Desde criança meu sonho é provar framboesas. Compro-as por um preço proibitivo num empório de importados, escondido de minha esposa (50 gramas por 15 reais??? o equivalente a um pacote de fraudas!!!). Atravesso a esquina e, por debaixo de uma marquise mais ou menos deserta, ponho-me a conferir se aquelas frutinhas bem humoradas tem mesmo o gosto de balinhas translúcidas fabricadas. Abro a embalagem com o desenho de uma família dinamarquesa feliz na tampa, e jogo duas framboesas na boca. Em nada decepcionam minhas expectativas. No orifício apicial pode-se encaixar a ponta da língua com precisão. Os pequenos gomos se soltam numa facilidade refrescante. Sua doçura é menos enigmática que a da amora, mas infinitamente mais alegre. Olho para os lados para ver se minha esposa não saiu mais cedo do obstetra, e só me deparo com uma velhinha de vestido de chita florida me acenando com a mão. Não é uma pedinte, mas diz com um fiapo de voz que precisa almoçar, apontando para um restaurante. Da carteira, saco dez reais que me sobraram e lhe dou, pronto para partir em retirada. Ela, pega de surpresa diante tanta generosidade, me retêm pela mão e me abençoa de todas as maneiras possíveis. De outra sorte, o peso de consciência do flagrante mereceria tamanho reconhecimento equivocado de caridade?
.Plumbismo
De visita a um amigo, este circunavega o assunto até chegarmos a seu interesse principal dos últimos anos: uma antiga teoria da década de 1970, que diz que a espécie humana tornou-se excessivamente violenta pela contaminação com o chumbo. Aponta fatos precisos, estatísticas de assassinatos, aumento de internações de pacientes em manicômios, tudo sincronizadamente ocorrido desde a revolução industrial e das grandes fábricas de Manchester, jogando toneladas de fumaça do chumbo fundido na atmosfera. Chumbo nos alimentos, em insumos agrícolas, e a absurda quantidade de chumbo utilizado nos produtos para as guerras. Esse amigo, advogado aposentado e ex-presidente da OAB, explica excepcionalmente bem para um rábula as consequências neurológicas dessa intoxicação. A encefalopatia ocasionada altera o comportamento, emburrece, e faz com que as pessoas adotem atitudes violentas. Lembro-me, então, que esse distinto senhor que me esclarece foi, até pouco tempo, um dos homens mais temidos do município. Não podia-se ficar a seu lado com completa desenvoltura. Seu andar ereto, sua barba aparada com esmero, sua forma em não cumprimentar sem que antes se lhe cumprimentassem, eram tidos como direito legítimo de uma personagem tão cerebralmente capaz. Um dia, enlameado do chapéu às botas pelo trato em seu jardim, seu cão o atacou por não reconhecê-lo. Passou muito tempo internado num hospital, e os médicos realizaram-lhe um enxerto muscular no braço direito. Desde então tornou-se um homem substancialmente diferente. A acepção unânime da cidade tendia a ver nisso a descida para a velhice. A doença o debilitara. Sua esposa, que há tempos dera aula na universidade para mim, diz que agora ele obtinha paciência para coisas que outrora o levavam a acessos de fúria. E vive obcecado, me disse a mulher, por essa teoria imerecidamente esquecida, de que todos, sem exceção, somos intoxicados pelo excesso de chumbo.
Tem a teoria dos hormônios de frango na água, você conhece?
ResponderExcluirDe acordo com essa teoria, os hormônios usados para fazer os frangos crescerem são eliminados pelo xixi e não são completamente filtrados pelo processo normal. Então, a água que consumimos estaria cheia de hormônios femininos. Por isso que vocês homens, estariam assim, com cada dia menos hombridade.
Sobre as framboesas, tive decepção semelhante ao comer tâmaras.
Vamos fazer o seguinte, Fernanda. Eu não conto minhas experiências durante e depois do curso de veterinária, e assim você se conserva na bem-aventurada ignorância dos que podem almoçar sem conhecer os segredos da cozinha.
ResponderExcluirHá dois anos, nesses famigerados encontros interativos entre o pessoal do escritório, promovidos por psicólogas experiêntes, fomos avisados que sempre tem um que cai no barraco de se envolver demais e chorar. Fiquei uma semana brincando com os amigos, perguntando quem se desvirtuaria dos rígidos atributos da macheza e se descomporia em frágil boiolismo. Encarei o evento com ceticismo, torcendo para a coisa acabar logo. Meia hora depois, vindo da cozinha as mulheres alvoroçadas, elas queriam saber o que acontecia com aquele amontoado de pessoas que faziam círculo em torno de um dos participantes que não conseguia se controlar num pranto escandaloso. Se você adivinhar quem era, te mando um frango congelado.
Também odiei tâmaras. Mas a framboesa, num sei se para compensar o preço, achei-as muito boas. Bom...suspeito. Também tive que achar o disco ao vivo dos Dire Straits uma maravilha, quando o comprei pelos olhos da cara há tempos.
À propósito: que passagem linda do Orlando. Vou providenciar a leitura com urgência.
ResponderExcluirTambém vi que um de seus romances preferidos é o Insustentável Leveza do Ser. Idem.
Meu irmão é biólogo e ele sempre tinha reuniões com a turma de Nutrição. Ávidas para conseguir testar as receitas, nas reuniões sempre havia algo para provar - um biscoitinho, um bolo. Era sempre assim: ele era servido com um sorriso, perguntavam se gostou e depois se era capaz de adivinhar o que era aquilo. Os ingredientes eram sempre combinações bizarras, coisas que normalmente ele não comeria - abacate com alho, miúdos com fubá, casca de banana com folhas verdes, etc. Traumatizado, ele parou de aceitar.
ResponderExcluirFaço questão de ignorar todas e quaisquer histórias do curso de veterinária. Sou muito sensível, desvio até de sapos atropelados. O fato de não comer carne vermelha me dá uma certa leveza na consciência. Meu marido sonha em ter um aquário e digo a ele que poucos meses depois de ter um eu certamente pararei de comer peixe. E falo sério.
Comprei tâmara e achei muito ruim, com gosto de ameixa. O que me fez pagar caro foi uma experiência anterior que tive. Uma tia foi ao Egito, trouxe várias tâmaras e semanas depois algumas pararam na minha casa. Minha mãe e eu as devoramos, era a coisa mais doce e fantástica que haviamos provado. Depois de devorar quase todo pacote, achei uma lesminha branca numa delas. Começamos a investigar e TODAS tinham lesminhas brancas. Deve ser por isso que estavam gosmentas. Mais: deve ser por isso que estavam tão doces. Até hoje não sei se o problema das tâmaras que comprei era o fato de não serem egípcias ou de não estarem estragadas. Minha mãe desenvolveu uma paranóia de que as lesmas cresceram dentro dela e prejudicaram seu intestino.
Sou suspeita para falar de Orlando. Fuja do filme (sim, tem filme) e de todas as críticas. Fuja até mesmo dos comentários de quem já leu. Leia sem fazer idéia do que acontece, como eu fiz. Será muito mais interessante.
Que comentário longo. Seria a Charlles Campos do teu blog?
ResponderExcluirHahahaha. Você viu que fiz um esforço tremendo neste post para escrever pouco. A experiência de escrever em um blogo próprio (não me sinto ainda um BLOGUEIRO), é um nó na garganta. Não se sabe o quanto pode-se se soltar e ir além do que se pretende dizer. Se tem algo que detesto é alguém ficar atrás de mim olhando para a tela do computador, enquanto escrevo. Mesmo que não tenha ninguém mais que visite esse espaço, me sinto observado. O velho sonho desamparado de andar pelado pela rua (sempre o tenho, a cada mês).
ResponderExcluirTenho estômago forte para nojeiras. Tâmaras com lesmas doces? As que comi estavam sem graça, talvez pela ausência delas. Na veterinária, principalmente na área de inspeção de laticínios e carnes, há coisas espantosas. Minha maior fraqueza é ainda não ser vegetariano. Meu maior martírio disciplinado, a profissão que exerço.
Já sou um leitor treinado em livros difíceis, mas olha só: me afastei de Orlando (apesar de ter adorado a Miss Daloway) por uma mal digerida informação da juventude de que o personagem principal, sem mais ou menos, deixa de ser uma mulher e vira homem.
Não concordo com sua opinião sobre Proust, mesmo ainda não o tendo lido.
Eu me afastei dos outros livros de Virginia Woolf por culpa de Orlando. Sabe quando você gosta tanto de uma coisa que acha que nada pode superá-la? Isso aumentou quando li uma crítica que dizia que VW alternava livros sérios com livros leves, e Orlando estava entre os leves. Decidi que então não gostava dos complicados.
ResponderExcluirAcabei lendo outros dois livros leves dela: Um teto todo seu, numa disciplina feminista e Flush - Memórias de um cão, por causa de um serviço voluntário. Adorei ambos. Sempre parei no início do Passeio no Farol. Tenho bloqueio, ele não começa tão sedutor quanto os outros. Orlando não é um livro difícil, ele conquista desde a primeira frase.
VW é uma excessão pra mim, porque geralmente não gosto de fluxo de consciência. Nunca li Noll por causa disso, e provavelmente isso fez com que eu não gostasse de Proust. Sei que você e o Milton não compartilham da minha rejeição.
Blog é mesmo difícil, eu me sinto bastante amarrada. Quem me conhece pessoalmente se queixa de que no blog eu sou uma chata - o que torna minhas amizades bem esquizofrênicas, pois quem me conhece não me lê e vice-versa. É que me preocupo muito. Um post pequeno que você escreveu anos atrás pode gerar um comentário, com olhos pouco tolerantes e descontextualizado. Já me aconteceu muito.
Instalou o Google analytics? Nenhum blogueiro pode viver sem ele. Ele nos mostra como, quando, onde e porquê nosso blog é visitado todos os dias.
Google analytics? ai,ai meu Deus! sou um completo idiota em computação. Então esse aí é que nos informa sobre a quantidade de visitas. Vou baixá-lo.
ResponderExcluirNão infomei a nenhum de meus amigos sobre o blog.