Esperando meus filhos e minha esposa saírem do culto, sentado na praça em frente à igreja, debaixo de um ipê amarelo. Choveu toda a noite e o domingo é glorioso, alegre e tranquilo. Peguei um livro quase a esmo na estante para me fazer companhia, e coube que tal livro fosse o volume de contos policiais de William Faulkner, Lance mortal, lançado pela editora Benvirá. Procuro o menor conto do livro e o releio: a maravilha de curtas 25 páginas intitulada Um erro de química. Quem me visse acharia que ou eu tivesse algum problema de infantilismo mental ou estava passando por um final de bebedeira da madrugada de sábado. Fiquei pasmo pela excelência da história, desse que sem dúvida é um conto perfeito. Tem tudo lá: True detectives, espantosas maquinações sinestésicas de suspense que cativam a atenção do leitor com uma grande dose de hipnotismo-pânico, a canastrice convincente do exagero que faz homenagem à literatura de gênero, e até uma metalinguagem bem-humorada no último parágrafo bastante típico do virtuosismo de Faulkner. O que me faz, às vezes, me distanciar de Faulkner?, me vi perguntando. Convido qualquer apreciador de literatura a ler esse conto e não ter a absoluta certeza da genialidade de Faulkner. O cara é a raiz daquela excelência feita na literatura do século XX. Eu ria, apertava o livro, olhava para alguns passantes com a fantasia de pensar em dizer "vocês viram isso?, o que esse cara fez?". Não só a escrita perfeita, como um conhecimento humano e uma sabedoria bem acima da média. O tipo de leitura que te faz pensar em muitas e intrincadas coisas; o tipo de prevenção definitiva contra o alzheimer que em poucos anos consumirá epidemicamente uma maioria de cérebros amaciados por entretenimento e cultura ruim. Uma das coisas que eu sempre penso é: esse cara não era um intelectual, não era uma acadêmico, o muito que perigosamente se pode dizer dele com sua aprovação é que não passava de um caipira, e só nessas 25 páginas, que não estão entre o que ele fez de melhor, ele vence o mundo todo. É bom demais ler Bellow e Roth, mas me assola uma consciência de perda de tempo imensa por não estar fazendo como há 20 anos, cotidianamente em contato maciço com o universo de Faulkner.
Fizeste-me comprar mais um Faulkner (vinte e cinco reais, com frete). Nunca li seus contos. Mas, admito, já fiz isso que apenas fantasiaste: enchi o saco do pessoal do meu último trabalho nas horas de folga, sublinhando as frases - e parágrafos! - assombrosas desse homem e os obrigando a ler tais trechos de Santuário enquanto dizia entusiasmado "olha só isso, olha que ABSURDO, leia, leia, leia!', para em seguida deparar com as expressões faciais bovinas dos pobres colegas que não se impressionaram com a grandeza contida ali.
ResponderExcluirSim, Roth é muito mais, ahm, divertido, prazeroso e sexy que Faulkner, além de ser muito inteligente e sagaz, porém somente o caipira beberrão, que abandonou o college e que batia na mulher, parece transmitir através das palavras parte da Verdade. Não interessa que fosse um mentiroso ou hipócrita.Já disseste bem uma vez Charlles: quando lemos Faulkner, parece que estamos lendo a bíblia, alguma parte perdida do Velho Testamento. Porque estamos, mesmo.
Interessante que Faulkner é tão grande que não se enquadra nas catalogações literárias, daí não se ver ninguém dizer que ele foi um grande contista. Mas ele foi um dos maiores contistas do século, ainda que tenha escrito poucos deles. "O urso", por exemplo, é um de seus melhores momentos, é um conto longo. "Folhas vermelhas" é uma das mais impressionantes coisas que li.
ExcluirE como te disse no e-mail, suas últimas frases deste comentário adivinham muito o final do conto do post.
Paulo, não sabia que ele escreveu tantos. Tentei somar os que conheço, mas chega a umas poucas dezenas. Tem-se que averiguar se a fonte dessa informação não contou os tantos esquetes que ele escreveu durante sua fase de jornalista (tem uma tradução nacional recente para esses esquetes).
ResponderExcluirEu não tenho o "Folhas vermelhas". Li-o em uma coletânea antiga, creio que da década de 70, de contos norte-americanos. É um conto absolutamente sensacional, tem o clima de massacre inescapável do filme Apolypto, do Mel Gibson, e traz uma inversão genial do imaginário sobre índios e negros americanos (os negros são os fugitivos que querem a liberdade mas não tem coragem para a luta, os índios são corrompidos ao extremo pela sociedade branca em sua preguiça e mesquinhez). Já procurei esse volume em sebos, mas não o achei. Caso alguém o ache, por favor, escaneie e me mande por e-mail.
Quem diz que são 125 é Denise Bottman, no link acima. Não sei, porque ela também menciona ensaios dele, e eu nunca ouvi falar de nenhum. Não li sequer uma dezena de seus contos, e só ouvi falar de uns 15, 20. Não estou conseguindo achar esse conto (Red leaves) nem em inglês.
ResponderExcluirO certo mesmo seria traduzirem logo aqui These 13, volume com pelo menos quatro de seus contos mais famosos (Red Leaves, A Rose for Emily, Dry Setember, e That Evening Sun).
João, seria mesmo muito mais prático publicar o texto logo aqui.
Ou mandar pro Charlles, que postaria com os itálicos e etc. sendo admin.
ExcluirBem, do jeito que for, meu email e fácil de achar: só clicar em meu nome.
Watch the first teaser trailer for ‘Inherent Vice’ in UK cinemas January 30th.
ResponderExcluir“Inherent Vice,” is the seventh feature from Paul Thomas Anderson and the first ever film adaption of a Thomas Pynchon novel.
https://www.youtube.com/watch?v=wmK4uS8HaA8&feature=youtu.be
tu poderia escanear esse conto, Um erro de química, e me mandar por email neh? hehe
ResponderExcluirme passaram há pouco o link desta livraria virtual: http://30porcento.com.br/
Charles, onde posso encontrar o conto "Folhas Vermelhas" em tradução brasileira? Será que existe alguma? Grato.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirSegue o link:
Excluirhttps://www.revistas.usp.br/revusp/article/download/34812/37550/40768
Que maravilha,Mateus. Muito obrigado por compartilhar isso. A única ressalva é que este maravilhoso conto já foi sim traduzido para o Brasil.
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