sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Someone's knockin' at the door / Somebody's ringin' the bell


WILLIAM FAULKNER


Discurso do Prêmio Nobel 



"Senhoras e senhores, sinto que este prêmio não foi concedido a mim enquanto homem, mas a meu trabalho — o trabalho de uma vida na angústia e no sofrimento do espírito humano, não pela glória e menos ainda para obter lucro, mas para criar dos materiais do espírito humano algo que não existia antes. Assim, este prêmio está tão somente sob minha custódia. Não será difícil encontrar, para sua parte financeira, um destino condizente com o propósito e significado de sua origem. Mas eu gostaria de fazer o mesmo com esta aclamação também, utilizando este momento como o pináculo a partir do qual posso ser ouvido pelos jovens homens e mulheres já dedicados à mesma agonia e faina, entre os quais já está aquele que um dia estará aqui onde eu estou.

“Nossa tragédia, hoje, é um geral e universal temor físico suportado há tanto tempo que podemos mesmo tocá-lo. Não há mais problemas do espírito. Há somente a questão: quando irão me explodir? Por causa disto, o jovem ou a jovem que hoje escreve tem esquecido os problemas do coração humano em conflito consigo mesmo, os quais por si só fazem a boa literatura, uma vez que apenas sobre isso vale a pena escrever, apenas isso vale a angústia e o sofrimento.

“Ele, o jovem, deve aprendê-los novamente. Ele deve ensinar a si mesmo que o mais fundamental dentre todas as coisas é estar apreensivo; e, tendo ensinado isto a si mesmo, esquecê-lo para sempre, não deixando espaço em seu trabalho senão para as velhas verdades e truísmos do coração, as velhas verdades universais sem as quais qualquer estória torna-se efêmera e condenada — amor e honra e piedade e orgulho e compaixão e sacrifício. Antes que assim o faça, ele labora sob uma maldição. Ele escreve não sobre amor mas sobre luxúria, sobre derrotas em que ninguém perde nada de valor, sobre vitórias sem esperança e, o pior de tudo, sem piedade e compaixão. Sua atribulação não aflige ossos universais, não deixa cicatrizes. Ele escreve não a partir do coração mas das glândulas.

“Até que reaprenda estas coisas, ele irá escrever como se compartisse e observasse o fim do homem. Eu me recuso a aceitar o fim do homem. É bastante cômodo dizer que o homem é imortal simplesmente porque ele irá subsistir: que quando o último tilintar do destino tiver soado e se esvaecido da última rocha inútil suspensa estática no último vermelho e moribundo entardecer, que mesmo então haverá ainda mais um som: sua fraca e inexaurível voz, ainda a falar. Eu me recuso a aceitar isto. Creio que o homem não irá meramente perdurar: ele triunfará. Ele é imortal, não porque dentre as criaturas tem ele uma voz inexaurível, mas porque ele tem uma alma, um espírito capaz de compaixão e sacrifício e resistência. O dever do poeta, do escritor, é escrever sobre essas coisas. É seu privilégio ajudar o homem a resistir erguendo seu coração, recordando-o a coragem e honra e esperança e orgulho e compaixão e piedade e sacrifício que têm sido a glória do seu passado. A voz do poeta necessita ser não meramente o registro e testemunho do homem, ela pode ser uma das escoras, o pilar para ajudá-lo a subsistir e prevalecer.”

12 comentários:

  1. Eis o menor dos motivos porque amo esse cara.

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  2. ESPIRAIS
    by Ramiro Conceição


    Instruir-se
    é uma ascendente
    espiral divergente.

    Não se instruir
    é uma descendente,
    convergente.

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  3. Charlles, seu blog continua num outro fuso horário; talvez aí, em Goiás, ou quem sabe no interior do disco voador que o abduziu - tudo seja diferente!

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  4. Você já leu o discurso de Camus?

    http://blogdo.yurivieira.com/2009/06/discurso-albert-camus/

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  5. Por incrível que pareça, Caminhante, por mais que eu goste de Camus, eu ainda não li seu discurso! Vou lá no endereço indicado.

    Ramiro, minha inteligência internáutica é que se encontra em outro fuso horário.

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  6. Justiça seja feita, e minhas desculpas ao Yuri. Tinha esse discurso do Faulkner em meu computador já faz tempo, e não me recordava de onde o tinha conseguido. Foi de lá. E suponho que a tradução também tenha sido feita pelo Yuri.

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  7. Faulkner era um angustiado, realmente. Mas é essa angústia que transforma um escritor em um verdadeiro artista. Essa tragédia do eu, o que Richard Brautigan chama de "selfpain", é que faz um grande criador ir além do trivial e torna seu leitor um fiel observador da realidade. E que, no fundo, dá-nos esperança, assim como deu a ele. Não sei se o homem triunfará, mas ler esse discurso me faz, com um pouco de boa-vontade, ter um mínimo de esperança.

    Grijó

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  8. Grijó, meu caro! Tantas vezes me recebestes no seu blog, e agora eu faço as honras da casa. Que bom ter um comentário seu. Já sabe o quanto faulkner é indissociável da minha pessoa, já postei um comentário no ipsis litteris sobre isso.

    Abraço.

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  9. Melhor frase:

    "É seu privilégio ajudar o homem a resistir erguendo seu coração, recordando-o a coragem e honra e esperança e orgulho e compaixão e piedade e sacrifício que têm sido a glória do seu passado".

    Isso é um desafio e tanto. É muito mais fácil escrever "abaixando" ainda mais o coração do homem, recordando-o da covardia e desesperança e orgulho e indiferença e impiedade e egoísmo que tem sido a desgraça de nosso presente. Na verdade, qualquer pequeno escritor pode fazer isso, embora os grandes também o façam com excessiva frequência. O desafio seria erguer o coração do homem pela literatura sem que isso soe edificante demais, diletante demais. Mas é preferível sucumbir tentando do que se filiar às fileiras daqueles que massacram o espírito humano, mesmo que com genialidade.

    Abraço, Charlles.

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  10. Victor, meu caro. Sempre bom quando comenta aqui. Gostei do Nigredo (uma mudança sutil mas substancial de estilo?). Procurei a música do Rós na discografia que tenho mas, não tá lá.

    O que me irrita é vc ter voltado à essa mania de não mais responder meus e-mails.

    Abraço.

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