Depois de ler O pintassilgo, novo romance de Donna Tartt, é difícil não dar ouvidos para críticos como James Wood que acusam o infantilismo na produção da atual literatura. Desconsiderando diagnósticos mais genéricos, como o de Vargas Llosa, que diz que o infantilismo é uma praga espiritual oriunda da degeneração do gosto que assola todas as vertentes da cultura de 20 anos para cá, o romance da Tartt por si mesmo desperta cogitações sérias de que essa pobreza, vinda de uma visão limitada do mundo, revela de maneira menos segura para nosso conforto civilizatório que a atrofia da experiência está também fazendo seus estragos no campo da imaginação. E experiência tem sido um tabu para os escritores norte-americanos, essa classe de criadores que sofre de maneira mais primordial a transformação do mundo físico da experiência tradicional para o virtualismo sinestésico que simula a coisa autêntica. Tartt, por inúmeras vezes neste seu romance, se enquadra na crítica que Joseph Bródski fez a uma obra de Solzenítskin: assim como o autor russo de Pavilhão de Cancerosos, ela tangencia a sublimidade, bate nas portas de uma expressão que se adivinha grandiosa, para logo em seguida morrer na praia. Ela nunca acontece nas altas esferas artísticas as quais desde sua foto com ar vitoriano nas orelhas do livro ela promete ser capaz de acontecer. Ela sempre perde a linha de concentração e cede de maneira até ofensiva aos interesses batidos do mercado de imagens feitas, todas elas dedicadas à alta percentagem de atender ao gosto infanto-juvenil. Tudo é um tanto mais grave porque Tartt é, indiscutivelmente, uma escritora que tem mais qualidades e bem mais talento que o restante de seus pares; é capaz de descrições formidáveis, de construção de personagens precisamente verdadeiros (que são realçados pela generosa quantidade de movimento que a autora dá a eles: personagens que oferecem uma humana e ilimitável gradação de olhares enquanto conversam); e de páginas que aventuram reflexões filosóficas que seriam relevantes se na própria ação de escrevê-las não viesse a reação subjacente dela moderar o tom para não espantar o modelo de leitor jovial que ela enxerga do outro lado do livro.
Além da falta de consistência. As primeiras 200 páginas são muito boas. O leitor que traz na cabeça os apegos que o fez se interessar pelo livro_ de ser dickensiano e meio que na contramão do virtuosismo técnico modístico dos romances americanos atuais_, se alegra ao ver o apartamento um pé abaixo da linha da sarjeta onde o jovem herói do romance vai morar, com todas as suas sombras e seu conforto de antiquário cheio de móveis antigos e livros empilhados, com as janelinhas nubladas polvilhadas pela chuva constante. O leitor é levado à melhor parte de seu memorial de leituras introspectivas quando o jovem herói se encontra com a menina de olhar enigmático que ele viu por último no atentado terrorista que matou sua mãe, a menina meio que deformada pela explosão, com metade da cabeça restaurada por placas de metal, deitada em um quarto soturno do apartamento e ouvindo Arvo Part em doses regradas para combater sua enorme dor de cabeça. Há uma beleza tocante nisso, uma beleza clássica pelo alquebramento sereno; há um convite feliz para o diálogo e para o recolhimento valioso que a grande literatura oferece. Eu poderia seguir pelas 700 páginas se tudo acontecesse dentro dessa atmosfera do quarto. Não que as 700 páginas do livro funcionassem melhor naquela falácia costumeira de que se fossem menos as páginas... ; o livro tinha que ter mesmo suas 700 páginas, mas gastadas com outras coisas, gastadas com a capacidade abortada de Tartt de recolhimento. Talvez A história secreta tenha conquistado tantos adeptos por causa desse recolhimento, o que verei em uma das minhas próximas leituras. Mas aqui, Tartt atende com exageros ao gosto do infantilismo, com um arremedo pedante de tudo que ela imagina ser cool e euforicamente provocante, de tudo que ela imagina em sua ingenuidade de escritora adulta com amplo potencial ser o que agrada à juvenília.
O interessante é que, para o leitor atento, fica fácil notar que Tartt não domina nada o universo juvenil urbano moderno. Seu adolescente problemático narrador se droga demais, toma todos os tipos de narcóticos possíveis como se fossem balinhas M&M de chocolate, e ainda assim, no auge da paranoia, lê O idiota e escreve ensaios estudantis de dez páginas sobre Thoureau e literatura inglesa. Em seu i-pod (que, perdoem minha ignorância sobre o assunto, me parece uma peça anacrônica de se possuir como um utensílio trivial na época em que as cenas são narradas, 14 anos atrás), ele tem "tudo o que há de melhor em hip-hop", ao lado de Shostakovitch, Mahler e Bach. Tartt se divide entre o que gostaria de fazer com o livro, com o que deve fazer para o mercado editorial, e os personagens sofrem com esse bipolarismo de comportamentos e gostos. Tartt gostaria de situar todo seu livro em uma Nova York sombria e dickensiana, mas resolve atirar seu herói por 200 páginas na cidade mais no extremo disso (como se houvesse um certo masoquismo em sua escolha), Las Vegas. E mesmo nessa cidade intranscedente ela consegue jogar suas pitadas de fog londrino, pois o herói mora em um bairro de casas abandonadas aonde os carteiros não chegam, como uma versão esquisita do universo de Oliver Twist, e nunca menciona nem de longe o glamour neônico da cidade.
O pintassilgo é um zeitsgest do romance moderno americano. Enquanto a literatura europeia aproveita, em um de seus ramos, do revisionismo histórico, como Sebald e Nooteboom, a literatura norte-americana se perde em suas instâncias medianas em explorar uma espécie de instante perpétuo provocado por um novo extasiamento em relação à nova repaginação de poder financeiro da América, caindo no efeito colateral de transformar tudo em uma súmula de Hollywood e sitcom.
O interessante é que, para o leitor atento, fica fácil notar que Tartt não domina nada o universo juvenil urbano moderno. Seu adolescente problemático narrador se droga demais, toma todos os tipos de narcóticos possíveis como se fossem balinhas M&M de chocolate, e ainda assim, no auge da paranoia, lê O idiota e escreve ensaios estudantis de dez páginas sobre Thoureau e literatura inglesa. Em seu i-pod (que, perdoem minha ignorância sobre o assunto, me parece uma peça anacrônica de se possuir como um utensílio trivial na época em que as cenas são narradas, 14 anos atrás), ele tem "tudo o que há de melhor em hip-hop", ao lado de Shostakovitch, Mahler e Bach. Tartt se divide entre o que gostaria de fazer com o livro, com o que deve fazer para o mercado editorial, e os personagens sofrem com esse bipolarismo de comportamentos e gostos. Tartt gostaria de situar todo seu livro em uma Nova York sombria e dickensiana, mas resolve atirar seu herói por 200 páginas na cidade mais no extremo disso (como se houvesse um certo masoquismo em sua escolha), Las Vegas. E mesmo nessa cidade intranscedente ela consegue jogar suas pitadas de fog londrino, pois o herói mora em um bairro de casas abandonadas aonde os carteiros não chegam, como uma versão esquisita do universo de Oliver Twist, e nunca menciona nem de longe o glamour neônico da cidade.
O pintassilgo é um zeitsgest do romance moderno americano. Enquanto a literatura europeia aproveita, em um de seus ramos, do revisionismo histórico, como Sebald e Nooteboom, a literatura norte-americana se perde em suas instâncias medianas em explorar uma espécie de instante perpétuo provocado por um novo extasiamento em relação à nova repaginação de poder financeiro da América, caindo no efeito colateral de transformar tudo em uma súmula de Hollywood e sitcom.
Pensei por um longo momento nestes últimos dias em comprar um leitor digital. É esse o nome? Não sei. Pensei, especificamente, em comprar um Kindle. Ainda tenho um repúdio gigantesco quanto a e-books, mas, não sei: por alguma distorção febril de leitor imaginei que um Kindle poderia resolver em muito minha necessidade de ler de madrugada na cama, sem incomodar minha esposa ou meus filhos (quando eles dormem junto com a gente). E havia a parada um tanto delicada de que poderia, com um Kindle, ler na academia, enquanto fizesse o elíptico ou a esteira (seria maravilhoso, e que se fodessem os que poderia pensar em esnobismo). Li as recomendações dos consumidores na Amazon, e a coisa cada vez mais lançava seus tentáculos para me enredar neles. Daí_ sempre tem um daí nestas narrativas disparatadas de consumidores em experiência com um produto aventureiro_, assisto à entrevista de um desses biógrafos brasileiros que aparecem nas raquíticas listas de mais vendidos desse país, entrevista dada ao programa do Jô Soares. O biógrafo, gordo, velho, afundado na poltrona do cenário com aquela cara de enfado que pretende ser divertida, me desmotivou para sempre da intenção de ler um e-book. (Na verdade, eu tinha certeza que, assim que me chegasse o leitor digital, eu acabaria inevitavelmente por atirá-lo em um canto e dele me esqueceria sem culpa, como fiz com um tablet). O balofo, com óculos coloridos para dar a necessária vênia de que era uma celebridade, era um anacronismo histérico e oligofrênico, como costuma ser a maioria das instituições ambulantes da cultura nacional. Ele, assim como uns outros quantos escritores e artistas globais, estava promovendo comerciais em que pretendiam estar incentivando a leitura entre os jovens. Só que tudo que ele dizia na entrevista apontava o contrário, o grande descaso que para ele, já tendo vendido todos os livros de sua extensa vida de escrevinhador, era se os jovens do Brasil leem ou deixam de ler. Com uma segurança aborrecida típica do pré-senil que quer passar uma imagem de acompanhar as novidades tecnológicas do mundo jovem, ele vaticinou que os livros impressos estavam acabados, que ele e o entrevistador eram a derradeira geração de leitores em livros físicos. E tudo o mais que ele falava era de um senso prostituto sem igual; para todas as perguntas que o entrevistador lhe fazia sobre suas futuras produções, ele tascava uma resposta desconsolada de que só escreveria se aquilo envolvesse dinheiro, e que nada mais que escrevia gerava dinheiro, por isso ele iria parar de vez com a coisa e montar uma barraquinha de venda de baluaques na praia. (Escrevinhador brasileiro se limita a ser cronista, biógrafo, ou romancista infanto-juvenil, mas o traço combinatório de todos é que são mestres na lamúria e na reivindicação de que a escrita acabou.) Para coroar o embrulho no estômago que me causou, ele disse que está escrevendo uma biografia do Lula, e que o Lula o chamou em um evento público semana passada e lhe deu um pito dizendo: "o que você está fazendo aqui? Você tem que terminar aquele livro logo", etc, etc. Ao que o Jô faz uma brincadeirinha que tangencia com sutileza o analfabetismo funcional do Lula, ao que o biógrafo retruca: "oooooolha, cuidado! Você pode trazer problemas para você."
ResponderExcluirNão tenho o menor interesse momentâneo em Donna Tartt (bem como não me interessa investigar Frazer, et. al.). Há tanto ainda que se ler da boa literatura quase-cânone do sec. XX que só pensar em encontrar tempo para passear entre o romance norte-americano que tenta se reafirmar ainda vivo a despeito das acusações de falência do gênero ou de conformação à cultura de massa (como aqui na sua resenha) causa um canseira sem tamanho.
ResponderExcluirMas pra mim é curioso que talvez você não perceba que essa juventude do ipod, que escuta de Bach a Michael Jackson à la mode "shuffle" (quer dizer, tudo embaralhado, ao gosto aleatório do aparelho e sem nenhum tipo de proposição quanto ao que ouvir, quando e em que mood ou estado de espírito ouvir isso ou aquilo; "shuffle" esse tipo de estado de espírito e paralisia cerebral típico da geração que escuta música para fins do esquecimento do exercício da esteira, do elíptico, etc), esteja tomando as ruas, os carros de metrô e as universidades, e que de não se trata talvez de indecisão da autora quanto a seguir a determinados mandatos do espírito ou aquiescer ao mercado. Esse jovem, que detesta ler, mas sabe quem é Dickens podendo até citar o ano do seu nascimento, essa criatura Wikepediana que é quase um analfabeto funcional mas cujas sinapses cerebrais funcionam tão instântaneamente quanto hyperlinks funcionais, de que esse exército está aí e já tomou as ruas dos grandes centros urbanos do mundo inteiro.
A geração muito bem satirizada em Idiocracia. Mas o que me espanta é os setores do que antes era alta cultura se dobrar a isso como se não houvesse outra coisa a mais. Acho que vou seguir a sua indicação e parar de vez com essas minhas aventuras literárias; parar com esses autores da moda. Se bem que sou um leitor compulsivo e curioso. Mas não paro com a literatura que interessa. Acho que há poucos escritores adultos hoje em dia. Javier Marías vende tanto quanto Donna Tartt.
ExcluirÉ espantoso mesmo o quanto a inteligência tende para o instante perpétuo. Hoje mesmo presenciei um diálogo entre um amigo meu e seu cunhado, que é procurador em Brasília. O procurador chegou todo preocupado porque quer trocar de carro. Seu carro atual, ano 2012, ele o comprou por 113 mil reais, e pretende vender por 90 mil para comprar uma mega caminhoneta (Amaruk (sic?), se não me engano. E toda a raiz da sua angústia é porque não tem espaço para guardá-la na garagem do apartamento em Brasília. E o interessante é que, antes de dizer isso, ele clamava do calor insuportável que anda fazendo por aqui (e de certa forma no mundo inteiro). Ele tem menos que 30 anos, e um salário de 25 mil reais, e estava em sua terceira férias no ano. Um cara que não sabe somar dois mais dois na correlação filosófica de cause e efeito mais que simbólica entre a Amaruk e a questão inadiável de para onde vão tantos carros no mundo. Um ser muito inteligente que é um energúmeno completo fora de sua funcionalidade_ muitas vezes, esta, ornamental.
E a Dilma anunciou no Jornal da Globo na manhã de ontem que pretende reformar o currículo escolar retirando as disciplinas de filosofia e sociologia. Andamos muito mal, meu caro.
Sim, existe sem sombra de dúvida um tipo falência espiritual aí. Mas atualmente tenho pensado que isso é bem diferente de afirmar que a cultura "shuffle" seja uma repetição ou o eterno retorno do Barbarismo. Porque veja bem, a cabeça dessa meninada funciona numa velocidade difícil de acompanhar. É mais ou menos o subproduto da anfetamina e do twitter. Sinapses ligeiras sem atenção ou foco e com pouquíssima capacidade (ou necessidade, seria melhor a palavra) de reter grandes e estiradas estruturas culturais ou do espírito humano, justamente porque essas sinapses estão hyperlincadas a i-clouds (de fotos, fatos curiosos, notícias entrecortadas por ofertas publicitárias de aparelhos de ginástica, etc, etc).
ExcluirNão sei bem dizer se o i-cloud vai ser o exílio e colônia penal apocalíptica da cultura ocidental ou se vai ser uma maneira nova de instantanear o espírito para o consumo momentâneo da necessidade.
Li recentemente não me lembro onde uma frase do Ítalo Calvino em que ele diz que melhor seria se fôssemos todos seres mutilados, materialmente incompletos e divididos, seres anômalos. Algo como dizia Mann sobre a necessidade da doença para um retorno espiritual da atenção ao que interessa vindo da convalescença. Fiquei muito tempo pensando nisso. Naquela coisa de que no histórico de nossa evolução da espécie, termos nos beneficiados com a invenção da sociedade e do pensamento abstrato quando deixamos de perder tempo com a caça e a digestão ao descobrirmos a criação de gado e o cozinhamento. O quanto ganharíamos se revertêssemos essa economia gestual para o campo psíquico. O quanto ganharíamos se conseguíssemos calar os tantos de xingamentos e perturbações de sentido, os infinitos lapsos de concentração que temos a cada dia, os ruídos mentais que nos fazem divagar sem chegar a lugar algum, aquela corrente de pensamento bloomiana. E ser incompleto como disse Calvino me parece agora ser a melhor das ofertas para tentarmos atingir isso, esse lance disciplinado na programação evolutiva. Não que fôssemos nos tornar indivíduos sobre humanos com esse artifício, suponho até que nos tornaríamos ainda mais cientes de nossos defeitos e do limite aparentemente inalcançável de obtermos alguma ascensão intelectual; mas abraçaríamos nossa fragilidade sem o mínimo constrangimento, enxergaríamos com uma falta de reservas a nudez de nossa incompletude. Algo como Tarkóvski faz seu stalker falar sobre a verdadeira força vinda da fragilidade. Algo como o stáretz Zózima fala ao impressionado Ivan Karamazov sobre o prazer que o homem sente ao se degradar (como se houvesse algo que procura debaixo da impressão de plenipotência esse detalhe adstringente de sua verdade de ser pela metade, partido ao meio).
ExcluirIsso me faz recordar um entrevistador incumbido de fazer uma série de perguntas delicadas para um lutador de box, que resolve se aproximar de seu entrevistado simulando um manqueamento na perna; assim, a fera confrontada se compungiria de fazer qualquer ataque ao manco, não o veria como um adversário. O que estou querendo dizer é que essa nova fase de nossa existência de Homo faber, de Homo consumista, trafega pelo caminho absolutamente contrário a este. Cada vez mais alimentamos a fantasia seriamente perpetrada de que somos seres completos, ou talvez mesmo uma aberração matemática ultra-saudável de sermos ainda mais que o resultado das somas, mais que completos. A nós tudo se conflui e nós somos o ápice indisfarçável do destino. Estamos vivendo um novo iluminismo, um neo-antropocentrismo. Mesmo as correntes modísticas que repetem que nós somos matéria perecível sem deus, feixes nervosos interativos que reduz toda sistemática filosófica em copulação e descarte, brincam para nos entreter da constante lucidez de que somos sim o auge, o desfecho, o alvo, o rei protegido no tabuleiro geométrico perfeito. E tudo visto de fora se desmoronaria facilmente, bastava erguer um pouco o nariz acima da margem do caixote, coisa que, felizmente, não temos estatura para fazer; assim não vemos o ridículo de que nosso orgulho vem das velhas bugigangas de um além mar que nos parece conter em sua superfície colorida e luminosa aquelas antigas vaidades de um mundo subliminar à espera, o éden cortazariano em que as galinhas tem quatro coxas e os campos sempre estão verdejantes.
ExcluirAssim, o WhatsApp do meu celular último modelo (a ser superado logo logo em três meses), me acorda de manhã às seis horas com a notícia de agraciável odor silvestre de um assassinato acontecido não sei onde, criança, mulheres e homens com os corpos jogados na travessa apertada de algum centro urbano. E por aí vai. O jornal televisivo da hora do almoço me narra sobre a seca inédita, nunca ocorrida em milênios geográficos, da nascente do Rio São Francisco, para imediatamente a moça que apresenta o programa me sorrir com um virginal desconhecimento histórico e passar para uma notícia sobre os novos benefícios de se tomar uma xícara de café diariamente. E da-lhe senhores de meia idade e mulheres fisiculturistas provando café com a plasticidade perfeita de não pensarem por um segundo sequer o que vai dar isso tudo no dia seguinte, não se importando uma vírgula o que pode acontecer no amanhã seguramente distante, o amanhã nunca alcançado. O instante perpétuo. O que importa para elas se o Brasil se nega a assinar um tratado em que assume o compromisso de até 2030 parar de depredar a mata que sobra no país. Sorriso e os comerciais. Aquela loucura suportada latejantemente por ser no fundo insuportável demais, como se a onisciência vestigial sussurrasse maleficamente por sobre essa assepsia desesperada: "daqui 15 não haverá mais matas, provavelmente não haverá mais nada."
ExcluirFilosofia e Sociologia de fora do currículo? ÓTIMO. Sejamos honestos: essas disciplinas são usadas somente como doutrinação pelos professores d e h u m a n a s deste país. É trabalhinho sobre Marx, Gramsci e Lenin, sobre cultura AFRO ser injustamente oprimida pela cultura branca europeia, sobre feminismo ultra radical 'meu corpo, minhas regras 'mas foda-se o terceiro bebê que abortei'" e etc. "Não exagere, Matheus. Nem todas são assim!" É, mas a maioria é. Neste ano visitei muitas escolas, uma ou outra se salva com perda de algum membro.
ExcluirPensava que fazia parte desse grupo dos jovens hyper conectados, mas felizmente, observando os adolescentes com quem convivo, ainda tenho salvação - meu pecado, contudo, é a acídia...
Charlles de Whatsapp?? Céus!! Morri um pouco por dentro agora. (rsrsrsrs)
ResponderExcluirO que me assusta é o utilitarismo que rege esse estado de coisas. O espírito não existe por si só. Cícero só me interessa na medida em que ele responde a alguma curiosidade momentanea minha, entrecortar o silêncio com alguma tirada histórica sobre as cartas que ele mandou ao seu amigo Lucílio, ou de repente me encontro no fórum romano, em plena Civita Vecchia em Roma, e daí acesso o meu i-cloud e me deparo com os discursos de Cícero.
Não só o instante perpétuo, mas a alucinação do sonho utilitarista de um Jeremy Bentham.
O espírito aprisionado à ocasião e à oportunidade.
Recebi esse dias mesmos um estudante de uns dezenove anos na minha sala. Ele buscava um mentor para um trabalho final de curso, um projeto super-sofisticado sobre a formação da idéia da ortodoxia e a exclusão de heterodoxias usando teoria sociológica (Peter Berger e Pierre Bourdieu).
Quando aludi a uma lista de leituras que ele precisava saber ele me responde sem nenhum pudor que evitava a leitura, que não tinha muito tempo para aquilo, etc. Isso vindo de um rapaz que a poucos minutos atrás me avisara que gostaria de tentar um mestrado...
O rapaz sabia quem era Bourdieu, podia explicar pelo menos em linhas gerais o conceito de habitus do sociólogo, mas provavelmente não lera um 1 dez avos de qualquer texto do cara...
Sinapses maravilhosas e nuvens de informação...
Acho que 80% dos meus colegas pensam e agem exatamente assim. Não que eu seja um perfeito estudioso, não: só tenho vergonha e total incapacidade de 'blefar' dessa forma numa sala de aula ou ante um professor. Só abri a boca em disciplinas que me interessavam e li o requisitado (conto nos dedos).
ExcluirNāo tenho WhatsApp, foi só para encaixar a idéia. Um conhecido meu que sempre vem com essas notícias policialescas toda manhā. E meu celular, como disse antes, foi prrsente da mami. Só para defender meu reacionarismo.
ResponderExcluirRequentando o suflê: me assustei com centenas de visualizações hoje para meu post "Fofoca". As vindas eram do facebook do Milton Ribeiro, em um texto em que ele fala sobre ex-esposa e as intermitências que isso tem com a campanha política pela net. E aí coloca o link para meu texto, que é esse:
ResponderExcluirhttp://charllescampos.blogspot.com.br/2013/01/fofoca.html
E eis que vejo dois comentários lá que me fizeram explodir em uma gargalhada. Uma das poucas certezas que tenho é que todo homem das letras adora uma fofoca, tendo a origem da literatura tanto dívida com o meretrício quanto com os diz-que-me-disse das tabernas. Eu também adoro esses conflitos e essas pirraças e essas deliciosas conversinhas fiadas.
Pelo menos isso tenho em comum com Proust. :-)
ExcluirCharlles, li A História Secreta, que, como disse aqui, é viciante, mas aviso logo que não vai ser isso que você espera. É antes um thriller bem feito, com spoiler na primeira linha, bons diálogos, alguns ótimos, e personagens bem bolados (tudo o que Joel Dicker tentou fazer e não conseguiu), mas não vai muito além. Não procure lá um Chabon ou um Marías (grandes escritores que vendem bem).
ResponderExcluirFalando em Marías, estive na Espanha esses dias (minha primeira vez na Europa) e comprei uma dezena de livros dele, baratinho, entre eles um box com o Ciclo de Oxford e o romance Así Empieza lo Malo, que foi lançado ontem, mas não estava à venda nas livrarias quando eu estava à caça. Só encontrei o volume no embarque de volta (uma espécie de pré-venda, acho), aos quarenta e sete do segundo tempo, como dizem os fanáticos por futebol, e embarquei com ele na mão. Agora posso me dar ao luxo de sempre sair de casa com um livro dele (essa semana já li dois: O Homem Sentimental, que você já deve ter lido também, e Mala Índole, protagonizado por Ruibérriz, aquele cara que aparece brevemente em Os Enamoramentos).
Ah, comprei também uns Sebalds inéditos aqui (edições portuguesas), e posso dizer que Campo Santo (um texto curto no livro homônimo) está entre as melhores peças em prosa do alemão.
Mala Indole a que se refere deve ser a coletânea dos contos completos, lançados em 2012. Sensacionais. Li tudo dele, com exceçāo de uns poucos de seus volumes de ñ ficçāo que ainda ñ consegui encontrar. Seu novo romance já está devidamente encomendado e estou na espera.
ResponderExcluirO certo é q O Pintassilgo não produziu em outro lugar melhores discussões paralelas do q as q podem ser lidas acima. Obrigado.
ResponderExcluirE agora vou ter q repensar o presente q já estava engatilhado para um amigo q gosta de longas leituras e, sobretudo (veja a seriedade da ponderação), elegeu o pintassilgo numa brincadeira pós-jantar em q se escolhia um animal para seu. Uma destas coisas infantis, para não perder o tema, que seguimos fazendo, com a diferença de q alcolizados.
Mas esse Tartt ñ me arrependo de ter lido, arbo. Há partes brilhantes.
ExcluirInteressante isto aqui, senhores (Kundera, Roth...):
ResponderExcluirhttp://www.livrosabertos.com.br/do-valor-da-insignificancia/
Talvez isto também seja do interesse dos nobres doutores:
ResponderExcluirhttps://editoraconcreta.com.br/crowdpublish/campaigns/francisco-suarez-defensio-fidei-catholicae-1613-edicao-compilada/
Enjoy
ResponderExcluirVera Cruz
Milton Nascimento
Ron Carter
Pat Metheny
https://www.youtube.com/watch?v=SYAE2xkvh64&index=2&list=LL06NZdYdSGINMJ6bVMRQuog
Muito bonito. Não conhecia.
ExcluirAh, então deu que eu estava parcialmente certo. Estranhei muito quando você respondeu ao Cassionei sobre o quanto que a obra era perfeita, isso há umas semanas atrás. O hype ianque destrói a obra: ela não é o game changer que os jornalistas culturais propagandearam, assim como o The Flamethrowers da Rachel Kushner também não foi, e tenho certeza (esse ainda não li) que o The Luminaries da Eleanor Catton também não é -- há tantas e tantas boas obras que acabam estragadas pela publicidade hiperbólica, especialmente nos U.S., e enquanto isso o último do Pynchon praticamente não foi comentado depois do lançamento, apesar de ser o verdadeiro melhor romance de 2013.
ResponderExcluirA obra da Tartt é uma boa obra, isso só, e é o bastante. Essas falhas que você aponta -- aliás, são falhas mesmo ou são concessões bem sucedidas aos consumidores da cultura do shuffle? -- são visíveis também no Murakami e no Knausgaard, por exemplo, e eu diria que em todo mundo que acaba virando a sensação-do-momento nas letras atuais. E sobre as drogas em Tartt: ela é da geração do Brett Easton Ellis, o cara do Psicopata Americano, e aliás era do círculo de amigos dele e se não me engano namorou ele, e é daí que vem esse tratamento estúpido das drogas, que só o David Foster Wallace conseguiu quebrar.
A descoberta do William Vollmann é que me provou que os americanos ainda têm jeito -- e também que os williams americanos são todos fodões: William Faulkner e William Vollmann e William Gaddis e William Gass e William Carlos Williams.
Já que citei o Cassionei ali em cima, lembrei do gosto dele por Vila-Matas e do seu desgosto por Vila-Matas, e aí olhei pro meu kindle aqui na mesa, onde estou lendo o segundo romance seguido de David Markson desde que descobri o cara semana passada.
ExcluirO Markson se tornou um dos maiores exemplos de meta-literatura que eu conheço. Escreve sem estórias, ou ao menos sem uma estória no centro, com parágrafos que não são bem parágrafos, e a partir de um método experimental que é mais recorte -- melhor: curadoria -- do que outra coisa. É absolutamente encantador, e nos meus olhos é uma espécie de estágio superior ao projeto do Vila-Matas.
Se alguém tiver curiosidade, seus livros são assim: http://www.cbeditions.com/userfiles/file/markson-this-is-not-a-novel.pdf
O que recomendas do Vollmann e Gass?
ExcluirMatheus, se for ler o Vollmann eu recomendo que comece pelo Europe Central, que é o mais famoso (?) dele. Mas tem também Atlas, que é uma obra composta de mais de cinquenta estórias, todas das viagens do Vollmann.
ExcluirDo Gass eu li The Tunnel e Middle C, e amo os dois, mas se for pra escolher um só, é o segundo. Divirta-se com o Museu da Desumanidade lá do Middle C!