sábado, 11 de agosto de 2012

Culto à Personalidade: Meus 20 Romances Preferidos ( I )

Listas são coisinhas delicadas, que agradam todo mundo que diz não suportá-las. Pensei e pensei, e acho que, finalmente, cheguei à ordem dos meus 20 melhores romances de todos os tempos, os que mais me influenciaram e moldaram minha visão não só do que é a arte, mas a vida. 

1. A Montanha Mágica, Thomas Mann


Esse sempre vai figurar no topo da minha lista. Nunca me senti tão absorvido e deslumbrado por um livro quanto me senti por este.

2. Os Demônios, Dostoiévski

Há um diabolismo perigoso aqui, uma forma de inteligência e uma revelação sobre o homem assustadoras. Da metade para o final desse livro imenso, eu era quase incapaz de ficar quieto sentado ou deitado, tamanha a adrenalina da leitura. O exemplo máximo do suspense. O engendramento progressivo do assassinato que aparece no romance é uma das coisas mais maravilhosas que já vi. Hitchcock é fichinha. Para abalizar minha opinião, Thomas Bernhard teve a mesma impressão quando o leu, e a disse em sua biografia. Assim como ele, ao acabar a leitura pensei que jamais iria encontrar um livro tão bom.

3. Ana Karenina, Tolstói

Não tenho muito o que dizer sobre esse. Apenas um clichê, mas não menos verdadeiros: uma das maiores realizações humanas. Quem ler Ana Karenina e dizer que não gosta, aí é caso para internação.

4. Absalão, Absalão!, Faulkner

Um livro como nenhum outro. Uma força verbal e uma beleza narrativa e reflexiva que me fez pensar que eu seria o miserável mais feliz do mundo se escrevesse igual a Faulkner. Faulkner foi o cara mais feliz do mundo. Se isolar em seu escritório e ter o domínio desse incrível talento, deveria ser um êxtase distintivo igual a nenhum outro. Andar por seus dias famélicos, passar pelas portas dos bancos onde não havia traço de seu nome, e ter consciência de levar o que ele levava... Borges, grande admirador (e tradutor) de Faulkner, expressou bem (claro!) o que uma obra de Faulkner provoca no leitor. Mesmo os mais pequenos romances de Faulkner, ele disse, causam um impacto no final da leitura. A pessoa não sai de um livro dele da mesma maneira que quando entrou. É isso.

5. Tristram Shandy, Laurence Sterne

Quando li Tristram Shandy pela primeira vez, aos 20 anos, eu não acreditei. Depois me perguntam por que eu gosto e respeito tanto a alta-literatura: taí, pelos impactos que ela sempre causa em todos os períodos da minha vida, pelos Alephs que me abre no curto horizonte da mesmice, mostrando que a aparência das coisas é enganosa, que tudo, citando Whitman, são superfícies impossíveis.Li-o em uma biblioteca e à medida que me maravilhava com aquilo, estudava instintivamente recursos de como roubar o grosso volume. Não tinha como enfiá-lo no espaço abaixo da fralda da camiseta e a cintura do jeans, como era meu método de sucesso. De maneiras que, à medida que as páginas passavam, não vi outro recurso que iniciar uma de minhas poupanças monásticas para poder comprar uma edição usada em um sebo. O maior benefício que Shandy fez em mim foi a descoberta de que nada há para se levar a sério, a não ser o humor como método filosófico. Engana-se quem subestima isso. Como Sterne diz no oferecimento de abertura do livro, quem não sorri revela uma doença no espírito. Sterne foi minha libertação. Gargalhar com essas páginas foi minha conversão espiritual. Desde então já não espero o arrebatamento, já o tive. É delicioso o enrolar da trama, que aliás jamais acontece, a infinita conversa entre o narrador e seu tio, as esplêndidas observações. Na verdade é um livro sem tamanho e deveria estar ali no primeiro lugar. Aliás, acabo de ter esse insight: ninguém nunca vai entender Ulisses se não ler primeiro Sterne. Ninguém menos que Javier Marías é um apaixonado por esse livro, tendo ganhado importantes prêmios por sua tradução espanhola dele.

6. Herzog, Saul Bellow

Já falei muito dele aqui, até em resenha própria. Foi um divisor de águas para mim. Mostrou que literatura sublime se faz com qualquer assunto, mesmo com o cotidiano de um judeu burguês e intelectual norte-americano. Só Bellow é páreo para Faulkner. Os dois estão, solitários, no Olimpo dos escritores inalcançáveis do século passado.

7. As Vinhas da Ira, John Steinbeck

Digamos que seja o romance atmosférico manniano das causas sociais. Personagens que ficam para sempre na lembrança, e uma ternura humana poderosa. Do alto da minha masculinidade ostensiva, devo confessar que se trata de um dos romances que me fez chorar. Há um pregador religioso impagável, que nas pregações que fazia citava esse cacoete frasístico de Jesus: Que diabos! Também muito engraçado. Triste e engraçado, à maneira de Chaplin e Twain.

8. Ulisses, James Joyce

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9. O Homem Invisível, de Ralph Ellison

Único romance desse autor negro. Propenso-me a colocá-lo também ao lado de Faulkner e Bellow. Incrível a falha de leitura de alguns autores contemporâneos, sobretudo nacionais, que nunca citam esse romance, demostrando não terem-no lido_ a exemplo a indiferença do mercado editorial, que há mais de 30 anos não relança esse romance. Uma crítica social das mais poderosas, não só sobre  a discriminação racial nos EUA, mas sobre a sobrelevação do humano. O negro narrador é quem é o homem invisível do título, não do ponto de vista das assombrações poeanas (como ele afirma em sua primeira página antológica), mas o homem desprezado, exilado em sua própria miséria social. Tem a força lúcida da incorreção política de Os Demônios, pois não eufemiza e heroiciza ninguém; os negros norte-americanos são mostrados em sua bronquidão e ignorância espiritual resultado de séculos de exploração. Na verdade é uma incrível jornada pelos Estados Unidos suburbano, à maneira de Dante, só que em vez da companhia de Virgílio, o narrador, como ele diz, é ciceroneado por Louis Armstrong. Um romance movimentado, com muita luta de boxe, revoluções fajutas e mal intencionadas, mulheres perversas e uma profunda, erudita e inigualável prosa poética.

10. Dia de Finados, Cees Nooteboom

Também pouco tenho a dizer a mais desse. Tem uma resenha sobre ele por aqui. Soou como uma calma e recolhida sinfonia de enorme beleza e confiança.

22 comentários:

  1. Estava esperando por um post desses, Charlles! Queria saber quais foram os livros que você leu e que o marcaram profundamente. Esperarei os próximos. Conhecemos o leitor pelos livros que o formaram!

    Abraços!

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    1. Não foi para fazer suspense que não concluí a lista, Carlinus, é que moleque pulou no pescoço e eu tive que sair pra comprar sandalinha e motoca. Vou completá-la mais tarde.

      Abraços.

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  2. Entendo! São os dilemas da paternidade!

    Apenas uma curiosidade: nesta lista não terá nenhum autor brasileiro?

    Outro dia vi uma lista que o Milton fez e vi, pelo menos, dois: Guimarães Rosa e Machado de Assis.

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    1. Uma lista em nada patriótica, Carlinus.

      Nos 30 mais, creio que Sertão Veredas entraria. Mas se trata de uma leitura recente, daí a digestão da coisa. Toda lista é desastrosa e omissiva, pois falta aqui Saramago (O ano da morte de Ricardo Reis), e Lobo Antunes (Os cus de Judas). Se fosse poesia, Fernando Pessoa estaria em terceiro ou quarto lugar. Se fossem contos, um autor goiano pouquíssimo conhecido estaria lá pelo décimo: Bernardo Élis (mas só com 4 contos incomparáveis).

      Trata-se de livros que me mudaram e moldaram. Não tenho muita tradição com literatura nacional.

      E Machado nunca foi impactante na minha vida. Na verdade, intimamente, não o acho grande.

      Graciliano Ramos me impressionou aos 16 anos. Mas foi só.

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  3. Sorri imbecil, feliz, quando vi que não tinha O Som e a Fúria na lista, mas Absalão! Absalão!

    Listas são lesadas porque listas, como tem que ser; o absurdo é quando lesada fica a substância da lista, como aconteceu com a nojentíssima Granta e seus "melhores jovens escritores brasileiros", mas isso é outra história.

    Eu me percebo impossibilitado de separar romances, poemas e contos. Minhas listas saem sempre gritando uma com a outra, numa confusão de Manoel de Barros, Hemingway, Borges, Pessoa e Woolf.

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    1. O Som e a Fúria estaria entre os meus piores. Sobre separação de gêneros, Faulkner, Bellow e Tolstói também são grandes contistas, mas, com exceção desse último, não contistas "puros", como Chécov e Borges, e Kipling. Não o são por seus contos estarem na fronteira com a novela ou o romance curto.

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  4. Eu me nego a fazer listas porque iria deixar muita coisa de fora. Tua lista é muito boa.

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  5. Eu estava aqui pensando "o Charlles já tinha feito uma lista em algum lugar", só não lembrava onde. Até que achei:

    http://www.sul21.com.br/blogs/miltonribeiro/2011/05/13/meus-dez-livros-preferidos/#comment-19395

    Notei que alguns flutuaram na lista. Por exemplo: Joyce deu uma subidinha, Roth despencou e Sterne surgiu do nada. Porém, os quatro primeiros continuaram imexíveis. Esses você tem certeza absoluta sobre seus lugares, já os outros depende do humor e do momento, é isso? hehe

    Abraços

    * Ainda fico PUTO quando você não posta nada por uma semana e de repente aparecem três grandes posts seguidos, pois me sinto compelido a ler na hora!!

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    1. Obrigado, Matheus.

      Listas tem suas próprias idiossincrasias (obrigado pela chance de usar essa palavrinha, hehe). Me lembrava dessa outra lista, de tê-la feita, mas não recordava aonde, e qual o conteúdo. Um mentiroso é posto em prova quando consegue manter a mentira em todas as versões contadas.

      Mas acho que essa lista aqui é mais fiel. Pensei-a por muito tempo. E é claro que os livros são flutuantes.

      Forte abraço.

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    2. "* Ainda fico PUTO quando você não posta nada por uma semana e de repente aparecem três grandes posts seguidos, pois me sinto compelido a ler na hora!!"

      Ufa, mais um!

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  6. Charlles, descobri que você me forneceu um bom material para que eu leia, pelo menos, nos próximos dois anos!

    Obrigado!

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    1. Comigo, idem! Comecei a gostar de Philip Roth graças ao Charlles, sentido-me obrigado a comprar alguns de sua extensa obra.

      Na verdade, ele, o Milton Ribeiro, a Caminhante e mais todo mundo que comenta lá e cá e tem seus blogs, fica estimulando os outros a lerem diferentes autores por diversos motivos, perspectivas opostas, etc. Quem acompanha esse grande ~ journal ~ bloguístico dia-a-dia não precisa de revista engessada, de banca ou acadêmica, para cagar na nossa cabeça o que é literatura.

      Os textos viciantes do Charlles sobre Tolstói, sobre os judeus Roth e Bellow, e ainda Faulkner; Milton falando sobre sua paixão por Doutor Fausto de Mann, dos papos com o tradutor Herbert Caro; a Caminhante lembrando sempre ao goiano de Grande Sertão: Veredas (:)); até o Marcos Nunes (que vai reclamar desse meu quase-puxa-saquismo-quase-viadagem), resmungando de tudo e todos, gostando de nada, é um dos motivos de ligar o computador, entrar na internet e ler sobre literatura, renovando diariamente meu interesse e amor por ela.

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    2. Uau, muito feliz por entrar nessa ilustre lista! Mas minha presença nela é injusta. É mais preciso me colocar ao teu lado entre as pessoas que foram influenciadas.

      Depois de terminar o meu mestrado eu havia ficado esgotada, enjoei de ler. Começava a ler e em poucas linhas me dava um cansaço visual, não conseguia mais me concentrar. E fui me acomodando, deixei de ser uma leitora. Por acaso, conheci o blog do Milton e as discussões entre Charlles/Marcos/Milton/Ramiro e outros (que sumiram com o tempo) que me levaram a querer entrar no mundo da leitura de novo. Estou anos luz de distância deles, também vivo fazendo listas com as coisas que eles indicam. Nem Borges eu li ainda.

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    3. Matheus, muito obrigado mesmo por estas palavras, cara! Não é rasgação de seda não, mas é muito bom ter visitantes como você, que mostram a qualidade de atenção e interesse do outro lado. Esse blog tem o privilégio de só ter essa classe distinta de visitantes.

      Como todos devam saber, minha área de trabalho é outro, que nada tem a ver com literatura. Então, esses textos tem o pecado apenas de ser feitos com paixão, sem interesse algum de passar como obra de um especialista ou expert de qualquer tipo, ou intelectual ou o diabo que seja. Muitas e muitas vezes, como na recente discussão sobre Paulo Coelho x James Joyce no blog do Milton, eu percebo, após escrever meus comentários, um tom de arrogância da minha parte que me dá nos nervos. Na vida pessoal, sério, eu não tenho nenhum pingo de arrogância ou soberba, que são duas das coisas que mais desprezo: tenho sim uma posição reacionária protetora, que julgo imprescindível. Então, sempre reafirmo que aqui se fala de literatura, cultura e miscelâneas com a falta de comedimento dos aficionados por futebol.

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    4. Carlinus, bom saber! Anos de muito enlevo.

      Forte abraço!

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  7. As vinhas da ira também é grosso. Bem que você podia nos recomendar uns livros de letras grandes e figuras.

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    1. Pegastes-me nesta. Letras grandes e figuras, hum..., tenho sim, mas não é para a sua idade.

      Mas Steinbeck tem um fininho e muito bom, que presumo não deve faltar nessa maravilhosa biblioteca que tem aí em Curitiba: "Ratos e Homens".

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  8. Não sei se alguém vai ler, mas lá vai uma pergunta: tem alguma edição de Os Demônios de Dostoiévski mais recomendada que outra, como Tolstói e as traduções diretas recentes de Rubens Figueiredo?

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    1. A da Editora 34 é imbatível, Matheus.

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    2. Valeu, Charlles. Anotado para compras futuras.

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