoje, bilhões na miséria e milhões na fome, regimes políticos despóticos pelo mundo afora e opera ambicionando total controle das mentalidades através de seus aparelhos da indústria cultural. Ele não dá certo, senão para alguns, minoria absoluta e absolutista.
Lllosa uma vez declarou ser a religião importante para os povos, pois eles teriam que ter que suportar a condição de miséria, face a ignorância impossível de vencer - seriam poucas as mentes esclarecidas capazes de suportar as verdades da ciência. A religião dele seria a religião da cultura. Enfim, um elitista com ilusões aristocráticas.
Llosa seguirá politicamente inconvincente, a defender mentiras sob um verniz elegante; literariamente está morto. Resta-nos recordar seus bons livros: o Conversa na Catedral, Tia Júlia, Pantaleão e as Visitadoras.
O perfeito idiota latino-americano é ele.
Rachel, estou concluindo Conversa na Catedral, e de cara lamentei não ter lido esse romance antes. É um dos três ou dois maiores romances hispano-americanos do século passado. Por isso, penso que só esse título já coloca Llosa no panteão, independente do seu posicionamento político. Encomendei mais três títulos dele, que deve chegar após o carnaval.
ResponderExcluirNão tenho como discordar mais de você. Além desse livro da resenha, já li os dois volumes de Contra Vento e Maré, Tia Júlia, e A Guerra do Fim do Mundo. Tia Júlia faz uma deliciosa apologia às novelas de rádio, coisa que parece estar no cerne do gosto literário caribenho, visto que GGM até já escreveu uma novela para rádio, na juventude. A Guerra do Fim do Mundo, que aliás Llosa prossegue num ensaio significativo no livro do post, julguei ser de bastante peso, um misto de romance-reportagem que ao mesmo tempo que concorda com sua fonte de Euclides da Cunha, dá sua contribuição em mostrar o quanto aquela rebelião monarquista foi fruto da ignorância e da subjugação de parte da ralé ao memorial atrasado e ridículo do poder imperial português. Vou relê-lo (é um dos 3 que encomendei, pois o li emprestado). Uma narrativa exemplar, de um escritor com todo domínio da escrita. Também acho que esse título, da vasta produção de Llosa, conta a favor de sua imortalidade literária.
A Festa do Bode, não li. Saiu uma dessas listas, não sei de qual jornal norte-americano, que o coloca em segundo lugar entre os maiores romances latino-americanos dos últimos 25 anos. Coisa de listas, que fingi-se desprezar mas que todo mundo adora.
Tem outras coisas que vc disse das quais também não concordo. P.ex.: qual escritor não é elitista e aristocrático? Todos os que eu mais amo, o são, independente de sua proeminência financeira. Machado o era, Saul Bellow, Garcia Márquez (O Amor nos Tempos do Cólera trata da classe alta caribenha, o que equivalente a um Louis Begley muito melhorado), Dostoiévsky, Tolstói, entre muitos outros. Eu também sou elitista, e não compactuo com apologias da simploriedade do espírito de um país que coloca Tiririca na secretaria da educação, Maluf como presidente da Comissão de Ética, e Sarney na tri-re-presidência do Senado. Se falamos desse ESTADO a ser salvo do neo-liberalismo, eu não dou um centavo para ajudá-lo a sair do atoleiro, mesmo porque o ESTADO, há muito já não existe. É um buraco preenchido por ganância, minorias privilegiadas, utopias silenciadoras, que aguarda por um novo nome.
Outra coisa: vc, que me recomendou a leitura de Chomsky, esquece de uma das partes principais levantadas por esse grande pensador em Lucro ou as Pessoas. Ele diz que os pais do liberalismo, como Adam Smith e James Madison, eram completamente contra as iniciativas degradantes adotadas mundialmente pelos donos do poder, hoje. Eles chegaram a alertar, taxativamente, que uma disparidade de rendas e a indiferença quanto à melhora das condições dos pobres, seria o fim da sociedade. Vá lá e releia a incrível defesa que Chomsky faz a esses dois personagens dacronizados pela esquerda que só lê resumos. Esse esquerda entende tão bem de Marx quanto de Smith e Madison, e para isso te cito três ensaios fundamentais do Hobsbawn em "Sob a História", em que ele condena os que propalam a mensagem de Marx sem nunca o ter lido.
Não tenho como procurar esses excertos de Chomsky, pois estou digitando do escritório. Mas ele chega a citar as palavras desses dois homens, condenando a usura bancária, os lucros desmedidos, de tal forma que se fizesse uma brincadeira de adivinha, diriam que eram palavras de Friedriech Engels.
ResponderExcluirSobre os acadêmicos partidários de Llosa, o controle da mídia, os direitopatas, não vejo onde isso se encaixa, já que esse reflexo se produz com a mesma força no campo contrário. Um escritor, tirando as farças matematicamente inoculadas, torna-se relevante através da qualidade descoberta de sua escrita, de forma que GGM já teve não só um artigo inteiro (sobre Fidel!!!!), publicado na Veja, além do que, a veja lançou numa edição especial o General em Seu Labirinto, na íntegra. E todos sabemos os graus de disparidade ideológica entre a Veja e GGM. Isso é controle da mídia? Sim, para Llosa; não, para GGM, que apareceu na revista mais sectária do hemisfério sul por uma lance da sorte?
Eu não vi NENHUM acadêmico brasileiro partidário de Llosa. Só vi muita xingação, muito ódio contra o cara. Não sei se ele é o tal idiota latino-americano, e me canso diante uma expressão tão esteriotipada e vencida, tão escamotiada da mesma revista Veja para áreas de um sarcasmo que não funciona.
Há alguns anos assisti a uma palestra de um monge da Cidade de Goiás. Um monge com diversos livros publicados, que já escreveu e escreve para vários jornais, a Caros Amigos e o diabo. Eu o admirava. Defendeu ferrenhamente o direito dos bonecos de orixás estarem no lago Vaca Brava, em Goiânia, contra a turba de manifestantes cristãos. Sentado junto a uma multidão, pus-me a escutá-lo. Mas parecia outro cara ali, no lugar do centrado e reacionário escritor. Disse a tremenda estultíce de que Cuba estava à frente do Brasil para o caminho do céu, de que Fidel era um homem abençoado, e de que, um dia, em breve, o Brasil alcançaria o avatar de Cuba. Quando menos percebi, eu já havia me levantado, diante mil pessoas silenciosas e coniventes, e contestei o que ele dizia. Era o ano do Pan, em que o boxeador cubano e diversos outros atletas se extraviaram para outros países, fugindo do regime através do terreno brasileiro. Eu me vi perguntando _ eu, que abomino falar em público_ como um homem tão celestial, havia acabado de matar um poeta e três escritores, executando-os no paredón. Perguntei-lhe, porque numa sociedade tão edênica e igualitária quanto Cuba, a proporção de prostitutas era maior que a do Brasil. Ele me perguntou de qual fonte obtivera essa última informação, o que citei uma entrevista de Pedro Juan Guiérrez. E, diante minha pergunta sobre os três homens executados no paredón (havia dito assim mesmo, sem revelar que os três eram escritores), sabe o que esse nobre representante da Igreja Católica teve a coragem de me perguntar? Lá vai, em caixa alta, que foi como soou aos meus ouvidos:
MAS QUE TIPO DE PESSOAS SÃO ESSAS?
Que tipo de pessoas são essas? Há um tipo apropriado que possa ser executado? Nisso, diversas pessoas que passavam por mim, os responsáveis pela organização do evento, me assopravam: Pergunta sobre os atletas que fugiram dessa Cuba maravilhoas; pergunte por que tem-se tantas tentativas de cubanos fugindo para Miami; pergunta por que não há saneamento básico devido em Cuba; pergunta por que a população passa fome, e Fidel encomenda Pata Negra da Espanha...
Minha leitura e a sua, nesse ponto específico, é bem diferente.
Outra coisa, que havia me esquecido de colocar no texto do post: o especialista acadêmico (seria redundância dizer "de esquerda") é tão limitado e mal leitor, que condena Llosa_ por ser mais fácil devido o seu caráter institucional mais próximo, devido a língua e a geografia dos escritores do boom_, e desconhece por completo um outro escritor caribenho, também ganhador do Nobel, o V.S.Naipaul. Escrevi, a quatro anos, uma monografia sobre Naipaul, confrontando-o com GGM, tendo como base o subdesenvolvimento latino-americano. Naipaul é uma prova de que nossos intelectuais não leem
ResponderExcluir(http://caminhandoporfora.blogspot.com/2011/02/pesquisa-que-eu-fraudei.html)
Llosa, perto de Naipaul, vira um coelhinho fofo e inofensivo. Para Naipaul, nós, colonizados, seremos sempre atrasados, subjugados, analfabetos, supersticiosos. Nossas revoluções são fruto de esquizofrenismo social encorporado frequentemente por marginais e loucos refugiados os quais os transformamos em líderes. Llosa ainda oferece a opção de aproximação às correntes contemporâneas mundiais, Naipaul nega qualquer redenção. E Naipual, vá perguntar para a maior parte dos ergômetros intelectuais que criticam Llosa se sequer ouviu falar desse caribenho.
E Bolaño? Será que ninguém nunca leu Bolaño?
Puta-que-pariu!
ResponderExcluir(Clap-clap-clap)
Pelamordedeus, transforma essa trança entre você e a Rachel num post per se.
Ando atolado aqui com correções de provas de alunos.
Mas se possível, adiciono hoje o meu parco (muito intimidado agora) two cents ao debate.
Sem querer menosprezar as cabras e os cabritinhos, mas que diabos você está fazendo enfurnado num escritório de veterinária no interior de Goiás???
Ei, o que eu estou fazendo em cima do comentário do Luiz?
ResponderExcluir(Tô só olhando. Conheço nada ou quase nada do que vocês estão discutindo)
Luiz, estava em trânsito, trazendo a família de volta para casa. Carnaval é foda, estradas lotadas.
ResponderExcluirRi do seu comentário. As cabras e cabritos precisam menos de mim do que eu deles. Minha preciosidade é o tempo livre. Se estiver disposto a dar seus two cents, vai ser muito bom. (Depois precisamos conversar sobre aqueles autores que vc citou no Idelber, os quais desconheço.)
Ramiro, meu caro, nós somos opostos cordiais. "Oposição é verdadeira amizade", (Blake).
Caminhante, seu post se encaixa lá onde o citei.
Farinatti, o cara é fera! Que bom que temos o garcia marquez e o llosa.
“…se possível, adiciono hoje o meu parco (muito intimidado agora) two cents ao debate.”
ResponderExcluirLuiz, não sei se foi uma indireta, direta, a mim. Mas de qualquer maneira esclarecendo: não tenho nada contra o “two cents”. O que me incomoda, e agora compreendo que não é o seu caso (você esclareceu que, por viver no exterior, expressões estrangeiras fluem, se misturam, naturalmente, em seu texto em português), é um certo pedantismo de muitos intelectuais brasileiros que utilizam estrangeirismos em suas argumentações como se tal recurso de estilo fosse algum tipo de passaporte ao conhecimento apresentado.
Luiz, vou lhe dar um exemplo de admiração que tenho pelos franceses. Tenho um irmão, que durante décadas foi um alto executivo de uma multinacional originariamente francesa que, depois, se tornou holandesa e, por fim, americana. Pois bem, quando as reuniões eram na Holanda ou na América o idioma oficial era o inglês; porém, na França: ai de quem se atrevesse a falar em inglês (a não ser, é claro, em caso de estrema necessidade)! E todos, ali, eram fluentes, até no português!, mas na França quem mandava era o francês. Tenho admiração profunda por tal postura, pois revela o respeito a tudo que já se pensou e, principalmente, se escreveu em francês. Isso não tem nada a ver com qualquer tipo de nacionalismo tacanho, mas com o respeito à língua mãe.
Isso evita, por exemplo, a abominação cultural que se observa em condomínios, principalmente, de classe média, no Brasil, onde crianças inocentes, no dia 31 de outubro, fantasiadas de idiotas, passam o dia inteiro, enchendo o saco, a tocar a campainha pendido doces.
Morei num condomínio, em São Paulo, durante quatro anos. Durante 3 anos, perdi a conta das vezes que atendi a porta e a fechei na cara dos pirralhos fantasiados. Devo ter ficado famoso no condomínio por ser mal-educado. Mas danam-se todos aqueles pais consumidores de “algo” da chula estirpe de Xuxa.
No último 31, de minha estadia naquele curral, deu-se em paz…
Luiz, creio que seja desnecessário relatar as brotoejas que afloram em meus neurônios quando estou diante de um grupo de “sertanejos” a escutar “aquilo”, aquele gemido diarréico que tornou a MPB refém da ditadura do jabá…
E por falar em ditadura, Luiz, se a ‘ditabranda’ um dia voltar ao Brasil, já deixo o aviso aos torturadores de plantão: nada de pau-de-arara - bastam me colar no meio da arena do ‘Rodeio de Barretos’:
CONFESSO QUE COMI ATÉ O CU DE DEUS!
errata:
ResponderExcluironde se lê 'bastam" é óbvio que é 'basta'.
Luiz, para demonstrar-lhe que o escrito acima me é caro, deixo aqui dois poemas...
ResponderExcluirBRASILEIRO
by Ramiro Conceição
Todo francês é veado.
Todo italiano é chifrudo.
Burro?
É todo português.
Todo espanhol é sisudo.
Todo inglês é calhorda.
Bosta?
É todo americano.
Todo chinês é shaolin.
Todo japonês, pintim.
Todo argentino,
da puta.
Mas, nesta disputa,
com tanta gente no mundo,
com o que fica o brasileiro?
Com tudo!
MODA
by Ramiro Conceição
TODAMODAÉBOSTA
BOSTATODAMODAÉ
ÉMODATODABOSTA
MODATODABOSTAÉ
TODABOSTAÉMODA
TODAMODABOSTAÉ
ÉMODABOSTATODA
TODABOSTAMODAÉ
ÉTODABOSTAMODA
BOSTAMODATODAÉ
ÉBOSTATODAMODA
MODABOSTATODAÉ
PS: o poema “BRASILEIRO” chegou a muitos sites da santa terrinha… Luiz, o que recebi, por e-mail, de esculhambação de putíssimos portugueses ofendidos, nem conto… Tive que me explicar, me retratar, muitas e muitas vezes, que, no Brasil, há piadas sobre portugueses… E que sou filho de português e que amo Fernando Pessoa.
A Rachel declara de modo peremptório:
ResponderExcluir“Llosa uma vez declarou ser a religião importante para os povos, pois eles teriam que ter que suportar a condição de miséria, face a ignorância impossível de vencer - seriam poucas as mentes esclarecidas capazes de suportar as verdades da ciência. A religião dele seria a religião da cultura. Enfim, um elitista com ilusões aristocráticas.”
“Llosa seguirá politicamente inconvincente, a defender mentiras sob um verniz elegante; literariamente está morto. Resta-nos recordar seus bons livros: o Conversa na Catedral, Tia Júlia, Pantaleão e as Visitadoras.”
“O perfeito idiota latino-americano é ele.”
Bem, claramente não possuo a sua erudição, Rachel. Mas não compreendi “A religião dele seria a religião da cultura. Enfim, um elitista com ilusões aristocráticas.”
Mas, querida Rachel, quais são as verdades, ou as verdadeiras luzes da ciência, que tais ignorantes tem de engolir diante da sua escuridão nesse mundo?
Se a religião de Llosa é a cultura, então sou adepto de tal religião (se entendi o que você quis dizer, Rachel…). Se ao invés de entregar cegamente o dízimo do seu efetivo trabalho a hipócritas imorais, os SERES-HUMANOS começassem a compreender a maiêutica de Sócrates, a dialética e o mito da reminiscência de Platão, a lógica de Aristóteles, o método de Descartes etc… Será que num dado ponto, no espaço-tempo, de tal cultura - desses novos seres desconhecidos, dessa humanidade ainda não nascida – não se chegaria ao Mistério, que poderia ser chamado de Deus?
Será que nessa nova religião, nessa nova cultura, o Amor não floresceria entres todos os SERES-HUMANOS?
Será que nesse indescritível tempo, não apareceria o fundamento filosófico que tentaria esclarecer as conseqüências éticas indesejáveis, já demonstradas pela falência histórica do comunismo real que demonstrou que o historicismo, isto é, que o fluxo da história por si não doa uma consciência sadia, lúcida aos seres, ditos, revolucionários, ou seja, que foi capaz de dar poder a um ser medíocre como Stalin que, sem qualquer dúvida histórica, nunca passou de um larápio ladrão de galinhas?
Será que nessa nova religião da cultura a poesia, a música, a pintura, a dança, a escultura não estariam no mesmo nível de importância de qualquer engenharia?
Não conheço Llosa profundamente, porém conheço Neruda… Será que o prêmio Nobel (com exceção, talvez, ao da Paz, que possui caráter político…) é dado agora a incompetentes.
Será que chegamos a tal paroxismo, Rachel?
Ramiro, isso é chato pois, parece-me, começamos a nos concordar.
ResponderExcluirOntem mesmo comentei de brincadeira com um amigo: se o inferno for isso aqui, vou ter que passar a rezar com mais ardor. O som do trio elétrico fazia as paredes tremerem, até as 4 da manhã. (De forma que não dormi esta noite, nem a anterior.)Passar uma eternidade de danação ouvindo as degradantes "músicas" da moda, os "tô doida pra dá" e outras abominações do tipo, ISSO seria o inferno. Meninas de 3,4,5 anos, imitando as danças sensuais da mídia. Adolescentes sem camisa arvorando a valentia dos traficantes de drogas, que são seus sacerdotes doutrinadores dos horários das notícias. Virei para o amigo e disse: nós não merecemos um deus; imagine um ser superior diuturnamente preocupado com a redenção dessas mulheres e homens que muito pouco ou quase nada produzem um segundo de pensamento concreto e substancial, que não vivem por si mesmos, mas totalmente como modelos de uma indústria imposta; que não procuram independência e o esclarecimento?
Uma das minhas bíblias é "A Dialética do Esclarecimento". Se existe um deus, nós teremos que chegar a ele, não o contrário.
Ótimo o "Brasileiro"!
Com algum atraso, mas vai.
ResponderExcluirCharlles, o grande mérito do seu texto, e também o ponto de encruzilhada onde mais nos encontramos, é o de que a América Latina necessita de intelectuais capazes de falar ao poder sem que se esteja emaranhado nos puppet strings do mesmo.
A gente concorda também, penso, que no nosso contexto mais próximo isso significa ter condição de falar ao poder beyond and above à sedução do discurso de esquerda de ranço Stalinista-Maoista (coloque uma pitada de ecos ao movimento estudantil de 68 que a receita está pronta).
Seu texto testa a reabilitação de Llosa e de lambuja parece propor que ele é homem ideal para o acima exposto.
Confesso que nunca me preocupei com o Llosa. Mas o seu texto, Charlles, me arrancou de um preguiçoso sábado e me atirou na neve de 20 cm atrás da única livraria que conheço na cidade especializada em literatura latino-americana em espanhol (não gasto do meu dinheiro comprando Bolaño em inglês, Bioy Casares em tradução, etc). Para o meu deleite havia uma seção inteira de Llosa. Entre suas várias novelas, todas em paperback (Humpf!), estava lá o Sables y Utopías: Visiones de América Latina!!!
Não consegui ainda avançar muito no livro. Venci apenas a introdução de apresentação do autor e da questão de sua via crucis entre os intelectuais e uns dois artigos do Llosa sobre Cuba. Vou achar algum tempo para ler os artigos que você recomendou em algum lugar do post.
Minha impressão provisória é a de que o Llosa is not the right man for the job.
Afinal, Charlles, por que é que nós temos de nos contentar com um paradigma do intelectual emancipado que apenas desafia o mito de Cuba? Por que há tanto mérito assim em desconstruir o mito Cubano? Não foi ele desconstruido há muito pelas milhares de balsas e embarcações clandestinas que ziguizagueiam o mar do Caribe em direção a Miami? Meu primeiro ponto seria esse. Se o grande mérito de Llosa como intelectual emancipado, desses que falam ao poder, é o de desconstruir Cuba, então acho que a gente está mirando muito abaixo do que a gente pode.
Seu texto me trouxe à mente dois artigos fundamentais à discussão em pauta. O Was Beantwortung der Frage: Was ist Aufklärung do Immanuel Kant e o Qu'est-ce que les Lumières? do Foucault.
O artigo de Kant, o qual saíra então num jornal (prenúncio do intelectual público?) é o afamado texto onde ele defende os princípios de liberdade, independência e emancipação intelectual frente à imaturidade reinante. Todos sabemos do deadly blow que esse programa sofreria nos próximos dois séculos.
Foucault ingeniously retoma o texto de Kant, aproximadamente dois séculos mais tarde, e, num movimento half-Kant-mock e half-serious, propõe que o projeto de Kant apenas fez-se de morto. Ainda é possível sonhar com o ideal de maturidade se e somente se maturidade-emancipação forem tomados na sua negatividade. Parafraseando Foucault, o ideal de emancipação de Kant se dá sempre que conseguimos cavar o espaço negativo "of being something else than we are", a negatividade "of not knowing who we are".
Penso que a esquerda precisa refletir a partir desse espaço negativo sem que se precipite no abismo do cinismo ou na opção de tachar a esquerda de foolish youthful dreams. Minha precipitada impressão é a de que o Llosa toma a segunda via.
A despeito de uma ou outra patetada que não exclui a sua genialidade – o caso recente da Líbia onde ele emula Foucault e a Revolução Iraniana – eu tenho pra mim que o Zizek tem feito esse papel de pensar a esquerda outramente.
Luiz, agora quem precisa de mais tempo para responder sou eu. Não lamento vc ter atravessado a neve de 20 cm atrás de um livro, mas invejo.
ResponderExcluirNote que Sabres e Utopias é uma compilação. Há textos aí da década de 1960 até agora. Os textos sobre Cuba, que são poucos, foram escritos no calor do momento, quando nascera o imperativo de se questionar os desenlaçes da revolução. Llosa, pois, foi um dos primeiros da minguada turma que se voltou contra Fidel a, à sua medida, "falar a verdade ao poder". Não se deve tirar esse mérito do rapaz. Saramago só o fez há bem pouco tempo. Judt morreu criticando Hobsbawn por ele nunca ter composto uma crítica profunda a Cuba e aos regimes de esquerda.
Minha visão de Llosa é que seus textos políticos, principalmente em relação ao pessoal do assim chamado "boom da literatura latino-americana", são os únicos que se firmam como análises relevantes, e propõem alguma solução substancial. Não que não sejam questionáveis. Não vejo esses textos como exemplos de um pensamento radical maior, na altura de Said e Berlin, mas fazem pensar, são bem escritos, e furam a cortina de apatia idólatra que reina na América Latina. Nesta última sexta feira, p. ex., na Argentina, um grupo de escritores quis impedir Llosa a presidir uma festa literária, alegando que o peruano não professava a ideologia política argentina!!!
Outra coisa que tem-se que ter em mente: Llosa é um ficcionista, não um filósofo ou sociólogo. E mais, Llosa, como grande parte dos grandes narradores desse continente, não é um escritor formado pela universidade (nos EUA tem-se demais essa classe de escritores diplomados, como Saul Bellow, Philip Roth, etc.) Isso conta a favor dele. Dá mais liberdade a seu texto, que não precisa se prender a vínculos de escola de pensamento. Estou relendo Pós-Guerra, o livro seminal de Tony Judt, e num capítulo dedicado ao pensameno das décadas de 60 e 70, ele critica o obscurantismo da escrita de Foulcault, Derrida e Lacan, que, para ele, haviam sobrepujado a busca pela verdade fazendo-se da linguagem a própria verdade, o que, então, tudo da sintaxe até as figuras da linguagem se convertiam para zonas herméticas da retórica em que a palavar valia-se por si mesma, dando a impressão de que o objeto da verdade era tocado, mas não ERA.
Llosa tem a vantagem de poder fugir desses cargos de ofício, recorrendo à coloquialidade do contador de histórias. Como disse Camus, "tempos medíocres geram profetas medíocres". Não estamos no melhor dos tempos, ou nos "tempos interessantes" a que se refere Hannah Arendt _ o que, tal termo empregado às desgraças contínuas do século XX, é uma sorte à complacência de nossos espíritos_, embora realidades totalmente novas estejam nos esperando pelas próximas décadas. Assim, alguém como Llosa tem a sua relevância, e a perca é que não há ninguém do lado oposto que queira, ou tenha a abstenção suficiente, para contrapor as várias partes que não se encaixam em seu discurso.
Mas leia o livro sem comprometimento, por cima desses conflitos (afinal até a geografia o ajuda na isenção). É um ótimo livro.
O Zizek realmente não é brincadeira. Já lestes isto daqui?:
ResponderExcluirhttp://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-34/tribuna-livre-da-luta-de-classes/a-hipotese-comunista
Gostei muito da sua dicotomia da esquerda. Penso da mesma maneira. Uma esquerda auto-crítica, a meu ver, só valeria se fosse suicida. Mas Zizek não vale aqui. O texto do post trata, exclusivamente, sobre a esquerda latino-americana, que está muito atrasada em relação à esquerda da Europa Central e do Oeste, esta última há muito já entrou no terreno da desconstrução crítica e análise histórica séria.
ResponderExcluirErrata: a frase de Camus é "tempos medíocres gera profetas vazios."
ResponderExcluirMuito bom, é isso aí. Vargas Llosa é alvo de uma brutal patrulha ideológica reacionária e ultrapassada, que hoje impede qualquer análise honesta de sua obra. Politicamente, concordo, ele é o escritor que melhor compreende o continente e a origem verdadeira dos nossos problemas. O resto é cortina de fumaça.
ResponderExcluirNemo, nesse ponto o Brasil ( e a América latina em geral), está atrás dos leitores europeus e norteamericanos do Llosa. A diminuição compulsória de Llosa só tem o efeito de se voltar, em desfavor, contra essa esquerda limitada e anacronicamente ineficaz que paira por aqui.
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