"Considera-se tão leitor como editor. A edição lhe roubou basicamente a saúde, mas parece que em parte roubou também o bezerro de ouro do romance gótico, que forjou a lenda idiota do leitor passivo. Sonha com o dia em que o fim do feitiço do best-seller dê lugar à reaparição do leitor com talento e se recoloquem os termos do contrato moral entre autor e público. Sonha com o dia em que os editores literários possam respirar de novo, aqueles editores que se desdobram por um leitor ativo, por um leitor suficientemente aberto a ponto de comprar um livro e permitir em sua mente o desenho de uma consciência radicalmente diferente da sua própria. Acredita que, se é exigido talento de um editor de literatura ou de um escritor, deve se exigir talento também do leitor. Porque é preciso não se enganar: a viagem da leitura passa muitas vezes por terrenos difíceis que exigem capacidade de emoção inteligente, desejos de compreender o outro e se aproximar de uma linguagem distinta de nossas tiranias cotidianas. Como diz Vilém Vok, não é tão simples sentir o mundo como Kafka o sentiu, um mundo no qual se nega o movimento e em que se torna impossível sequer ir de um povoado a outro. As mesmas habilidades necessárias para escrever são necessárias para ler. Os escritores decepcionam os leitores, mas também acontece o contrário e os leitores decepcionam os escritores quando só buscam nestes a confirmação de que o mundo é como eles o veem..." (Dublinesca, tradução José Rubens Siqueira, editora CosacNaify, p. 69)
Esse Vila-Matas é um presunçoso, um pernóstico, que acha que só porque viveu a vida enfurnado em livros é mais esperto que um pescador que só percorreu os mares do mundo para lhe dar o que comer. Tá, é chato quando o leitor só quer dos livros a confirmação de seus pareceres prévios sobre tudo, mas, mesmo assim, bestalhão Enrique, mesmo quando o tal leitor só vê na literatura uma coisa de autoajuda, de ratificação, algo que lhe dê alguma esperança para levantar da cama e fugir à depressão, enfim, mesmo quando o leitor, por razões de aversão ao tipo de escrita e ideias contidas em determinado livro, mesmo este que, como eu, leu com enorme desprazer teu livro "O mal de Montano", mesmo este engole o que detesta e vomita o que não consegue digerir, mas guarda sempre em si algo que ficou lá, indigesto, e mesmo assim desceu seus intestinos, passou a fazer parte de seu sangue e se transformou dignamente em merda, para enfim cagar a merda Enrique Vila-Matas e dar, sem sutileza alguma, descarga, supirar, murmurar, enfim, livre, livre mesmo quando é impossível, não mais se está, o lido fica e o leitor indigno ainda se lembra de ti, Vila-Matas, que o demônio o guarde em seu próprio figado supurado.
ResponderExcluirHahahaha...O bom e velho Marcos Nunes. Estou lendo o Vila-Matas pela primeira vez, o Dublinesca, e estou gostando. Percebo umas forçações de barra para agradar gregos e troianos, os adeptos do romance ensaio, os que leem best-seller, e os que curtem narrativas de viagens, os que ficam na galáxia de Guttemberg e os modernosos que partiram para o Kindle e o IPad. É tanto um misto de leitura refinada com pontadas de suspense e mistérios a serem revelados na última página. Mas o cara escreve bem, há de convir. Não tanto como o Javier Marías, e não tem a pretensão de amplitude do Bolaño, mas é bom.
ResponderExcluirÉ que eu tô me exercitando pra ser um Paulo Francis de esquerda, já que tem tanta gente hoje emulando-o na forma mais reacionária possível...
ResponderExcluirE é como tá dito no comentário mesmo: a merda é que O mal de Montano acaba deixando lá uns traços na gente... bleargh, só de falar isso já dá vontade de vomitar de novo!
Não conhecia o tal do Vila-Matas; mas aproveitando as palavras que aparecem
ResponderExcluirsem que se saiba como; e sabendo que
para escrever e ler, sadiamente, é necessária
a alma, porém sabendo também que existem seres sem alma,então só me resta deixar isso, aqui...
MATA DO MORRO
by Ramiro Conceição
De meu dentro,
saí do fúnebre.
Agora adentro
pela mata do morro
onde voo
para dentro do céu.
Em tempo ainda: Charlles, sabe qual a palavra aleatória que tive que digitar para permitir o comentário anterior: TRATO!!!
ResponderExcluirPois é, caro amigo, temos a partir de agora um trato com a VIDA!
Enquanto lia O Mal de Montano, o Marcos comentava como é chata essa literatura que só fala de literatura e da forma como ela recompõe o mundo em um paraíso artificial. Ou coisa assim. No entanto, ele não deixa de fazer coisa semelhante. O que explica o mau humor que guarda o bom humor debochado de sempre. Mas eu não li o Vila-Matas.
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